Em momentos de fragilidade
humana, como a doença e a iminência da morte, a assistência religiosa assume um
papel que transcende o mero legalismo, tocando a essência da dignidade e da
liberdade individual. No Brasil, embora a Constituição de 1988 em seu artigo 5, VI e VII e leis como a Federal
Nº 9.982/2000 e tantas outras estaduais garantam o direito à
assistência religiosa em hospitais e presídios, a prática revela uma
complexidade que vai muito além da letra fria da lei.
O Direito que Transcende o
Legalismo
O direito à assistência religiosa
não é apenas uma prerrogativa jurídica; ele é um direito fundamental e pétreo,
enraizado na própria natureza humana e na profunda religiosidade de nossa
população. Para milhões de brasileiros, a fé é um pilar essencial que oferece
consolo, esperança e um senso de propósito diante do sofrimento e da finitude.
Em um leito hospitalar, a busca por significado na vida e na morte, a
necessidade de ritos de passagem e a crença na salvação espiritual tornam a
presença de um ministro religioso não apenas um conforto, mas uma necessidade
vital.
A Lacuna da Prática e Suas
Consequências
As normativas existentes, como a Portaria
de Consolidação nº 1/2017 do Ministério da Saúde (artigo 6º, VIII), asseguram o direito à visita
religiosa, desde que não "acarrete mudança da rotina de tratamento e do
estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações". Essa ressalva,
embora compreensível do ponto de vista administrativo, na prática, transfere
para as unidades hospitalares a prerrogativa de definir horários e condições de
acesso.
É precisamente nessa delegação
que reside uma das maiores fragilidades do sistema. Em um cenário onde a vida e
a morte não seguem agendas pré-estabelecidas, a imposição de horários rígidos
para a entrada de assistentes religiosos pode resultar em um impedimento
efetivo do direito em seus momentos de maior urgência. Negar a um paciente
gravemente enfermo o suporte de sua fé nos seus últimos instantes é, em última
análise, um ato que fere a dignidade humana e desconsidera a dimensão
espiritual que para muitos é indissociável da sua própria existência.
Humanização e o Desafio da
Efetivação
A questão, portanto, não é apenas
de "lacuna legal", mas de uma brecha de sensibilidade e humanização.
A burocracia e a rigidez administrativa não podem sobrepor-se ao desespero de
um paciente e sua família em busca de amparo espiritual, especialmente quando o
tempo é o recurso mais escasso.
Para que o direito à assistência
religiosa seja plenamente efetivado, é crucial que as normativas
administrativas do setor da saúde transcendam o "legalismo" e
incorporem a compreensão profunda do porquê esse direito existe. Isso exigiria
a elaboração de diretrizes mais claras e sensíveis que garantam o acesso
irrestrito de assistentes religiosos em situações de urgência e terminalidade,
sem comprometer a segurança, mas reconhecendo a prioridade da dimensão
espiritual em momentos tão críticos. Somente assim o sistema de saúde poderá,
de fato, acolher o indivíduo em sua totalidade, respeitando sua fé e sua
dignidade até o último suspiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário