Resumo
O presente artigo busca examinar criticamente
a relativização da coisa julgada à luz da jurisprudência recente do Supremo
Tribunal Federal (STF), com ênfase nos Temas 881 e 885 e na Reclamação 4335/SP.
A análise parte do pressuposto de que a coisa
julgada é um direito fundamental protegido expressamente pelo art. 5º, inciso
XXXVI, da Constituição Federal de 1988, e que sua relativização compromete a
segurança jurídica, a estabilidade das relações jurídicas e o próprio Estado de
Direito.
Ao final, sustenta-se que a interpretação dada
pelo STF é inconstitucional por violar garantias fundamentais e desfigurar o
papel contramajoritário e magno da Constituição.
1.
Introdução
A coisa julgada sempre foi considerada um dos
pilares do processo civil, não apenas como instituto técnico, mas como
garantidora da estabilidade das decisões judiciais e da segurança jurídica
afinal, sem ela não há como garantir nada do ponto de vista jurídico e tudo
pode ser revisto a qualquer tempo. No entanto, a partir de entendimentos
recentes do STF, notadamente nos Temas 881 e 885, tem-se permitido a
desconstituição de decisões transitadas em julgado em nome da supremacia da
Constituição e da jurisprudência vinculante. Este artigo visa demonstrar que
essa postura, embora fundada em preocupações legítimas, é tecnicamente
inconstitucional.
2.
A Coisa Julgada como Garantia Constitucional
2.1
Texto Constitucional e Cláusula Pétrea
O artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição
Federal de 1988 dispõe:
"A lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
A linguagem é direta e categórica, e insere a
proteção à coisa julgada no rol dos direitos e garantias fundamentais. Não há
muita margem para interpretações visto que o texto é bem taxativo. Por isso,
está abarcada pela cláusula pétrea prevista no art. 60, §4º, inciso IV, da
própria Constituição, que impede a deliberação de emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais.
"Art. 60, §4º, IV – Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e
garantias individuais."
O conceito de cláusula pétrea se refere a um
núcleo essencial da Constituição que não pode ser alterado nem mesmo por emenda
constitucional. Funciona como uma barreira à mutação constitucional e ao
arbítrio dos poderes constituídos, sejam eles de qualquer dos três Poderes. Todos
podem tentar mudar a Constituição via Emenda Constitucional, seja
especificamente pelo Augusto STF por meio de interpretações que fogem à
originalidade pretendida pela Constituição.
A doutrina majoritária entende que esses
dispositivos representam limites materiais ao poder de reforma, preservando a
identidade da Constituição.
Joaquim José Gomes Canotilho explica que as
cláusulas pétreas funcionam como garantias contra a tirania da maioria e
asseguram a continuidade do projeto constitucional. Já Ingo Wolfgan Sarlet
entende que os direitos fundamentais, sobretudo os processuais, constituem
expressão do mínimo existencial da cidadania constitucional.
O próprio STF, ao julgar a ADI 939/DF,
reafirmou que as cláusulas pétreas são expressões materiais do Estado de
Direito e que sua proteção não se limita ao texto literal, mas alcança também o
conteúdo essencial das garantias constitucionais.
Portanto, a proteção à coisa julgada deve ser
compreendida como um conteúdo intangível da Constituição, que não pode ser
restringido por interpretações judiciais, sob pena de se permitir que o próprio
Poder Judiciário se torne um agente de reforma constitucional informal (uma
assembleia constituinte não eleita). Ao relativizar a coisa julgada, o STF
viola não apenas o art. 5º, XXXVI, mas também o art. 60, §4º, IV, ambos
integrantes do bloco de constitucionalidade de defesa das garantias
fundamentais.
"A lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
Trata-se de uma disposição expressa, sem
margem para relativizações ou exceções, protegida por cláusula pétrea (art. 60,
§4º, IV). A coisa julgada não é mera técnica processual: é elemento estruturante
do Estado Democrático de Direito.
2.2
A Função Contramajoritária da Constituição
A função contramajoritária da Constituição
consiste em garantir a supremacia dos direitos fundamentais e das normas
constitucionais mesmo diante da vontade das maiorias políticas ou sociais
momentâneas. Essa função se expressa especialmente nas cláusulas pétreas, nos
direitos fundamentais e na atuação do Poder Judiciário como guardião da
Constituição. Seu papel é proteger os indivíduos e as minorias contra eventuais
abusos legislativos ou decisões populistas que comprometam valores
estruturantes do Estado de Direito.
