quarta-feira, 23 de março de 2016

A indissolubilidade do matrimônio no Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus.


Antes de qualquer coisa é importante contextualizar o Motu Proprio já que ele não surge do nada ou simplesmente da vontade unilateral do Papa, apesar de o estilo Motu Proprio ser um documento com características muito particulares do ministério petrino. Entretanto, todo um caminho foi feito para se chegar ao que ali consta.

Inicialmente e imediatamente, consta que o Motu Proprio surge advindo da necessidade do Sínodo da Família. Esse é o contexto histórico imediato. Como bem sabemos o tema proposto para esse Sínodo foi os desafios pastorais da família contemporânea. No Instrumentum Laboris, números 97 a 102 constaram as propostas para modificações e aperfeiçoamentos no processo de nulidade matrimonial. Já sabendo o que seria discutido e que o assunto não poderia ficar tão em aberto devido a sua extrema importância, o Papa Francisco já criou de antemão uma Comissão para cuidar desse assunto. Essa Comissão tinha a tarefa de reformar o processo de nulidade matrimonial.

Pois bem, o mais importante vem agora. A Igreja sempre entendeu que o casamento é indissolúvel. Tal entendimento não é uma opção pastoral que a Igreja faz ou mesmo uma regra disciplinar aos leigos e clérigos casados. A regra vem do próprio Deus e, portanto a Igreja não pode modificar nada referente ao assunto. Por esse motivo que o processo é de nulidade matrimonial e não de anulação de matrimônio. Nunca se pretendeu anular matrimônio algum, afinal “o que Deus uniu o homem não separe” (Marcos 10,9). Assim sendo, não é um preceito eclesial, mas sim preceito vindo do próprio Cristo ao responder mais uma vez aos Fariseus que tentavam incriminá-lo através de Suas palavras e ensinamentos.

A Igreja, portanto, não tem competência, ou seja, não tem o “poder” de mudar isso, já que é um preceito vindo do próprio Deus. Esse é o entendimento da Igreja, esse é o entendimento que a Igreja sempre teve e que não está passível de mudança, venha o Papa que vier, o Sínodo que vier. Uma mudança desse preceito seria um claro atentado aos ensinamentos do próprio Deus e, por isso, longe de ser católico.

Bom, passado esse ponto, temos que o Motu Proprio, logo no seu intróito, em meados se seu quarto parágrafo deixa claro o seguinte:

“Conscientes dessa realidade, decidimo-nos a assumir a reforma do processo de declaração de nulidade do matrimônio e, com esta finalidade, reunimos um grupo de homens destacados pelo seu conhecimento do direito, prudência pastoral e prática forense, que, sob a presidência do Excelentíssimo Decano da Rota Romana, esboçassem um projeto de reforma, deixando completamente a salvo o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial.

O Papa Francisco, como não poderia deixar de ser, deixou claro que a indissolubilidade do matrimônio é intocável pelos motivos que acima colocamos.


Não há, portanto, nada de facilitação para um possível “divórcio na Igreja” como a mídia e muitos católicos mal informados divulgaram. Essa possibilidade não existe! O que existe, e isso será motivo para outros artigos sobre esse mesmo Motu Proprio, é a iniciativa e vontade do Papa Francisco em acelerar e modificar algumas questões dentro do processo de nulidade matrimonial, o que, também, não é novidade, já que esse processo vem sofrendo pontuais modificações desde o pontificado de João Paulo II.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Artigo 220 do Novo CPC.


O Novo CPC é considerado por muitos, senão pela totalidade daqueles que pretendem estudar processo civil, como o "código do advogado". Essa alcunha não vem por um motivo qualquer. Realmente o advogado teve vitórias sensacionais e até então consideradas inimagináveis assim que adveio esse Código.

Não vamos falar de todos pelo simples fato de que teria que escrever um livro sobre o assunto, e livros como esse já existem. Sim! Existe mais de um livro que elenca e comenta somente as vitórias da advocacia nesse Novo CPC. Nossa ideia é só falar um pouquinho sobre o artigo 220 do Novo CPC que estipulou o que há tempos vem sendo chamado de “férias do advogado”.

Vamos começar pela problemática. O advogado é considerado pela Constituição Federal como essencial à Justiça a medida que é indispensável para a sua administração (artigo 133, CF/88). Pois bem, se isso acontece com o advogado, não é como qualquer autônomo. Um médico pode tirar suas férias assim que bem entende ou sua agenda assim o permite. Caso ele falte, não precisará de uma procuração ou qualquer outro documento, tirando a autorização de seu paciente para ser substituído por outro médico. O mesmo acontece com diversos outros profissionais. No caso da advocacia não é bem assim. Sem advogado um Poder da República não pode funcionar. Isso leva a um problema clássico: qual o momento para que um advogado privado tire férias, que também é garantia de todo trabalhador. O momento simplesmente não existe porque os prazos não param de correr.

Tempos atrás, antes da Emenda Constitucional 45, tínhamos as férias forenses que foram devidamente e corretamente eliminadas com essa emenda, com exceção dos Tribunais Superiores que continuam com essa prática que considero nefasta. Esse período era o período que os advogados aproveitavam para ter um descanso no ano, contudo tínhamos um problema: tudo parava. Os advogados paravam, mas o Poder Judiciário também parava, ou seja, juízes paravam, serventuários, oficiais de justiça e tudo o que envolvia esse poder, a não ser em caráter de plantão, mas isso é outra história. Bem, como dissemos a EC 45 acabou com isso.

Veio o problema: os advogados ficaram absolutamente sem nenhum período consecutivo no ano que poderiam tirar suas “férias”. A requerimentos das Seccionais da OAB em cada Estado da Federação, os Tribunais Estaduais começaram a estipular por meio de decreto ou algum tipo de provimento, um recesso do dia 20/12 a 06/01, o que não era bem férias de 30 dias, mas já era alguma coisa. As Justiças do Trabalho,  por outro lado, voltavam a trabalhar dia 06/01, mas ficavam com o prazo suspenso até dia 20/01, preconizando parte do que viria com o Novo CPC.

Enfim, era possível ter esse tempo com os prazos suspenso, contudo o problema de que o Judiciário parava como um todo continuava, e isso era feito por provimento ou decreto e não por lei, ou seja, assim que um Presidente de Tribunal resolvesse que não teria o tal recesso, ele não existiria, isso continuou acontecendo. Um Presidente de Tribunal nunca deixou de estabelecer esse recesso porque a prática foi se tornando consuetudinária e até diversos Ministérios Públicos Estaduais aderiram.

O Novo CPC trouxe o artigo 220 que concedeu uma suspensão de prazos de 20/12 a 20/01.

Eis o nosso problema! O Novo CPC não falou de recesso judiciário, não falou de férias forenses. O foco são os prazos unicamente, consequentemente o advogado que é o único que realmente tem prazos fatais, junto com o MP quando atua como parte, digamos assim. Dizemos que isso é problema porque a ideia é que o Judiciário elimine com esses recessos que passam a ser sem nenhum sentido, mas confesso desde já que duvido disso.

Se acontecer decreto de recesso no Judiciário no final de ano, os serventuários do Judiciário passam a ter mais de 30 dias de férias por ano sem lei anterior que confira esse direito. Considero, desde já, improbidade administrativa de quem conceder esse direito que pode ser considerado um dano à Administração Pública, mais especificamente a um Poder da República.

Mais uma vez digo que “darão a volta” nesse argumento mais cedo ou mais tarde e os recessos voltarão a acontecer, mesmo que o desejo do legislador tenha sido de suspender os prazos, mas manter o Judiciário funcionando, já que trabalho é o que não falta.

Outra questão que pode ser levantada é que os advogados contratados pela administração pública e que não terão os prazos suspensos segundo o mesmo Código, encaixarão no mesmo raciocínio. Isso significa que, se esses recessos continuarem a acontecer, também esses advogados que já tem férias anuais de 30 dias, terão mais 15, 20 dias de férias sem previsão legal ou contratual. Com a reserva de que seus órgão de origem possam mantê-los trabalhando internamente independente de recesso do Judiciário.

