sexta-feira, 6 de junho de 2025

Assistência religiosa e as “brechas legalistas” para impedir um direito constitucional.

Quando um indivíduo se encontra na fragilidade do leito hospitalar, o direito à assistência religiosa emerge como um pilar essencial da dignidade da pessoa humana. No entanto, a ausência de clareza nas normativas pode transformar essa prerrogativa fundamental em uma fonte de insegurança jurídica, intensificando o sofrimento psíquico e espiritual do paciente e de seus familiares. Não raro, a rigidez burocrática impede que a fé, tão vital em momentos de crise, cumpra seu papel de amparo e consolo.

1) A Essência do Direito e Sua Fundamentação Normativa

A garantia da assistência religiosa em ambientes de saúde não se restringe a uma mera liberalidade institucional; ela encontra seu alicerce em múltiplos níveis do ordenamento jurídico brasileiro. Em sua tessitura mais elevada, a Constituição Federal de 1988 eleva a liberdade de crença a um patamar de direito fundamental e cláusula pétrea, irradiando seus efeitos protetivos para todas as esferas da vida civil e, notadamente, para o contexto de reclusão ou de internação hospitalar. Em conformidade com esse preceito magno, a Lei Federal nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispõe especificamente sobre a prestação de assistência religiosa em entidades hospitalares, tanto públicas quanto privadas, e em estabelecimentos prisionais, civis e militares. Adicionalmente, em um nível de regulamentação administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS), a Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017, do Ministério da Saúde, ao consolidar normas sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, reforça explicitamente o direito ao "recebimento de visita de religiosos de qualquer credo". Embora essa Portaria condicione tal direito a que "não acarrete mudança da rotina de tratamento e do estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros" (Art. 4º, Parágrafo Único, XIV), a interpretação dessa condição deve ser sempre teleológica, buscando preservar a finalidade do direito fundamental, e não sua restrição desmedida.

2) As Consequências das "Brechas Legalistas": Violação e Angústia Injustificadas

É precisamente na lacuna operacional entre o direito fundamental assegurado pela lei e a ausência de diretrizes administrativas claras para sua efetivação que emergem as "brechas legalistas". Essas não são meras imperfeições técnicas; elas representam pontos de fragilidade que podem levar à violação do direito e à imposição de sofrimento adicional a pacientes e familiares em momentos de extrema vulnerabilidade.

Quando as normativas deixam a critério exclusivo da unidade hospitalar a definição de horários e condições de acesso para assistentes religiosos, sem contemplar a urgência da fé, abre-se espaço para interpretações restritivas que desconsideram a natureza imprevisível da doença e da morte. Em um cenário onde a vida e a morte não seguem agendas pré-estabelecidas, a imposição de horários rígidos para a entrada de assistentes religiosos, desprovida de flexibilidade para casos de urgência ou terminalidade, pode configurar um impedimento efetivo e inconstitucional do direito.

Tal restrição acarreta consequências graves: primeiro, uma violação da dignidade humana, pois nega-se o amparo espiritual no momento de maior necessidade, desrespeitando a totalidade do ser humano, que compreende dimensões físicas, psicológicas e espirituais. Segundo, um aumento do sofrimento psíquico e espiritual, pois para muitos pacientes e suas famílias, a impossibilidade de receber os últimos sacramentos, orações ou o conforto de sua fé em momentos críticos pode gerar profunda angústia, desespero e a sensação de que um direito essencial para sua concepção de salvação ou transição espiritual está sendo negado. Por fim, uma insegurança jurídica para o cidadão, visto que a ausência de clareza gera incerteza quanto à efetivação de um direito fundamental, deixando o paciente e sua família à mercê de interpretações variáveis e, por vezes, discricionárias das normas internas hospitalares.

A efetividade do direito à assistência religiosa demanda, portanto, que as normativas administrativas transcendam o mero formalismo e incorporem a sensibilidade necessária para garantir que a urgência da fé seja reconhecida e atendida. Somente assim o apoio espiritual será sempre acessível, especialmente nos momentos mais delicados da jornada de saúde do indivíduo.

  

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