Segundo o próprio ministro Luis Roberto
Barroso do STF:
“a função contramajoritária da Constituição
encontra sua razão de ser na necessidade de preservar o núcleo essencial de
direitos e garantias, mesmo quando esses direitos são impopulares ou quando há
maioria circunstancial contrária à sua preservação.” [2]
Trata-se, assim, de um limite material ao
poder político, de modo a assegurar a integridade dos valores constitucionais.
Mais uma vez Joaquim José Gomes Canotilho
também destaca que:
“a rigidez constitucional e a função
contramajoritária são elementos indissociáveis do constitucionalismo
contemporâneo.”[3]
Sem essa função, a Constituição deixa de ser
instrumento de limitação do poder e passa a ser objeto da sua manipulação.
Nesse contexto, a coisa julgada — protegida
pelo art. 5º, XXXVI da CF/88 — representa um mecanismo de contenção do arbítrio
estatal, inclusive do próprio Poder Judiciário. É expressão do devido processo
legal e do direito à estabilidade das decisões judiciais. Permitir sua
relativização significa abrir caminho para que decisões majoritárias ou
interpretações conjunturais tenham o poder de desfazer direitos já
definitivamente reconhecidos pelo Judiciário.
Ronald Dworkin já mencionava isso em sua obra
no final dos anos 70 do século XX:
“Os direitos individuais são trunfos que os
indivíduos possuem contra a maioria.”[4]
No caso concreto analisado (Temas 881 e 885 e
Reclamação 4335/SP), a função contramajoritária da Constituição não foi
respeitada, pois o STF, ao admitir a relativização da coisa julgada em nome da
supremacia da sua própria jurisprudência, atua como poder reformador da
Constituição, sem respaldo no texto constitucional. O Judiciário, que deveria
limitar o poder, passa a ampliá-lo sobre os próprios direitos fundamentais que
deveria proteger. Em vez de exercer sua função contramajoritária, o STF adere à
lógica majoritária da conveniência institucional, minando a estabilidade do
ordenamento jurídico.
Esse tipo de atuação gera um paradoxo: o
guardião da Constituição torna-se agente de sua erosão. O Judiciário, ao
interpretar a Constituição em desconformidade com sua literalidade e seus
princípios estruturantes, compromete não apenas a coisa julgada, mas o próprio
pacto constitucional fundante.
3.
Jurisprudência do STF: Temas 881, 885 e Reclamação 4335/SP
3.1
Tema 881
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º
949.297/CE, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese de repercussão
geral no Tema 881:
"As decisões do STF em controle
concentrado ou em repercussão geral devem ser observadas pelos juízes e
tribunais, ainda que em detrimento da coisa julgada."
Essa formulação representa, na prática, a
autorização para que decisões judiciais transitadas em julgado — que já
produziram todos os seus efeitos e se tornaram definitivas — possam ser
desconstituídas em razão de posterior entendimento firmado pelo STF, seja no
controle concentrado de constitucionalidade, seja em sede de repercussão geral.
A consequência direta da tese é a
relativização da coisa julgada, não por força de alteração normativa
constitucional, mas por decisão jurisprudencial superveniente. Isso implica
dizer que o STF criou, por via interpretativa, uma hipótese nova de rescindibilidade
da coisa julgada, fora das hipóteses taxativamente previstas no art. 966 do
CPC/2015 e, pior, em violação direta ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal,
que garante a coisa julgada como cláusula pétrea.
O problema central é que essa decisão não é
compatível com o regime constitucional brasileiro, em que a coisa julgada se
encontra protegida contra a atuação legislativa e, com mais razão, contra a
atuação jurisdicional extemporânea. Ao permitir que entendimentos posteriores
revoguem decisões já estabilizadas, o STF está relativizando um direito
fundamental consagrado textualmente e intangível por força do art. 60, §4º, IV
da CF/88.