Pois bem, são só projeções e espero ler esse texto dentro de dez anos e ver que eu estava redondamente enganado e que os prazos realmente passaram a ser suspensos, e que os recessos judiciários também foram eliminados e todos continuam trabalhando nesse período, mas continuo dizendo que duvido muito disso.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Artigo 319, VII do Novo CPC.


Com entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, como já foi dito diversas vezes, parece que a ideia é de uma mudança cultural para os que atuam com o processo. Isso tudo porque temos agora um código que positiva princípios, preza pela autocomposição, parece valorizar muito mais os advogados e tantos outros pontos que podemos aos poucos ir comentando nessas pequenas crônicas.

Um desses pontos, o estímulo à autocompsição, foi e é um dos pontos mais dignos de palestras, debates, conversas e até de dúvidas: a audiência de conciliação ou mediação antes do início do processo propriamente dito.

Inicialmente temos que a maioria dos juristas, que dirá da população, sequer sabe diferenciar conciliação de mediação, mas o pedido para um dos dois deve ser feito já na petição inicial como consta no artigo 319, VII do CPC/2015. Não vamos aqui ficar ensinando o que é mediação e o que é conciliação porque simplesmente não é o tema desse texto que apenas é uma crônica e não pretende ser doutrinário, muito menos explicativo a esse ponto. Quem quiser saber existem milhares de sites que podem ensinar rapidamente o que é cada coisa.

O ponto aqui é outro, apesar que saber conceitos faz parte também. O ponto aqui é: como o Poder Judiciário vai consegui lhe dar com essa quantidade exorbitante de audiências?

Sabemos que, por óbvio, não serão os juízes que tomarão frente dessas audiências, contudo alguém precisa estar à frente. Os Tribunais, especialmente os estaduais simplesmente não tem a mínima estrutura para conseguir manter com o mínimo de dignidade e a contento audiências preliminares de conciliação ou mediação em todos os processos. Há relatos de demora de semanas, quiçá meses em alguns estados, para a mera distribuição de uma ação ordinária sem pedido de liminar ou antecipação de tutela ou mesmo sem preferências sejam elas quais forem. Imagina o que será com a marcação dessas audiências.

Espero estar muito errado ao pensar que a competência administrativa dos Tribunais estaduais simplesmente não suportarão o volume e começarão a fazer como os Juizados Especiais Cíveis, ou seja, marcar audiência um ano e meio e até dois anos a frente. Espero estar errado, mas certamente não estou, afinal o estado é o pior administrador de qualquer coisa que se possa imaginar, e dessa generalização não excluo nenhum âmbito ou Poder estatal.

Algumas dúvidas me batem à cabeça sobre essas audiências. Tenho o conhecimento de que vários Tribunais já estão organizando e preparando pessoas para serem mediadores e que cursos estão sendo feitos. Sei também que existem estados em que as pessoas receberão mensalmente e outros por ato, ou seja, a audiência terá um valor fixo em torno de R$25,00. Pois bem, seja um seja outro (e por hora nem vou discutir sobre os critérios de contratação desse pessoal), qual a quantidade de audiência que um mediador ou conciliador terá que fazer por mês? As audiências serão marcadas em que momento processual exatamente: no ato do protocolo da inicial, no cadastro, na distribuição, após ou antes da apreciação de um possível pedido liminar? Qual o impacto disso no orçamento do Tribunal e muito mais importante: esse valor, mais cedo ou mais tarde, será repassado para as custas processuais aumentando ainda mais o valor de custas iniciais que é exorbitante e até proibitivo para o jurisdicionado?


Outras dúvidas me vêm à cabeça, mas elas estão associadas a outros incisos desse mesmo artigo 319 do Novo CPC e prefiro deixar para um artigo separado e específico, contudo é possível perceber que em um pequeno texto como esse muitas dúvidas e questionamentos podem ser feitos e praticamente nenhum tem resposta, isto é, a resposta virá com a prática e com os erros que certamente virão. Quem venham os erros então!!!