A função contramajoritária da Constituição
consiste em garantir a supremacia dos direitos fundamentais e das normas
constitucionais mesmo diante da vontade das maiorias políticas ou sociais momentâneas.
Essa função se expressa especialmente nas cláusulas pétreas, nos direitos
fundamentais e na atuação do Poder Judiciário como guardião da Constituição.
Seu papel é proteger os indivíduos e as minorias contra eventuais abusos
legislativos ou decisões populistas que comprometam valores estruturantes do
Estado de Direito.
Segundo o próprio ministro Luis Roberto
Barroso, atualmente presidente do Augusto STF, em seu livro O novo direito
constitucional brasileiro na edição de 2019, afirma que a função
contramajoritária da Constituição encontra sua razão de ser na necessidade de
preservar o núcleo essencial de direitos e garantias, mesmo quando esses
direitos são impopulares ou quando há maioria circunstancial contrária à sua
preservação. Trata-se, assim, de um limite material ao poder político, de modo
a assegurar a integridade dos valores constitucionais.
Analisando o livro do festejado Joaquim José
Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, edição
de 2003, também destaca que a rigidez constitucional e a função
contramajoritária são elementos indissociáveis do constitucionalismo
contemporâneo. Sem essa função, a Constituição deixa de ser instrumento de
limitação do poder e passa a ser objeto da sua manipulação. Nada mais atual.
Nesse contexto, a coisa julgada — protegida
pelo art. 5º, XXXVI da CF/88 — representa um mecanismo de contenção do arbítrio
estatal, inclusive do próprio Poder Judiciário. É expressão do devido processo
legal e do direito à estabilidade das decisões judiciais. Permitir sua
relativização significa abrir caminho para que decisões majoritárias ou
interpretações conjunturais tenham o poder de desfazer direitos já
definitivamente reconhecidos pelo Judiciário.
No caso dos Temas 881 e 885 e Reclamação
4335/SP, que permitem a relativização da coisa julgada, a função
contramajoritária da Constituição não foi respeitada, pois o STF, ao admitir a
relativização da coisa julgada em nome da supremacia da sua própria
jurisprudência, atua como poder reformador da Constituição, sem respaldo no
texto constitucional.
O Judiciário, que deveria limitar o poder,
passa a ampliá-lo sobre os próprios direitos fundamentais que deveria proteger.
Em vez de exercer sua função contramajoritária, o STF adere à lógica
majoritária da conveniência institucional, minando a estabilidade do
ordenamento jurídico.
Esse tipo de atuação gera um paradoxo: o guardião da Constituição torna-se agente de sua erosão. O Judiciário, ao interpretar a Constituição em desconformidade com sua literalidade e seus princípios estruturantes, compromete não apenas a coisa julgada, mas o próprio pacto constitucional fundante.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
BARROSO,
Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2019.
CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003.
DONIZETTI,
Elpídio. Curso de direito processual civil. 23. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2021.
MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
MONTENEGRO
FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo:
Atlas, 2018.
SARLET,
Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
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