Essa relativização produz efeitos gravíssimos
de insegurança jurídica. Situações concretas ilustram isso:
a)
Um contribuinte que teve reconhecido, por decisão transitada em julgado, o
direito de não pagar determinado tributo, pode ser surpreendido anos depois com
a exigência retroativa desse mesmo tributo, em razão de nova tese firmada pelo
STF. Claro que o oposto também é verdadeiro, contudo alguém tem alguma dúvida
de que isso nunca vai acontecer?
b)
Um servidor público que teve seu direito reconhecido por sentença definitiva
pode ter sua aposentadoria questionada com base em nova orientação
jurisprudencial que vier posteriormente;
c)
Empresas que deixaram de recolher encargos com base em decisão judicial com
coisa julgada passam a ser cobradas retroativamente, com juros e multa, em
cenário de absoluta insegurança.
Além de injusto, esse cenário enfraquece o
valor da jurisdição como instrumento de pacificação social e compromete o
próprio papel do Poder Judiciário. A coisa julgada, concebida como garantia do
jurisdicionado contra a eternização de litígios e contra a instabilidade
decisória, torna-se frágil, instável e relativizável por critérios alheios ao
devido processo legal.
A tese do Tema 881 rompe com o princípio da
segurança jurídica, que é estruturante do Estado de Direito, e também com o
princípio da irretroatividade da norma mais gravosa, pois permite que decisões
posteriores impactem fatos consumados à luz da jurisprudência então vigente. É,
portanto, uma violação múltipla à Constituição: ao art. 5º, XXXVI (coisa
julgada), ao art. 60, §4º, IV (cláusula pétrea) e ao devido processo legal
substancial (art. 5º, LIV).
Em suma, o Tema 881 inaugura uma lógica
segundo a qual nenhuma decisão é, de fato, definitiva, pois está sempre sujeita
à revisão por mudança de entendimento jurisprudencial. Essa concepção desfigura
o próprio conceito de coisa julgada, transforma o STF em instância recursal
eterna e compromete a credibilidade do sistema judicial como um todo.
"As decisões do STF em controle
concentrado ou em repercussão geral devem ser observadas pelos juízes e
tribunais, ainda que em detrimento da coisa julgada."
O entendimento permite que uma decisão
judicial definitiva perca sua eficácia caso contrarie tese posterior do STF.
3.2
Tema 885
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º
955.227/SP, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de repercussão geral
referente ao Tema 885, com a seguinte redação:
"É legítima a revisão de decisão
transitada em julgado, mesmo em desfavor do contribuinte, quando contrária à
tese posteriormente firmada em controle concentrado de constitucionalidade ou
em sede de repercussão geral."
Esse entendimento, alinhado ao Tema 881,
reafirma a possibilidade de que sentenças definitivas possam ser
desconstituídas em razão de evolução jurisprudencial. A particularidade do Tema
885 está no seu impacto tributário direto, já que trata expressamente da
possibilidade de cobrança retroativa de tributos anteriormente afastados com
base em decisão judicial transitada em julgado.
Ao afirmar que é legítima a revisão de
decisões definitivas com base em entendimento superveniente do STF, inclusive
quando essas decisões beneficiaram o contribuinte, o Tribunal rompe com o
princípio da irretroatividade tributária, subverte o art. 150, III,
"a" da CF/88 e agrava a instabilidade jurídica no campo fiscal.
Consequência prática direta: contribuintes que
confiaram na estabilidade de sentenças favoráveis — por exemplo, para não
recolher determinada exação — podem ser cobrados retroativamente, com juros,
correção monetária e, eventualmente, penalidades (não precisamos poupar a
imaginação quando se trata da fome arrecadatória). Essa medida compromete:
a)
O planejamento financeiro de empresas;
b)
A boa-fé dos contribuintes que confiaram em decisões transitadas em julgado;
c)
O princípio da isonomia, já que os contribuintes que ajuizaram ações são
tratados de forma distinta dos que não o fizeram.
Além disso, tal entendimento também ignora a
cláusula pétrea do art. 5º, XXXVI da Constituição, que resguarda a coisa
julgada contra retrocessos normativos ou institucionais. O argumento da
necessidade de proteger o interesse público e a arrecadação não justifica, sob
o ponto de vista constitucional, a eliminação de um direito fundamental. A
Constituição não autoriza a supressão da coisa julgada nem mesmo por emenda
constitucional — com mais razão, não o pode fazer por decisão judicial.
