sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sacrosanctum Conclium. Parte 14. A Liturgia nos impele a que?


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O número 10 da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium é relativamente grande e complexo, envolve dois parágrafos e compreende uma profundidade muito maior do que uma mera leitura rápida pode descortinar.

O segundo parágrafo diz o seguinte em sua primeira oração:

10. (...)
A Liturgia, por sua vez, impele os fiéis, saciados pelos «mistérios pascais», a viverem «unidos no amor»; (...)

É preciso entender que a Liturgia, como diz a primeira oração desse parágrafo, impele os fiéis a viverem unidos no amor e não o contrário. Não adianta buscar o amor na Santa Missa. Busque a Santa Missa por amor. A medida que buscarmos a Santa Missa antes do amor, seremos mais um dentre muitos a achar que a Liturgia poderia ser mais dinâmica, rebolativa, rítmica, teatral e outras coisas do tipo. Diametralmente oposto a isso, pode ser que você veja a Santa Missa como um conjunto de regras rígidas e sem sentido, o que pode levar a relativização ou ao desinteresse por excesso burocrático. Não busque a Santa Missa para satisfazer a si. A Santa Missa é culto agradável a Deus e não aos homens.

Tendo esse amor já como parte integrante de seu coração a Liturgia atrai como um ímã para si essas pessoas. Esse amor dentro da Liturgia é dilatado ao infinito quando nos unimos a Deus na renovação de Seu sacrifício. Não a toa nosso eterno Papa, agora Papa Emérito Bento XVI afirmou em homilia:

“Portanto, o amor de Cristo, a caridade que "jamais passará" (1CO 13,8), é a energia espiritual que une quantos participam no mesmo sacrifício e se alimentam do único Pão partido para a salvação do mundo. Com efeito, é porventura possível comunicar com o Senhor, se não comunicamos entre nós? Então, como podemos apresentar-nos diante do altar de Deus divididos, afastados uns dos outros? Este altar, sobre o qual daqui a pouco se renovará o sacrifício do Senhor, seja para vós amados irmãos e irmãs, um convite constante ao amor; aproximar-vos-eis dele sempre com o coração disposto a acolher o amor e a difundi-lo, a receber e a conceder o perdão.”
(Bento XVI. Celebração da Santa Missa com dedicação do altar da catedral de Albano. 21/09/2008)

Pois bem, outro ponto que deve ser discutido a fundo, algo que não será possível fazer aqui, mas que podemos pincelar, é o que realmente pode significar viver “unidos no amor”.

O amor que o documento fala não é aquele amor homem-mulher que a teologia e filosofia chamam de eros, é muito mais que isso. Aquele amor eros é um amor imperfeito que nos mantém atraídos a relacionarmos com uma outra pessoa mais que a outras. Não se trata de um amor errado, apenas de um amor diferente do que aqui discutimos. Não se trata também daquele amor filia que é aquela virtude relacional que envolve outro sujeito de forma familiar e fraternal, contudo se aproxima muito mais do amor que a Liturgia impele do que o eros. A filia é um amor que se torna caminho dentro da Liturgia para o amor que realmente se deseja: o ágape. Esse ágape é o amor mais profundo que, englobando o outro, traz esse à sua proximidade de forma tão elevada que só em Deus pode ser concebido. Esse é o amor que Deus deseja que tenhamos uns pelos outros ao afirmar: amai-vos uns aos outros (Jo 13, 34a; Jo 15,12). Esse é o amor que não espera retorno, que não espera pagamento e que realmente está relacionado com a verdade e com a caridade em seu verdadeiro sentido.

A caridade é a virtude teologal que engloba essas três formas de amor. Dentro desse amor incondicional que é o ágape temos a caridade em sua expressão maior. Quando falamos em caridade não falamos em dar coisas. Em nossa língua a falta de uma palavra que realmente expresse o que quer dizer a expressão latina caritas, torna a caridade sinônimo de solidariedade o que é entendido pela maioria como dar a outros alguma coisa, normalmente o que não me serve mais. Isso não é caridade em sua verdadeira expressão. A caridade verdadeira é aquela muito bem expressada por São Paulo quando escreveu aos Coríntios (1Cor 13).

Esse amor sincero e sem interesses, esse amor que é fonte e princípio, real e interior é o amor que a Liturgia impele. Aquele amor que tem como pano de fundo algum interesse, mesmo que bom; que busca algo ou alguém, mesmo que boa pessoa na melhor das intenções; que tem causas e não é a gênese; esse amor não é o amor que a Liturgia impele pelo simples fato de que se trata de um amor exterior que se realiza com um ato ou fato, ou seja, que tem uma causa exterior que o aclama. Precisamos de um amor que é nascente e que nos mostra como a Liturgia da Santa Missa pode ser tão sublime mesmo que celebrada pelo pior dos oradores e cantada pelo mais desafinado dos corais, mas celebrada com a mais profunda piedade.

Entretanto ainda falta uma pequena questão: não basta chegarmos a esse amor verdadeiro e desinteressado que leva à caridade, verdadeira virtude teologal. É preciso depois disso viver unidos no amor. Se já era difícil viver sozinho esse amor, o que dirá vivermos unidos nesse amor? A grande questão é: se você vive sozinho esse amor, então você não vive esse amor. O amor é virtude relacional, ou seja, precisa de outro para existir. Não existe amor sem um alter. Penso que isso seja tão claro que nos perdemos frente a tamanha obviedade, afinal, o que é obvio demais fica difícil de ser enxergado.

Se todos vivermos unidos nesse amor sincero e sem interesses difusos. Esse amor que nos leva a ver e entender o outro mais e melhor que nós mesmos, podemos viver em um mundo melhor, fraterno, pacífico e a caminho da salvação. É o “simples” viver o evangelho, a boa nova.

Atenção a partir daqui. Não estamos falando em igualdade. Socialismo está longe dessa realidade. Estamos falando em caridade e ajuda a cada um dentro do que cada um realmente necessita. Alguns precisam de mais outros de menos. É preciso muita honestidade intelectual e sinceridade interpessoal nesse momento. Onde encontrar isso tudo? Em Cristo através da Santa Missa.

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