sábado, 6 de abril de 2013

Sacrosanctum Conclium. Parte onze. Igreja, nossa bússola. O envio como condição.


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Em continuação ao número 9 do documento do Concílio Vaticano II intitulado Sacrosanctum Concilium, não é possível deixar em branco a menção de que esse parágrafo pode e deve gerar uma série de reflexões devido a sua complexidade e conteúdo. Dentro de quatro ou cinco linhas o parágrafo diz muito e pode ser destrinchado em diversos temas que geram diversas discussões.

É nessa esteira que vamos correr, caminhar e tentar chegar a algumas rasas conclusões. Vejamos, novamente, o que o parágrafo de número 9 nos fala:

9. A sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão: «Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).

Bom, que antes de participar da missa é preciso conversão, isso já estudamos e foi digno de um artigo inteiro anterior a esse, contudo que conversão é essa e de onde vem. Melhor ainda, como vem e como podemos reconhece-la?

O reconhecimento da verdadeira fé é um problema dos dias atuais. Como atuais me circunscrevo a cerca de quatro séculos, e piorando gradativamente. Aos que ainda não entenderam, falemos de forma clara: o protestantismo é um sério problema de identidade. Explico! A medida que a verdadeira fé não é reconhecida, ela, necessariamente, deve ser reconhecida em outros lugares, mesmo que errôneos, afinal, como pode ser estudado no catecismo: “O Homem é capaz de Deus” o homem sempre busca a Deus. Não adentraremos nesse tema agora.

O importante é verificar que o protestantismo é uma tentativa de encontrar Deus onde Ele não está. Quando se acha que encontrou algo onde esse algo não está, certamente estamos encontrando algo que se parece com o que buscamos, mas que não é exatamente o que buscamos. Pode até ser um vestígio, uma pista, mas não é exatamente nosso objeto de desejo.

Não há como se converter sem saber pra que lado se vai. Conversão pode acontecer de todos os modos para todas as teses e teorias, por mais absurdas que possam parecer. Por isso é preciso algo exterior que nos governe: uma bússola.

O que poderia ser essa bússola? O que pode poderia ser esse algo externo que nos guia? Bom, aos bons entendedores...

A Igreja precisa ser esse caminho para Cristo que “é o caminho, a verdade e a vida”(1Tm. 2, 5). Acontece que nesse caminho temos vários obstáculos, vários sacrifício e vários encontros. Esses encontros podem ser para nos ajudar ou nos atrapalhar. Nos ajudam porque querem fazer o bem ajudando alguém ou as vezes sem querer, da mesma forma, nos atrapalham querendo nos ajudar ou querendo fazer o mal. Isso acontece em todo caminho, certo?

Pois bem, com esse instrumento que Cristo nos deixou para que possamos ser guiados a Ele, nosso verdadeiro norte, essa bússola que é a Igreja, precisa de ponteiros regulados e em perfeita consonância, perfeita sincronia com essa bússola. Como fazer isso? Quem seriam esses ponteiros que nos indicam esse caminho dentro dessa bússola? Qual o grau de cumplicidade e sincronia entre os ponteiros e a bússola?

Em primeiro lugar sabemos que toda bússola aponta para o Norte. O Norte atrai seus ponteiros. A Igreja sempre aponta para Cristo justamente porque Cristo atrai os seus, mas não basta ser atraídos, precisamos ter certeza de que estamos sendo atraídos para o caminho certo e só uma bussola bem regulada pode nos garantir isso.

O número 9 do Sacrosanctum Concilium é claro ao ilustrar-se com a seguinte passagem bíblica;

«Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15)

A passagem pede o uso da lógica. É um caminho que obrigatoriamente temos que seguir. Não há como crer na pessoa certa, muito menos invoca-lo se não for por meio de um caminho certo, um ponteiro bem sincronizado em uma bússola bem regulada e correta. É preciso que sejamos enviados para esse serviço que é a evangelização.