O Tema 885, ao permitir que o Fisco reabra
discussões encerradas com trânsito em julgado, enfraquece a função protetiva da
jurisdição, esvazia o instituto da coisa julgada e consolida o risco de que
nenhuma decisão judicial seja realmente definitiva. Ainda mais grave: cria-se
uma situação de desigualdade estrutural entre o Estado e o cidadão, invertendo
a lógica do processo justo e do equilíbrio entre as partes.
3.3
Reclamação 4335/SP
A Reclamação Constitucional n.º 4.335/SP,
relatada pelo Min. Gilmar Mendes, é o precedente paradigmático da tese da
"coisa julgada inconstitucional". Nesse caso, o STF entendeu que uma
decisão judicial transitada em julgado, proferida com base em norma
posteriormente declarada inconstitucional, pode ser desconstituída por meio de
reclamação, com base na autoridade da decisão proferida em controle concentrado
de constitucionalidade.
A partir dessa decisão, o STF reconheceu, na
prática, que a declaração de inconstitucionalidade em abstrato (controle
concentrado) pode anular os efeitos de decisões judiciais anteriores
transitadas em julgado, caso estas tenham aplicado a norma posteriormente
invalidada.
O problema dessa compreensão é que ela rompe
com a lógica da segurança jurídica, promovendo uma retroação de efeitos que
jamais foi admitida pelo próprio sistema de controle de constitucionalidade
brasileiro, que, historicamente, sempre operou com efeitos ex nunc ou
modulados. A reclamação, nesse contexto, é usada não para preservar a
autoridade de decisões do STF, mas para anular decisões judiciais definitivas
que contrariem entendimento posterior.
Essa inversão da finalidade do instrumento
constitucional da reclamação transforma a coisa julgada em elemento provisório,
sujeita à revisão sempre que houver nova posição do STF. Trata-se de uma
mutação profunda da natureza da jurisdição e da lógica do devido processo
legal, com repercussões diretas no modelo de Estado de Direito.
A Reclamação 4335/SP abre precedente para um
modelo de instabilidade sistêmica, em que a autoridade das decisões judiciais
fica subordinada ao fluxo da jurisprudência constitucional. A partir desse
caso, a Corte passou a admitir que mesmo sem nova ação, novo recurso ou novo
fato, o simples pronunciamento do STF pode revogar o que era tido como
indiscutível.
Essa concepção subverte o art. 5º, XXXVI, e
também o art. 60, §4º, IV da CF, ao neutralizar uma garantia fundamental com
base em instrumento processual e atribuir à Corte Suprema poderes de revogação
permanente do passado jurisdicional, sem limitação procedimental ou temporal.
Assim, a Reclamação 4335/SP marca o início de
uma jurisprudência que, embora travestida de defesa da Constituição, a
enfraquece ao desproteger justamente as garantias que deveriam ser sua pedra
angular. Neste precedente paradigmático, o STF entendeu que a decisão judicial
transitada em julgado, se baseada em norma posteriormente declarada
inconstitucional, pode ser atacada via reclamação, inaugurando a possibilidade
da "coisa julgada inconstitucional".
4.
Argumentos a favor da relativização
4.1
Supremacia da Constituição
Os defensores da relativização da coisa
julgada partem da premissa de que a Constituição ocupa o topo da hierarquia
normativa do ordenamento jurídico brasileiro, devendo prevalecer sobre qualquer
outra norma ou ato, inclusive decisões judiciais. Dessa forma, entendem que
decisões judiciais transitadas em julgado que contrariem frontalmente normas
constitucionais ou interpretações vinculantes do STF devem ser corrigidas,
ainda que em detrimento da coisa julgada. A segurança jurídica parece ficar
fora do contexto para essa tese a favor.
Esse argumento se ancora na ideia de que a
Constituição é a norma fundamental do sistema, como realmente o é, (conforme a
teoria kelseniana) e que, por isso, nenhum ato estatal pode subsistir se for
inconstitucional, ainda que se trate de decisão judicial coberta pela coisa
julgada.
