No julgamento do Recurso Extraordinário n.º
949.297/CE, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese de repercussão
geral no Tema 881:
"As decisões do STF em controle
concentrado ou em repercussão geral devem ser observadas pelos juízes e
tribunais, ainda que em detrimento da coisa julgada."
Essa formulação representa, na prática, a
autorização para que decisões judiciais transitadas em julgado — que já
produziram todos os seus efeitos e se tornaram definitivas — possam ser desconstituídas
em razão de posterior entendimento firmado pelo STF, seja no controle
concentrado de constitucionalidade, seja em sede de repercussão geral.
A consequência direta da tese é a relativização
da coisa julgada, não por força de alteração normativa constitucional, mas por
decisão jurisprudencial superveniente. Isso implica dizer que o STF criou, por
via interpretativa, uma hipótese nova de rescindibilidade da coisa julgada,
fora das hipóteses taxativamente previstas no art. 966 do CPC/2015 e, pior, em
violação direta ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, que garante a coisa
julgada como cláusula pétrea.
O problema central é que essa decisão não é
compatível com o regime constitucional brasileiro, em que a coisa julgada se
encontra protegida contra a atuação legislativa e, com mais razão, contra a
atuação jurisdicional extemporânea. Ao permitir que entendimentos posteriores
revoguem decisões já estabilizadas, o STF está relativizando um direito
fundamental consagrado textualmente e intangível por força do art. 60, §4º, IV
da CF/88.
Essa relativização produz efeitos gravíssimos
de insegurança jurídica. Situações concretas ilustram isso:
a)
Um contribuinte que teve reconhecido, por decisão transitada em julgado, o
direito de não pagar determinado tributo, pode ser surpreendido anos depois com
a exigência retroativa desse mesmo tributo, em razão de nova tese firmada pelo
STF. Claro que o oposto também é verdadeiro, contudo alguém tem alguma dúvida
de que isso nunca vai acontecer?
b)
Um servidor público que teve seu direito reconhecido por sentença definitiva
pode ter sua aposentadoria questionada com base em nova orientação
jurisprudencial que vier posteriormente;
c)
Empresas que deixaram de recolher encargos com base em decisão judicial com
coisa julgada passam a ser cobradas retroativamente, com juros e multa, em
cenário de absoluta insegurança.
Além de injusto, esse cenário enfraquece o
valor da jurisdição como instrumento de pacificação social e compromete o
próprio papel do Poder Judiciário. A coisa julgada, concebida como garantia do
jurisdicionado contra a eternização de litígios e contra a instabilidade
decisória, torna-se frágil, instável e relativizável por critérios alheios ao
devido processo legal.
A tese do Tema 881 rompe com o princípio da segurança
jurídica, que é estruturante do Estado de Direito, e também com o princípio da irretroatividade
da norma mais gravosa, pois permite que decisões posteriores impactem fatos
consumados à luz da jurisprudência então vigente. É, portanto, uma violação
múltipla à Constituição: ao art. 5º, XXXVI (coisa julgada), ao art. 60, §4º, IV
(cláusula pétrea) e ao devido processo legal substancial (art. 5º, LIV).
Em suma, o Tema 881 inaugura uma lógica
segundo a qual nenhuma decisão é, de fato, definitiva, pois está sempre sujeita
à revisão por mudança de entendimento jurisprudencial. Essa concepção desfigura
o próprio conceito de coisa julgada, transforma o STF em instância recursal
eterna e compromete a credibilidade do sistema judicial como um todo.
"As decisões do STF em controle
concentrado ou em repercussão geral devem ser observadas pelos juízes e
tribunais, ainda que em detrimento da coisa julgada."
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