sexta-feira, 16 de maio de 2025

A Função Contramajoritária da Constituição.

 

A função contramajoritária da Constituição consiste em garantir a supremacia dos direitos fundamentais e das normas constitucionais mesmo diante da vontade das maiorias políticas ou sociais momentâneas. Essa função se expressa especialmente nas cláusulas pétreas, nos direitos fundamentais e na atuação do Poder Judiciário como guardião da Constituição. Seu papel é proteger os indivíduos e as minorias contra eventuais abusos legislativos ou decisões populistas que comprometam valores estruturantes do Estado de Direito.

Segundo o próprio ministro Luis Roberto Barroso, atualmente presidente do Augusto STF, em seu livro O novo direito constitucional brasileiro na edição de 2019, afirma que a função contramajoritária da Constituição encontra sua razão de ser na necessidade de preservar o núcleo essencial de direitos e garantias, mesmo quando esses direitos são impopulares ou quando há maioria circunstancial contrária à sua preservação. Trata-se, assim, de um limite material ao poder político, de modo a assegurar a integridade dos valores constitucionais.

Analisando o livro do festejado Joaquim José Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, edição de 2003, também destaca que a rigidez constitucional e a função contramajoritária são elementos indissociáveis do constitucionalismo contemporâneo. Sem essa função, a Constituição deixa de ser instrumento de limitação do poder e passa a ser objeto da sua manipulação. Nada mais atual.

Nesse contexto, a coisa julgada — protegida pelo art. 5º, XXXVI da CF/88 — representa um mecanismo de contenção do arbítrio estatal, inclusive do próprio Poder Judiciário. É expressão do devido processo legal e do direito à estabilidade das decisões judiciais. Permitir sua relativização significa abrir caminho para que decisões majoritárias ou interpretações conjunturais tenham o poder de desfazer direitos já definitivamente reconhecidos pelo Judiciário.

No caso dos Temas 881 e 885 e Reclamação 4335/SP, que permitem a relativização da coisa julgada, a função contramajoritária da Constituição não foi respeitada, pois o STF, ao admitir a relativização da coisa julgada em nome da supremacia da sua própria jurisprudência, atua como poder reformador da Constituição, sem respaldo no texto constitucional.

O Judiciário, que deveria limitar o poder, passa a ampliá-lo sobre os próprios direitos fundamentais que deveria proteger. Em vez de exercer sua função contramajoritária, o STF adere à lógica majoritária da conveniência institucional, minando a estabilidade do ordenamento jurídico.

Esse tipo de atuação gera um paradoxo: o guardião da Constituição torna-se agente de sua erosão. O Judiciário, ao interpretar a Constituição em desconformidade com sua literalidade e seus princípios estruturantes, compromete não apenas a coisa julgada, mas o próprio pacto constitucional fundante. 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

DONIZETTI, Elpídio. Curso de direito processual civil. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2018.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

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