A Reclamação Constitucional n.º 4.335/SP,
relatada pelo Min. Gilmar Mendes, é o precedente paradigmático da tese da
"coisa julgada inconstitucional". Nesse caso, o STF entendeu que uma
decisão judicial transitada em julgado, proferida com base em norma
posteriormente declarada inconstitucional, pode ser desconstituída por meio de
reclamação, com base na autoridade da decisão proferida em controle concentrado
de constitucionalidade.
A partir dessa decisão, o STF reconheceu, na
prática, que a declaração de inconstitucionalidade em abstrato (controle
concentrado) pode anular os efeitos de decisões judiciais anteriores
transitadas em julgado, caso estas tenham aplicado a norma posteriormente
invalidada.
O problema dessa compreensão é que ela rompe
com a lógica da segurança jurídica, promovendo uma retroação de efeitos que
jamais foi admitida pelo próprio sistema de controle de constitucionalidade
brasileiro, que, historicamente, sempre operou com efeitos ex nunc ou
modulados. A reclamação, nesse contexto, é usada não para preservar a
autoridade de decisões do STF, mas para anular decisões judiciais definitivas
que contrariem entendimento posterior.
Essa inversão da finalidade do instrumento
constitucional da reclamação transforma a coisa julgada em elemento provisório,
sujeita à revisão sempre que houver nova posição do STF. Trata-se de uma
mutação profunda da natureza da jurisdição e da lógica do devido processo
legal, com repercussões diretas no modelo de Estado de Direito.
A Reclamação 4335/SP abre precedente para um modelo
de instabilidade sistêmica, em que a autoridade das decisões judiciais fica
subordinada ao fluxo da jurisprudência constitucional. A partir desse caso, a
Corte passou a admitir que mesmo sem nova ação, novo recurso ou novo fato, o
simples pronunciamento do STF pode revogar o que era tido como indiscutível.
Essa concepção subverte o art. 5º, XXXVI, e
também o art. 60, §4º, IV da CF, ao neutralizar uma garantia fundamental com
base em instrumento processual e atribuir à Corte Suprema poderes de revogação
permanente do passado jurisdicional, sem limitação procedimental ou temporal.
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