Hans Kelsen já nos informava em sua Teoria
pura do Direito que:
“A norma fundamental não é posta, ela é
pressuposta como condição de toda a imposição do direito”[5]
Contudo, essa compreensão ignora que a própria
Constituição protege expressamente a coisa julgada como garantia fundamental
(art. 5º, XXXVI) e, portanto, não pode haver hierarquia interna que autorize o
sacrifício de um direito fundamental em nome da própria supremacia
constitucional. Em outras palavras, a supremacia da Constituição não pode ser
usada como argumento para violar a própria Constituição, sob pena de
paradoxalmente se destruírem os direitos que ela pretende resguardar.
4.2
Efetividade do controle concentrado
Outro argumento utilizado é o de que o STF,
como guardião da Constituição (art. 102, caput, da CF), deve garantir que suas
decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ou em
repercussão geral tenham efetividade plena e imediata. Assim, decisões
judiciais anteriores que estejam em desacordo com esses entendimentos devem ser
afastadas, mesmo que cobertas pela coisa julgada.
A lógica é a de que não faria sentido atribuir
efeito vinculante às decisões do STF se estas não pudessem prevalecer sobre
decisões judiciais contrárias, mesmo que definitivas. Para os defensores dessa
posição, permitir a subsistência de decisões que afrontam a atual leitura
constitucional enfraqueceria o papel do Supremo como intérprete máximo da Constituição
e comprometeria a unidade do direito.
Gilmar Ferreira Mendes, ministro do STF, ao
tratar dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, afirma que:
“A declaração de inconstitucionalidade, em
regra, opera efeitos ex tunc, isto é, retroage à data de vigência do ato
declarado inconstitucional.”[6]
No entanto, esse raciocínio esvazia a função
da coisa julgada como instrumento de pacificação social e cria uma
instabilidade permanente, em que decisões judiciais podem ser revistas
indefinidamente, sempre que houver mudança na jurisprudência. A jurisprudência,
por sua natureza, é dinâmica, e submeter a coisa julgada às oscilações
interpretativas compromete a previsibilidade e a confiança no sistema jurídico.
A efetividade do controle de constitucionalidade não pode ser construída ao
custo da destruição da segurança jurídica.
4.3
Interesse público e economia
Por fim, a defesa da relativização também se
apoia no argumento de que a manutenção de decisões inconstitucionais
transitadas em julgado pode gerar prejuízos relevantes ao interesse público,
especialmente na seara tributária. Situações em que o contribuinte obtém
decisões favoráveis à não incidência de tributos, posteriormente julgados
constitucionais pelo STF, são frequentemente citadas como exemplo de
desequilíbrio orçamentário e violação da isonomia tributária.
A ideia é que o Estado deve poder reaver
receitas indevidamente perdidas e restaurar a ordem constitucional, ainda que
para isso seja necessário superar decisões definitivas. A coletividade não pode
arcar com o ônus de decisões judiciais que se demonstraram inconstitucionais,
dizem os defensores desse ponto de vista.
Contudo, esse raciocínio parte de uma
concepção utilitarista e consequencialista do Direito, que não encontra amparo
no texto constitucional. A Constituição não admite a supressão de garantias
fundamentais com base em argumentos de conveniência financeira ou
administrativa. O interesse público, embora relevante, não se sobrepõe
automaticamente aos direitos fundamentais, pois, se assim o fosse, qualquer
direito poderia ser sacrificado em nome da razão de Estado.
A adoção desse tipo de raciocínio abre
precedente perigoso: se a eficiência fiscal justifica a quebra da coisa julgada
hoje, amanhã poderá justificar a suspensão de outros direitos, como o devido
processo legal, a ampla defesa ou o direito de propriedade. A Constituição não
é um instrumento de conveniência, mas um limite ao poder. Especialmente em
matéria tributária, a manutenção de sentenças inconstitucionais causaria
desequilíbrio orçamentário e injustiças fiscais.
5.
Críticas à relativização da coisa julgada
5.1
Violação ao art. 5º, XXXVI da CF
A relativização da coisa julgada confronta
diretamente o texto expresso do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal
de 1988:
"A lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
A proteção à coisa julgada não é meramente
programática ou simbólica — ela está inserida no catálogo dos direitos e
garantias fundamentais e, portanto, goza da proteção da cláusula pétrea
prevista no art. 60, §4º, IV da CF, que impede a deliberação de emendas
constitucionais tendentes a abolir direitos e garantias individuais. Isso
significa que nem mesmo o poder constituinte derivado pode revogar essa
garantia, quanto mais o Judiciário, por interpretação extensiva.
