terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sacrosanctum Conclium. Parte um.


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Dizem por ai que a melhor forma de iniciar qualquer coisa é pelo começo. Não discordo. Sendo assim vamos começar a analisar o documento do Concílio Vaticano II, intitulado Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium que legislou sobre a sagrada liturgia.

Pois bem, como tinha dito, o início é sempre o melhor lugar para se começar, então vamos iniciar com um excerto do primeiro número do documento:

1. O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia.

Como é bom lermos a introdução de todas as coisas, não é mesmo? Hoje já se perdeu esse costume já que a moda é o rápido. 140 caracteres e abreviações das mais esdrúxulas é que passou a ser a melhor forma de se escrever. Ler prefácio de livros? Nem pensar. Quem faz isso hoje em dia? Pois perdem uma enorme riqueza ao não lerem os prefácios e as introduções dos livros. Aliás, perdem muito em não ler livros.

Mas o que isso tudo tem a ver com a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium? A princípio tudo.

O número 1 do texto coloca as propostas para o Concílio. Essas propostas são lidas por muitos sem se ler o final do parágrafo.

Inicialmente diz: “O sagrado Concílio propõe-se (...)”

a) (...) fomentar a vida cristã entre os fiéis (...). Fomentar a vida cristã é o que a Igreja sempre fez e sempre fará, afinal é a forma de se chegar à salvação. O grande problema está em entender como se fomenta a vida cristã. Infelizmente para muitos que deturpam o verdadeiro ensinamento e espírito do Concílio, a vida cristã se fomenta através de oração e obediência à Igreja e todos os seus preceitos, eu disse todos e não aos que você escolher.

Obviamente que obedecer e crer na Igreja importa em ter uma vida de oração, mas é bom que se destaque isso, afinal não é apenas mais uma regra. Dificilmente encontramos um que se diz católico que se predisponha a rezar três ave-marias durante o dia, aliás, será difícil encontrar um que rigidamente encontre disposição inflexível de ir à missa todos os domingos. Até para essa presença na santa missa as dificuldades se avolumam.

Então, a Igreja sempre buscou fomentar a vida cristã, o grande problema são os meios para esse fomento. Alguns consideram que a política é um grande meio para esse fomento, do que não discordo em momento algum, contudo não posso concordar que seja o único nem que seja o mais importante.

Da mesma forma, realizar celebrações litúrgicas da santa missa em que as pessoas que ali estão presentes necessariamente sejam o alvo, ou seja, faz-se a missa não para Deus, mas para a torcida, também não é o meio de fomentar a vida cristã. Vida cristã não é estar dentro da Igreja para fazer o que bem entender. É estar dentro da Igreja e fazer parte dela. Quando se faz parte de um corpo não se pode ir contra o comando desse corpo. Ao acaso a mão não obedece a cabeça? Ou se rebela contra ela e age como bem entender? É simplesmente absurdo pensar assim.

A Igreja fomenta a vida cristã quando age de forma cristã, ensina de forma cristã e exige de seus fiéis atitude e ensinamento cristãos. A Igreja age de forma cristã a medida que é esposa de Cristo e Dele não pode se separar. Age de forma cristã a medida que Cristo a quis e a fundou. Age de forma cristã a medida que é guiada pelo Espírito Santo.

Fomentar a vida cristã entre os fiéis não pode ser interpretado como sendo um motivo para o fim das hierarquias uma vez que a vida cristã entre os fiéis é incompleta já que não podem fazer parte da hierarquia da Igreja. Não se assustem, é isso que muitos, inúmeros pensam por ai.

Quando o Concílio, através da Sacrosanctum Concilium afirma que é preciso fomentar a vida cristã entre os fiéis, não afirma que os fiéis precisam tomar as decisões que sempre couberam a diáconos, sacerdotes, bispos, cardeais... não significa também que o fiéis precisam passar a cumprir funções que esses mesmos diáconos, sacerdotes, bispos... sempre cumpriram. É por causa de pensamentos (maus pensamentos) como esses que se disseminou uma figura nos altares que nunca deveria ter as funções que culturalmente passou a ter: o Ministro Extraordinário da Sagrada Comunhão. O mesmo poderíamos dizer para os excessos que as equipes de liturgia cometem com a conivência dos sacerdotes e o caos que passou a ser os grupos de catequistas.

Tudo tem um pouco a ver com essa intenção mal interpretada de fomentar a vida cristã entre os fiéis. Toda a questão está envolvida no ponto em que a maioria dos que se dizem católicos não são nem nunca serão católicos. Isso não é de hoje e hoje não terminará. Os católicos de verdade sempre foram poucos, muito poucos, mesmo na Idade Média. Apenas era moda e conveniente ser católico. Os católicos verdadeiros sempre foram um punhadinho.

