segunda-feira, 2 de junho de 2025

Assistência religiosa e os desafios além da constitucionalidade.

 

Em momentos de fragilidade humana, como a doença e a iminência da morte, a assistência religiosa assume um papel que transcende o mero legalismo, tocando a essência da dignidade e da liberdade individual. No Brasil, embora a Constituição de 1988 em seu artigo 5, VI e VII e leis como a Federal Nº 9.982/2000 e tantas outras estaduais garantam o direito à assistência religiosa em hospitais e presídios, a prática revela uma complexidade que vai muito além da letra fria da lei.

O Direito que Transcende o Legalismo

O direito à assistência religiosa não é apenas uma prerrogativa jurídica; ele é um direito fundamental e pétreo, enraizado na própria natureza humana e na profunda religiosidade de nossa população. Para milhões de brasileiros, a fé é um pilar essencial que oferece consolo, esperança e um senso de propósito diante do sofrimento e da finitude. Em um leito hospitalar, a busca por significado na vida e na morte, a necessidade de ritos de passagem e a crença na salvação espiritual tornam a presença de um ministro religioso não apenas um conforto, mas uma necessidade vital.

A Lacuna da Prática e Suas Consequências

As normativas existentes, como a Portaria de Consolidação nº 1/2017 do Ministério da Saúde (artigo 6º, VIII), asseguram o direito à visita religiosa, desde que não "acarrete mudança da rotina de tratamento e do estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações". Essa ressalva, embora compreensível do ponto de vista administrativo, na prática, transfere para as unidades hospitalares a prerrogativa de definir horários e condições de acesso.

É precisamente nessa delegação que reside uma das maiores fragilidades do sistema. Em um cenário onde a vida e a morte não seguem agendas pré-estabelecidas, a imposição de horários rígidos para a entrada de assistentes religiosos pode resultar em um impedimento efetivo do direito em seus momentos de maior urgência. Negar a um paciente gravemente enfermo o suporte de sua fé nos seus últimos instantes é, em última análise, um ato que fere a dignidade humana e desconsidera a dimensão espiritual que para muitos é indissociável da sua própria existência.

Humanização e o Desafio da Efetivação

A questão, portanto, não é apenas de "lacuna legal", mas de uma brecha de sensibilidade e humanização. A burocracia e a rigidez administrativa não podem sobrepor-se ao desespero de um paciente e sua família em busca de amparo espiritual, especialmente quando o tempo é o recurso mais escasso.

Para que o direito à assistência religiosa seja plenamente efetivado, é crucial que as normativas administrativas do setor da saúde transcendam o "legalismo" e incorporem a compreensão profunda do porquê esse direito existe. Isso exigiria a elaboração de diretrizes mais claras e sensíveis que garantam o acesso irrestrito de assistentes religiosos em situações de urgência e terminalidade, sem comprometer a segurança, mas reconhecendo a prioridade da dimensão espiritual em momentos tão críticos. Somente assim o sistema de saúde poderá, de fato, acolher o indivíduo em sua totalidade, respeitando sua fé e sua dignidade até o último suspiro.

 

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