José Rogério Cruz e Tucci na obra Segurança
jurídica e coisa julgada: eficácia temporal da sentença civil e seus limites
objetivos e subjetivos defende que "a intangibilidade da coisa julgada
representa um dos elementos fundantes do Estado de Direito e da própria noção
de processo justo".
Caso ilustrativo para entender a profundidade
do problema: Imagine-se um servidor público que teve reconhecido judicialmente,
por decisão transitada em julgado, o direito à incorporação de gratificação em
sua aposentadoria. Anos depois, o STF fixa tese em sentido contrário e, com
base nela, o Estado busca rever os proventos do servidor, provavelmente com
juros e correção monetária, quem sabe até multa. Essa conduta não apenas viola
a coisa julgada, mas também compromete a dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III da CF) e a confiança legítima, para não mencionar a segurança jurídica.
5.2
Fragilização da segurança jurídica
A segurança jurídica é princípio estruturante
do Estado de Direito (art. 1º, caput, da CF) e se manifesta na
previsibilidade, estabilidade e confiança no ordenamento jurídico. A
relativização da coisa julgada desestrutura esse princípio, pois torna incerta
a definitividade das decisões judiciais.
Lênio Streck aponta em sua obra Jurisdição
constitucional e decisão jurídica: entre a política e o direito que
"o Direito não pode ser uma promessa não
cumprida: se a decisão judicial não é mais definitiva, o Direito deixa de
cumprir sua função pacificadora".[7]
Exemplo prático disso é a seguinte situação:
Empresas que obtiveram decisão transitada em julgado afastando determinada
exigência tributária (ex.: contribuição previdenciária sobre parcelas
indenizatórias) podem, anos depois, ser compelidas a pagar o tributo com
efeitos retroativos. Isso desincentiva o uso do Judiciário e destrói a
confiabilidade da tutela jurisdicional.
Além disso, art. 6º do CPC/2015 estabelece que
o processo deve garantir "a duração razoável do processo e a segurança
jurídica". Como garantir segurança se toda decisão pode ser revista
indefinidamente?
5.3
Risco de retroatividade judicial
A jurisprudência que relativiza a coisa
julgada rompe com o princípio da irretroatividade, estabelecido no art. 5º,
XXXVI, e também no art. 150, inciso III, alínea "a", da CF, no campo
tributário:
"É vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça; cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do
início da vigência da lei que os instituiu ou aumentou."
A mesma lógica deve valer para decisões
judiciais: um novo entendimento não pode retroagir para desfazer efeitos
produzidos sob a égide de decisões válidas à época em que proferidas.
Exemplo concreto da situação: Após o
julgamento da tese de repercussão geral (Tema 69 do STF), que afastou a
inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, o STJ estabeleceu a
limitação temporal dos efeitos da decisão, para proteger a segurança jurídica e
evitar colapso fiscal. O mesmo raciocínio deveria ser aplicado à coisa julgada,
pois sua quebra retroativa afeta expectativas legítimas e compromissos
jurídicos consolidados.
5.4
Subversão do papel do STF
A Constituição outorga ao STF a função de
guardião da Constituição (art. 102 da CF), não de poder constituinte permanente
como parece ser o caso atual. Ao relativizar a coisa julgada sem previsão
normativa, o STF extrapola os limites de sua competência e atua como legislador
e reformador da própria Constituição.
Canotilho em sua obra Direito
constitucional e teoria da constituição alerta que o Judiciário não pode
ser "revisor informal do texto constitucional sob o pretexto de realizar
sua máxima efetividade".
Exemplo ilustrativo é a Corte Suprema passar a
ter o poder de invalidar qualquer decisão, de qualquer juiz ou tribunal, a
qualquer tempo, com base em mutações interpretativas. Isso retira dos demais
tribunais sua função jurisdicional própria e centraliza, de forma autoritária,
todo o poder decisório no STF.
