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Em continuação ao número 9 do documento do Concílio
Vaticano II intitulado Sacrosanctum Concilium, não é possível deixar em branco
a menção de que esse parágrafo pode e deve gerar uma série de reflexões devido
a sua complexidade e conteúdo. Dentro de quatro ou cinco linhas o parágrafo diz
muito e pode ser destrinchado em diversos temas que geram diversas discussões.
É nessa esteira que vamos correr, caminhar e tentar
chegar a algumas rasas conclusões. Vejamos, novamente, o que o parágrafo de
número 9 nos fala:
9.
A sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de
poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão:
«Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem
ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se
não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).
Bom, que antes de participar da missa é preciso
conversão, isso já estudamos e foi digno de um artigo inteiro anterior a esse,
contudo que conversão é essa e de onde vem. Melhor ainda, como vem e como podemos
reconhece-la?
O reconhecimento da verdadeira fé é um problema dos
dias atuais. Como atuais me circunscrevo a cerca de quatro séculos, e piorando
gradativamente. Aos que ainda não entenderam, falemos de forma clara: o
protestantismo é um sério problema de identidade. Explico! A medida que a
verdadeira fé não é reconhecida, ela, necessariamente, deve ser reconhecida em
outros lugares, mesmo que errôneos, afinal, como pode ser estudado no
catecismo: “O Homem é capaz de Deus” o homem sempre busca a Deus. Não adentraremos
nesse tema agora.
O importante é verificar que o protestantismo é uma
tentativa de encontrar Deus onde Ele não está. Quando se acha que encontrou algo onde esse algo não está, certamente estamos encontrando algo que se parece
com o que buscamos, mas que não é exatamente o que buscamos. Pode até ser um
vestígio, uma pista, mas não é exatamente nosso objeto de desejo.
Não há como se converter sem saber pra que lado se
vai. Conversão pode acontecer de todos os modos para todas as teses e teorias,
por mais absurdas que possam parecer. Por isso é preciso algo exterior que nos
governe: uma bússola.
O que poderia ser essa bússola? O que pode poderia
ser esse algo externo que nos guia? Bom, aos bons entendedores...
A Igreja precisa ser esse caminho para Cristo que “é
o caminho, a verdade e a vida”(1Tm. 2, 5). Acontece que nesse caminho temos
vários obstáculos, vários sacrifício e vários encontros. Esses encontros podem
ser para nos ajudar ou nos atrapalhar. Nos ajudam porque querem fazer o bem
ajudando alguém ou as vezes sem querer, da mesma forma, nos atrapalham querendo
nos ajudar ou querendo fazer o mal. Isso acontece em todo caminho, certo?
Pois bem, com esse instrumento que Cristo nos
deixou para que possamos ser guiados a Ele, nosso verdadeiro norte, essa
bússola que é a Igreja, precisa de ponteiros regulados e em perfeita
consonância, perfeita sincronia com essa bússola. Como fazer isso? Quem seriam
esses ponteiros que nos indicam esse caminho dentro dessa bússola? Qual o grau
de cumplicidade e sincronia entre os ponteiros e a bússola?
Em primeiro lugar sabemos que toda bússola aponta
para o Norte. O Norte atrai seus ponteiros. A Igreja sempre aponta para Cristo
justamente porque Cristo atrai os seus, mas não basta ser atraídos, precisamos
ter certeza de que estamos sendo atraídos para o caminho certo e só uma bussola
bem regulada pode nos garantir isso.
O número 9 do Sacrosanctum Concilium é claro ao
ilustrar-se com a seguinte passagem bíblica;
«Como
hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem
ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se
não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15)
A passagem pede o uso da lógica. É um caminho que
obrigatoriamente temos que seguir. Não há como crer na pessoa certa, muito
menos invoca-lo se não for por meio de um caminho certo, um ponteiro bem
sincronizado em uma bússola bem regulada e correta. É preciso que sejamos
enviados para esse serviço que é a evangelização.
O Catecismo de João Paulo II em seu número 875
menciona esse mesmo contexto e nos dá um caminho muito claro sobre o assunto de
envios:
875.