Isso a Igreja sempre soube e sempre se colocou na posição de mudar essa situação, contudo nesse documento a Igreja deixa bem claro que o meio que ela encontrou para que os católicos verdadeiros aumentem em qualidade e quantidade é pelo testemunho, pelo exemplo. Fomentando a vida cristã entre os fiéis, outros que se dizem fiéis entendem o que é o verdadeiro cristianismo católico.

b) (...) adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança (...). Adaptar sim, claro, porque não? Cada tempo tem suas necessidades, cada tempo tem seu pensamento humano, cada tempo tem suas tecnologias. A Igreja militante está inserida nesse mundo e nesse tempo. Deve usar esse tempo a seu favor, mas não ser escrava dele.

Adaptar as instituições significa caminhar conforme o ritmo da dança, contudo a ressalva é interessante e as vezes acho que é invisível. A frase diz que é preciso adaptar melhor ao tempo as instituições e continua: suscetíveis de mudança, ou seja, é requisito. A frase não termina em instituições. A parte que menciona o “susceptíveis de mudança” é essencial para o entendimento de que certas coisas não são susceptíveis de mudanças: o sacrifício da missa é uma dessas coisas, o respeito à eucaristia é outra e a valorização do sagrado outra. Não vamos nem comentar sobre a doutrina revelada, os dogmas e tantos outros pontos. Fiquemos só nesses, afinal estamos em um documento que fala sobre liturgia.

Quando afirmo que o sacrifício da missa não é susceptível de mudança, não falo de rito. Não me interpretem conforme sua vontade. Falo do sacrifício mesmo. Quantos dos que agora estão lendo esse texto tem a perfeita consciência de que a missa é sacrifício? E quanto estão ouvindo (lendo) isso pela primeira vez? A missa se tornou de tal forma culto agradável aos homens que deixou de ser sacrifício. Ninguém quer sacrifício. Ninguém quer dor, muito menos morte. Quem quer isso? Façamos da missa um culto agradável a quem assiste. Porque não celebramos a vida? Afinal Cristo ressuscitou pra nos salvar, não foi isso? Não, não foi! Cristo morreu pra nos salvar e foi Ele quem quis assim. Não precisava ter sido assim, mas Ele assim o quis. Eu ou você temos autoridade pra questionar ou mudar isso?

A questão passa a ser outra: quais instituições são susceptíveis de mudança? Como essa mudança irá ocorrer e com qual velocidade isso irá acontecer? Isso tudo depende da Igreja, não de nós e a Igreja tem seu tempo. Não queira que tudo aconteça durante o seu ínfimo tempo de vida por aqui. A Igreja não será destruída até que chegue o dia do juízo final. Essa é a promessa em Mateus 28,20.

c) (...) promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo (...). Essa frase pode ser interpretada das piores formas possíveis em prol de um ecumenismo falso e hipócrita.

Promover todo o possível para ajudar todos os crentes em Cristo, não significa de forma alguma em concordar com os erros, as vezes crassos de nossos irmão separados, vulgo protestantes.

Essa promoção também não significa confraternização litúrgica com eles.

O ecumenismo sempre foi a aproximação com os cristãos, eu disse cristãos, para que possamos iniciar uma conversação digna, legítima, leal e saudável sobre nossas diferenças para que eles entendam que o seu retorno à Igreja de Cristo é o melhor caminho. Da mesma forma, passado esse período de conversação, estabelecer normas para receber esses irmãos que estavam separados dentro da Igreja de Cristo. É o que vem acontecendo com muitos leigos e clérigos anglicanos e às vezes com denominações inteiras de igrejas protestantes, especialmente nos Estados Unidos.

E tem outro detalhe; ecumenismo é entre cristãos. Não existe ecumenismo com não cristãos. Com esses é muito complicado iniciar uma conversa, já que ou não creem em Deus uno e verdadeiro, ou deturparam-no de tal forma que fica impossível estabelecer um início para a conversa. Nesse ponto a conversa se dá em outro nível, não em ecumenismo. Lembre-se que os espíritas se colocam nesse grupo de não cristãos.

Pois bem, a frase é simples e pode ser interpretada erroneamente, contudo não seria assim se quem lesse se interessassem em ler a frase como um todo que diz:

(...) promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja (...)

Chamar a todos ao seio da Igreja é o motivo principal do ecumenismo. Por esse único motivo é que se deve promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo.

Concluindo sobre esses três pontos, temos que tudo desemboca em fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja, independentemente se acontecer por meio do ecumenismo, através de adaptar instituições que são susceptíveis a adaptação ou fomentando a vida cristã entre os fiéis.

Finalmente, o parágrafo se auto conclui julgando a si próprio e aos anseios do Concílio dizendo que:

Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia.

Mais uma vez pode ser levado um erro crasso de interpretação: reformar e incrementar a liturgia nunca significou mudar seu motivo de existir, sua função e sua sacralidade.

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