Essa prática corrompe a separação de poderes
(art. 2º da CF) e inverte a lógica de controle de constitucionalidade, pois
passa a permitir o controle de sentenças anteriores com base em entendimentos
posteriores — sem previsão legal ou constitucional para isso.
5.5
Impactos econômicos e institucionais
A quebra da coisa julgada gera impactos
profundos nas relações contratuais, fiscais, previdenciárias e trabalhistas,
impondo insegurança e instabilidade às instituições públicas e privadas. Além
dos prejuízos diretos aos jurisdicionados, há risco sistêmico para o próprio
funcionamento da Justiça, que passa a ser vista como instância provisória e
falível.
Fredie Didier Jr. observa em suas obras que a
autoridade da coisa julgada é tão importante quanto a própria decisão de
mérito, pois sem estabilidade, não há confiança; sem confiança, não há respeito
ao processo civil.
A coisa julgada, conforme conseguimos ver definido
no artigo 502 do Código de Processo Civil de 2015, é a característica que faz
uma decisão final ser imutável e indiscutível. Isso quer dizer que, a partir do
momento que a decisão atinge o ponto em que não cabe mais nenhum recurso, ela
não pode ser alterada ou discutida novamente.
A estabilidade da coisa julgada é um ponto
considerado crucial para que haja garantia da segurança jurídica e confiança no
sistema judicial vigente. A partir do momento em que não há mais a certeza de
que as decisões finais são realmente finais, ou seja, que são definitivas, a
sociedade passa a não ter mais nenhuma confiança na Justiça e,
consequentemente, passa a não respeitar o processo civil e o próprio Poder
Judiciário.
Exemplo prático disso será quando empresas que
foram desoneradas judicialmente de determinados encargos podem, com a quebra da
coisa julgada, acumular dívidas retroativas impagáveis, gerando falências em
massa, demissões e quebra de contratos. O risco social cresce e, do ponto de
vista institucional, a Advocacia Pública e os Tribunais serão sobrecarregados
com ações revisórias, execuções fiscais reabertas e milhares de processos
administrativos reanalisado. Tudo isso compromete a eficiência do sistema judicial
e administrativo.
Quanto ao impacto previdenciário, temos que beneficiários
de decisões favoráveis, com base nas quais se aposentaram ou receberam
revisões, podem ter rendimentos reduzidos ou exigidos de volta. Isso ofende os
princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e da proteção da
confiança legítima.
Em todos os exemplos mencionados, vê-se que a
relativização da coisa julgada transforma o Poder Judiciário em um sistema de
revisão contínua, incompatível com os valores constitucionais da segurança,
estabilidade e previsibilidade.
A coisa julgada não existe apenas para
encerrar litígios: ela é a expressão do limite do poder do Estado sobre o
indivíduo. Sua relativização sem critério normativo rompe a lógica do processo
justo, introduzindo um regime de instabilidade permanente.
6.
Direito Comparado: A coisa julgada em sistemas jurídicos semelhantes
A análise do tratamento conferido à coisa
julgada em outros países com sistemas jurídicos semelhantes ao brasileiro —
majoritariamente de tradição romano-germânica — permite observar que, em geral,
prevalece a valorização da estabilidade das decisões judiciais e a limitação de
hipóteses de revisão. A seguir, apresentam-se breves exposições sobre como
alguns ordenamentos jurídicos tratam a matéria.
6.1
Alemanha
O ordenamento alemão, regido pelo Zivilprozessordnung
(ZPO), considera a coisa julgada como elemento essencial para a segurança
jurídica. A decisão judicial com trânsito em julgado é tida como imutável e
definitiva, exceto nas hipóteses excepcionais de revisão (Wiederaufnahmeverfahren),
previstas nos §§ 578 a 591 do ZPO. Essas hipóteses incluem, por exemplo, dolo
da parte vencedora, falsidade documental ou descoberta de fato novo relevante —
mas não incluem mudança posterior de jurisprudência ou declaração de
inconstitucionalidade.
A doutrina alemã reconhece a coisa julgada
como uma garantia do cidadão frente ao Estado, enfatizando sua função
pacificadora e estabilizadora. O respeito à coisa julgada é condição para a
legitimação do próprio Estado de Direito. Nada parecido, portanto, com o que a
jurisprudência do STF tem feito no Brasil.