(...) Ninguém, nenhum indivíduo ou comunidade, pode anunciar a si mesmo o
Evangelho. «A fé surge da pregação» (RM 10,17). Por outro lado, ninguém pode
dar a si próprio o mandato e a missão de anunciar o Evangelho. O enviado do
Senhor fala e atua, não por autoridade própria, mas em virtude da autoridade de
Cristo; não como membro da comunidade, mas falando à comunidade em nome de
Cristo. Ninguém pode conferir a si mesmo a graça; ela deve ser-lhe dada e
oferecida. Isto supõe ministros da graça, autorizados e habilitados em nome de
Cristo. É d'Ele que os bispos e presbíteros recebem a missão e a faculdade (o «poder
sagrado») de agir na pessoa de Cristo Cabeça e os diáconos a força de servir o
povo de Deus na «diaconia» da Liturgia, da Palavra e da caridade, em comunhão
com o bispo e com o seu presbitério. A este ministério, no qual os enviados de
Cristo fazem e dão, por graça de Deus, o que por si mesmos não podem fazer nem
dar, a tradição da Igreja chama «sacramento». O ministério da Igreja é
conferido por um sacramento próprio.
(Catecismo
da Igreja Católica)
Falando claramente, não é possível que alguém se
autointitule pastor, bispo e até apóstolo como é o que vemos por ai. Ninguém
nesse mundo tem autoridade própria para se conceder esses títulos. Esses
títulos foram concedidos pelo próprio Deus na pessoa de Cristo e esses mandatos
foram entregues a essas pessoas. Por Cristo ainda foi dado o múnus de dar continuidade a esses
mandatos, conceder a sucessão, tudo sob a promessa de que nunca iríamos ser
abandonados por Ele (Mt. 28, 20).
O sacramento da ordem é preciso para que os
devidamente enviados possam proceder como pastores (padres e diáconos), bispos
e sucessores reais dos apóstolos, da mesma forma é preciso que todos nós,
católicos, leigos ou não, sejamos enviados pelo menos semanalmente, na Santa
Missa, para o nosso trabalho de evangelização. Esse envio só pode ser feito por
um sacerdote que, antes, fora devidamente enviado para isso e assim
sucessivamente pelos séculos até chegarmos ao próprio Cristo.
O nosso Papa Emérito Bento XVI, então ainda no
governo da Igreja, proferiu as seguintes palavras sobre esse assunto em
audiência no Vaticano:
Num
trecho sucessivo, diz ainda: "A fé
vem da escuta" (cf. RM 10,17). A fé não é produto do nosso pensamento, da
nossa reflexão, é algo de novo que não podemos inventar, mas somente receber
como uma novidade produzida por Deus. E a fé não vem da leitura, mas da escuta.
Não é algo somente interior, mas uma relação com Alguém. Supõe um encontro com
o anúncio, supõe a existência do outro que anuncia e cria comunhão.
(Audiência.
Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)
Ou seja, é preciso que haja um outro anterior que
tenha enviado aquele que agora nos prega e esse outro foi enviado por um outro
que o antecedeu e assim viajamos pelos séculos em sentido inverso,
retrocedendo, ininterruptamente até os apóstolos e o próprio Cristo.
E no mesmo dia, na mesma audiência, Bento XVI
conclui:
E
finalmente, o anúncio: aquele que
anuncia não fala por si, mas é enviado. Está dentro de uma estrutura de missão
que começa com Jesus enviado pelo Pai, passa aos apóstolos a palavra apóstolos
significa "enviados" e continua no ministério, nas missões
transmitidas pelos apóstolos.
(Audiência.
Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)
E é assim que a Liturgia se desenvolve para os que
anteriormente se converteram. A palavra de Deus é transmitida na Santa Missa e
assim o é desde os primórdios quando os próprios apóstolos (enviados), enviavam
outros sacerdotes e mesmo seus sucessores, para os mais distantes pontos da
Terra a fim de divulgar uma palavra intacta, afinal, é a palavra de Deus.
E termina Bento XVI explicando tais pontos mais
detidamente:
"Ele
vos dará outro Paráclito o Espírito da Verdade". A fé, como conhecimento e
profissão da verdade sobre Deus e sobre o homem, "surge da pregação, e a
pregação surge pela palavra de Cristo", afirma São Paulo (RM 10,17). Ao
longo da história da Igreja, os Apóstolos anunciaram a palavra de Cristo,
preocupando-se em transmiti-la intacta aos seus sucessores, que por sua vez a
comunicaram às gerações sucessivas, até aos nossos dias. Muitos pregadores do
Evangelho deram a vida precisamente em virtude da fidelidade à verdade da
palavra de Cristo. E assim, da atenção pela verdade nasceu a Tradição da
Igreja. Como nos séculos passados, também hoje há pessoas ou ambientes que,
ignorando esta Tradição plurissecular, gostariam de falsificar a palavra de
Cristo e tirar do Evangelho as verdades que, na sua opinião, são demasiado
incómodas para o homem moderno. Procura-se criar a impressão de que tudo é
relativo: também as verdades da fé dependeriam da situação histórica e da
avaliação humana. (Viagem Apostólica do Papa Bento XVI à Polônia. Homilia na
cidade de Varsóvia, 26/05/2006)
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