O Catecismo de João Paulo II em seu número 875 menciona esse mesmo contexto e nos dá um caminho muito claro sobre o assunto de envios:

875. (...) Ninguém, nenhum indivíduo ou comunidade, pode anunciar a si mesmo o Evangelho. «A fé surge da pregação» (RM 10,17). Por outro lado, ninguém pode dar a si próprio o mandato e a missão de anunciar o Evangelho. O enviado do Senhor fala e atua, não por autoridade própria, mas em virtude da autoridade de Cristo; não como membro da comunidade, mas falando à comunidade em nome de Cristo. Ninguém pode conferir a si mesmo a graça; ela deve ser-lhe dada e oferecida. Isto supõe ministros da graça, autorizados e habilitados em nome de Cristo. É d'Ele que os bispos e presbíteros recebem a missão e a faculdade (o «poder sagrado») de agir na pessoa de Cristo Cabeça e os diáconos a força de servir o povo de Deus na «diaconia» da Liturgia, da Palavra e da caridade, em comunhão com o bispo e com o seu presbitério. A este ministério, no qual os enviados de Cristo fazem e dão, por graça de Deus, o que por si mesmos não podem fazer nem dar, a tradição da Igreja chama «sacramento». O ministério da Igreja é conferido por um sacramento próprio.
(Catecismo da Igreja Católica)

Falando claramente, não é possível que alguém se autointitule pastor, bispo e até apóstolo como é o que vemos por ai. Ninguém nesse mundo tem autoridade própria para se conceder esses títulos. Esses títulos foram concedidos pelo próprio Deus na pessoa de Cristo e esses mandatos foram entregues a essas pessoas. Por Cristo ainda foi dado o múnus de dar continuidade a esses mandatos, conceder a sucessão, tudo sob a promessa de que nunca iríamos ser abandonados por Ele (Mt. 28, 20).

O sacramento da ordem é preciso para que os devidamente enviados possam proceder como pastores (padres e diáconos), bispos e sucessores reais dos apóstolos, da mesma forma é preciso que todos nós, católicos, leigos ou não, sejamos enviados pelo menos semanalmente, na Santa Missa, para o nosso trabalho de evangelização. Esse envio só pode ser feito por um sacerdote que, antes, fora devidamente enviado para isso e assim sucessivamente pelos séculos até chegarmos ao próprio Cristo.

O nosso Papa Emérito Bento XVI, então ainda no governo da Igreja, proferiu as seguintes palavras sobre esse assunto em audiência no Vaticano:

Num trecho sucessivo, diz ainda:  "A fé vem da escuta" (cf. RM 10,17). A fé não é produto do nosso pensamento, da nossa reflexão, é algo de novo que não podemos inventar, mas somente receber como uma novidade produzida por Deus. E a fé não vem da leitura, mas da escuta. Não é algo somente interior, mas uma relação com Alguém. Supõe um encontro com o anúncio, supõe a existência do outro que anuncia e cria comunhão.
(Audiência. Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)

Ou seja, é preciso que haja um outro anterior que tenha enviado aquele que agora nos prega e esse outro foi enviado por um outro que o antecedeu e assim viajamos pelos séculos em sentido inverso, retrocedendo, ininterruptamente até os apóstolos e o próprio Cristo.

E no mesmo dia, na mesma audiência, Bento XVI conclui:

E finalmente, o anúncio:  aquele que anuncia não fala por si, mas é enviado. Está dentro de uma estrutura de missão que começa com Jesus enviado pelo Pai, passa aos apóstolos a palavra apóstolos significa "enviados" e continua no ministério, nas missões transmitidas pelos apóstolos.
(Audiência. Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)

E é assim que a Liturgia se desenvolve para os que anteriormente se converteram. A palavra de Deus é transmitida na Santa Missa e assim o é desde os primórdios quando os próprios apóstolos (enviados), enviavam outros sacerdotes e mesmo seus sucessores, para os mais distantes pontos da Terra a fim de divulgar uma palavra intacta, afinal, é a palavra de Deus.

E termina Bento XVI explicando tais pontos mais detidamente:

"Ele vos dará outro Paráclito o Espírito da Verdade". A fé, como conhecimento e profissão da verdade sobre Deus e sobre o homem, "surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo", afirma São Paulo (RM 10,17). Ao longo da história da Igreja, os Apóstolos anunciaram a palavra de Cristo, preocupando-se em transmiti-la intacta aos seus sucessores, que por sua vez a comunicaram às gerações sucessivas, até aos nossos dias. Muitos pregadores do Evangelho deram a vida precisamente em virtude da fidelidade à verdade da palavra de Cristo. E assim, da atenção pela verdade nasceu a Tradição da Igreja. Como nos séculos passados, também hoje há pessoas ou ambientes que, ignorando esta Tradição plurissecular, gostariam de falsificar a palavra de Cristo e tirar do Evangelho as verdades que, na sua opinião, são demasiado incómodas para o homem moderno. Procura-se criar a impressão de que tudo é relativo: também as verdades da fé dependeriam da situação histórica e da avaliação humana. (Viagem Apostólica do Papa Bento XVI à Polônia. Homilia na cidade de Varsóvia, 26/05/2006)

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