6.2
França
Na França, a coisa julgada é regida pelo Code
de procédure civile, que estabelece que uma decisão transitada em julgado
adquire a autorité de la chose jugée. Ela vincula as partes e só pode
ser rescindida em hipóteses expressamente previstas pela lei, como erro
material, falsidade ou fraude.
O controle de constitucionalidade é difuso e
concentrado na Conseil Constitutionnel, e mesmo quando há declaração de
inconstitucionalidade, os efeitos são, via de regra, prospectivos. Assim,
decisões judiciais anteriores não são automaticamente invalidadas pela mutação
jurisprudencial, respeitando-se a autoridade da coisa julgada.
6.3
Itália
O Código de Processo Civil italiano também
valoriza fortemente a coisa julgada. A revisão de sentença (revisione) é
limitada a hipóteses taxativas previstas no artigo 395 do Codice di
Procedura Civile, como erro de fato, falsidade, dolo da parte vencedora ou
surgimento de prova nova decisiva. Não se admite, portanto, rescisão com base
em mudanças jurisprudenciais posteriores ou novas interpretações
constitucionais com tem feito o STF aqui no Brasil.
A Corte Constitucional Italiana modula os
efeitos de suas decisões com cuidado, e a doutrina reconhece que a revisão da
coisa julgada deve ser restrita para garantir a credibilidade da jurisdição.
6.4
Portugal
O Código de Processo Civil português também
trata a coisa julgada como inviolável, salvo em casos muito restritos, como
dolo, coação, erro ou surgimento de documento novo (arts. 696 a 702 do CPC
português). A jurisprudência do Tribunal Constitucional de Portugal reconhece a
primazia dos direitos fundamentais, mas não admite a revisão de coisa julgada
com base apenas em evolução jurisprudencial.
Canotilho, que é português, destaca que o
princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança impede que se
revisitem decisões judiciais com base em alterações casuísticas de
interpretação.
6.5
Estados Unidos (sistema anglo-saxão - common law)
Embora com sistema diverso, o direito
norte-americano também reconhece e protege fortemente o instituto da coisa
julgada sob as doutrinas de res judicata e collateral estoppel. O
precedente é uma norma obrigatória, mas mesmo sua modificação não implica
necessariamente a revisão de decisões passadas.
A Suprema Corte dos EUA admite a revisão de
decisões transitadas em julgado em situações excepcionais, como erro processual
gravíssimo, provas novas e fraude — não sendo permitida a simples revisão por
mudança de interpretação jurisprudencial.
6.6
Considerações finais
O exame comparado revela que nenhum dos
principais países do mundo com tradição jurídica semelhante à brasileira adota
um modelo tão amplo de relativização da coisa julgada quanto o atualmente
praticado pelo STF. Em todos os ordenamentos analisados, a imutabilidade da
coisa julgada é vista como corolário da segurança jurídica e da limitação do
poder estatal.
A prática brasileira atual, especialmente com
os Temas 881 e 885 e a Reclamação 4335/SP, configura uma anomalia no direito
comparado. Enquanto os demais países preservam a coisa julgada contra mutações
jurisprudenciais, o Brasil trilha um caminho que, ao invés de fortalecer a
Constituição, termina por enfraquecê-la em nome de uma interpretação funcional
e pragmática, mas incompatível com os valores do Estado de Direito.
7.
Conclusão
A relativização da coisa julgada, nos moldes
praticados pelo STF, é materialmente inconstitucional. Ainda que se compreenda
a necessidade de efetividade das decisões do Supremo, o caminho para
compatibilizar os princípios constitucionais não pode ser a negação expressa de
um direito fundamental. O Supremo, ao permitir a desconstituição de sentenças
transitadas em julgado com base em entendimentos supervenientes, extrapola sua
função jurisdicional e desrespeita o texto constitucional. É necessário restabelecer
os limites do controle judicial e reafirmar a força normativa da Constituição
como garantia verdadeira do Estado de Direito.
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18/04/2007.
[1]
Advogado, Professor, Colunista em diversos sites jurídicos e de notícias,
especialista em Direito Público, Mestre em Direito Canônico, Graduando em
História.
[2] BARROSO,
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[6] MENDES,
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[7] STRECK,
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