terça-feira, 3 de junho de 2025

Assistência religiosa não é uma mera formalidade legal.

No cenário hospitalar, onde a ciência médica se entrelaça com a vulnerabilidade humana, o direito à assistência religiosa transcende a mera formalidade legal, consolidando-se como uma prerrogativa essencial da dignidade da pessoa humana e da liberdade de crença. Em uma nação com a vasta e plural religiosidade do Brasil, a dimensão espiritual e a fé representam, para incontáveis indivíduos, um pilar inestimável de suporte psíquico e emocional diante do sofrimento, da enfermidade e da finitude da existência.

A Essência Inalienável do Direito e Sua Ampla Fundamentação Normativa

A garantia da assistência religiosa em ambientes de cuidado à saúde não se restringe a uma mera liberalidade institucional ou a uma concessão administrativa; ela encontra seu alicerce em múltiplos níveis do ordenamento jurídico brasileiro. Em sua tessitura mais elevada, a Constituição Federal de 1988 eleva a liberdade de crença a um patamar de direito fundamental e cláusula pétrea, irradiando seus efeitos protetivos para todas as esferas da vida civil e, notadamente, para o contexto de reclusão ou de internação hospitalar. Em conformidade com esse preceito magno, a Lei Federal nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispõe especificamente sobre a prestação de assistência religiosa em entidades hospitalares, tanto públicas quanto privadas, e em estabelecimentos prisionais, civis e militares.

Em âmbito estadual uma enormidade de leis em quase todos os Estados reitera e aprofunda essa garantia, consolidando a matéria no âmbito do Estado. Adicionalmente, em um nível de regulamentação administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS), a Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017, do Ministério da Saúde, ao consolidar normas sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, reforça explicitamente o direito ao "recebimento de visita de religiosos de qualquer credo" (artigo 6º, VIII). Embora essa Portaria condicione tal direito a que "não acarrete mudança da rotina de tratamento e do estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros" (Art. 4º, Parágrafo Único, XIV), a interpretação dessa condição deve ser sempre teleológica, buscando preservar a finalidade do direito fundamental.

A Dimensão Profunda da Fé no Processo de Cuidado e as Consequências das Lacunas Operacionais

Para o indivíduo hospitalizado, a fé e a espiritualidade não constituem meros acessórios; são, frequentemente, componentes intrínsecos de sua identidade, de sua resiliência e de seu bem-estar integral. Em face da vulnerabilidade imposta pela doença grave ou crônica, e da confrontação com a própria finitude, a presença e o suporte de um assistente religioso oferecem um consolo existencial que transcende o âmbito da terapêutica convencional. Esse amparo auxilia no processamento da dor, na busca por sentido, na expressão de arrependimentos, na realização de ritos de passagem essenciais para sua cosmogonia, ou simplesmente na presença compassiva que alivia a solidão e o medo.

É nesse contexto de profunda necessidade que as "brechas legalistas" ou a carência de detalhamento operacional nas normativas, que por vezes transferem para as unidades hospitalares a prerrogativa quase exclusiva de definir horários e condições de acesso para assistentes religiosos, revelam-se mais do que uma mera omissão técnica. Essa delegação, sem diretrizes claras para situações de urgência e terminalidade, pode levar a uma restrição indevida e potencialmente inconstitucional de um direito fundamental. A vida e a morte não se subordinam a agendas administrativas ou a horários fixos de visitação.

Impedir ou dificultar o acesso a esse suporte espiritual em momentos cruciais de um processo de saúde-doença, sob a égide de uma interpretação excessivamente rígida da "rotina hospitalar", pode configurar uma limitação arbitrária de um direito fundamental. Tal conduta desconsidera a urgência intrínseca da dimensão espiritual que, para muitos, se manifesta com maior intensidade justamente quando a vida se aproxima de seu desfecho. A efetividade plena do direito à assistência religiosa demanda, portanto, uma interpretação e aplicação das normas que sejam permeadas pela sensibilidade, pela humanização e pelo reconhecimento da premente necessidade humana de amparo espiritual, que não se submete a meras conveniências administrativas. A dignidade do paciente exige que sua fé seja respeitada e facilitada em todos os momentos, especialmente nos mais delicados.

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