Quando um indivíduo se encontra na fragilidade do leito hospitalar, o direito à assistência religiosa emerge como um pilar essencial da dignidade da pessoa humana. No entanto, a ausência de clareza nas normativas pode transformar essa prerrogativa fundamental em uma fonte de insegurança jurídica, intensificando o sofrimento psíquico e espiritual do paciente e de seus familiares. Não raro, a rigidez burocrática impede que a fé, tão vital em momentos de crise, cumpra seu papel de amparo e consolo.
1) A Essência do Direito e Sua Fundamentação Normativa
A garantia da assistência religiosa em ambientes de saúde não
se restringe a uma mera liberalidade institucional; ela encontra seu alicerce
em múltiplos níveis do ordenamento jurídico brasileiro. Em sua tessitura mais
elevada, a Constituição Federal de 1988 eleva a liberdade de crença a um
patamar de direito fundamental e cláusula pétrea, irradiando seus efeitos
protetivos para todas as esferas da vida civil e, notadamente, para o contexto
de reclusão ou de internação hospitalar. Em conformidade com esse preceito
magno, a Lei Federal nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispõe especificamente
sobre a prestação de assistência religiosa em entidades hospitalares, tanto
públicas quanto privadas, e em estabelecimentos prisionais, civis e militares.
Adicionalmente, em um nível de regulamentação administrativa do Sistema Único
de Saúde (SUS), a Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017, do
Ministério da Saúde, ao consolidar normas sobre os direitos e deveres dos
usuários da saúde, reforça explicitamente o direito ao "recebimento de
visita de religiosos de qualquer credo". Embora essa Portaria condicione
tal direito a que "não acarrete mudança da rotina de tratamento e do
estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros"
(Art. 4º, Parágrafo Único, XIV), a interpretação dessa condição deve ser sempre
teleológica, buscando preservar a finalidade do direito fundamental, e não sua
restrição desmedida.
2) As Consequências das "Brechas Legalistas":
Violação e Angústia Injustificadas
É precisamente na lacuna operacional entre o direito
fundamental assegurado pela lei e a ausência de diretrizes administrativas
claras para sua efetivação que emergem as "brechas legalistas". Essas
não são meras imperfeições técnicas; elas representam pontos de fragilidade que
podem levar à violação do direito e à imposição de sofrimento adicional a
pacientes e familiares em momentos de extrema vulnerabilidade.
Quando as normativas deixam a critério exclusivo da unidade
hospitalar a definição de horários e condições de acesso para assistentes
religiosos, sem contemplar a urgência da fé, abre-se espaço para interpretações
restritivas que desconsideram a natureza imprevisível da doença e da morte. Em
um cenário onde a vida e a morte não seguem agendas pré-estabelecidas, a
imposição de horários rígidos para a entrada de assistentes religiosos,
desprovida de flexibilidade para casos de urgência ou terminalidade, pode configurar
um impedimento efetivo e inconstitucional do direito.
Tal restrição acarreta consequências graves: primeiro, uma
violação da dignidade humana, pois nega-se o amparo espiritual no momento de
maior necessidade, desrespeitando a totalidade do ser humano, que compreende
dimensões físicas, psicológicas e espirituais. Segundo, um aumento do
sofrimento psíquico e espiritual, pois para muitos pacientes e suas famílias, a
impossibilidade de receber os últimos sacramentos, orações ou o conforto de sua
fé em momentos críticos pode gerar profunda angústia, desespero e a sensação de
que um direito essencial para sua concepção de salvação ou transição espiritual
está sendo negado. Por fim, uma insegurança jurídica para o cidadão, visto que
a ausência de clareza gera incerteza quanto à efetivação de um direito
fundamental, deixando o paciente e sua família à mercê de interpretações
variáveis e, por vezes, discricionárias das normas internas hospitalares.
A efetividade do direito à assistência religiosa demanda,
portanto, que as normativas administrativas transcendam o mero formalismo e
incorporem a sensibilidade necessária para garantir que a urgência da fé seja
reconhecida e atendida. Somente assim o apoio espiritual será sempre acessível,
especialmente nos momentos mais delicados da jornada de saúde do indivíduo.
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