quarta-feira, 27 de julho de 2011

STF está prestes a decidir sobre a possibilidade de abortos de anencéfalos. Parte 01.


ADPF 54 que trata sobre o aborto de fetos anencéfalos foi protocolada com o intuito de, em caso de ocorrência de gestação de feto com anencefalia, nem os médicos e nem a gestante que decidir optar pela antecipação terapêutica de parto, no caso de feto portador de anencefalia, sejam, nos termos dos artigos penais referentes ao aborto, pelos crimes apenados.

Essa ADPF está pronta para ser julgada.

Na petição inicial, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), através do seu advogado Luis Roberto Barroso, em nota prévia, esclarece que, antecipação terapêutica de parto não é aborto, mas não explica os motivos que diferenciam a antecipação terapêutica de parto do crime de aborto. Faz ao final, o discurso da importância do pronunciamento do STF sobre a matéria:

“que tem profundo alcance humanitário, para libertá-la de visões idiossincráticas causadoras de dramático sofrimento às gestantes e de ameaças e obstá-los à atuação dos profissionais da saúde”.

No mérito, o advogado procurou ponderar sobre os direitos da gestante e do nascituro, quando este tem potencialidade de vida, o que não figura no caso em examine, e por este dado busca o reconhecimento dos direitos fundamentais da gestante, “cujo interesse se possa eficazmente proteger”.

A CNTS discorre longamente sobre princípios, mas esquece que os mesmos princípios da dignidade da pessoa humana e tantos outros não se adéquam única e exclusivamente à mulher, mas também ao nascituro, ou seja, à criança que é vida e que tem vida.

Concluindo, usou uma tese que tentou se esquivar do crime de aborto dizendo que aborto não é aborto e que anencéfalo não é vida. Basicamente isso. É óbvio que se perguntar para ele a explicação não vai ser tão direta assim.

Uma vez que essa ação está pronta para julgamento e o Relator é o Sr. Ministro marco Aurélio, é bom lembrarmos do que se trata e como foi a audiência pública que aconteceu no final de agosto e início de setembro de 2008.

Pois bem, no dia 26/08/2008 o Pe. Luiz Antônio Bento falou na audiência pública representando a CNBB, tudo nos seguintes termos:

1. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Representante: Padre Luiz Antônio Bento
Currículo: Doutor em Bioética pela Universidade Lateranense e Academia Alfonsiana de Roma, Assessor Nacional da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB, e autor do livro Bioética. Desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo, Paulinas, 2008.

Bom-dia a todos.

Gostaria de pedir licença ao Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator da ADPF, para saudar a todos, cumprimentar os presentes, a todas as autoridades, as pessoas que compõem esta mesa e esta assembléia.

Vamos hoje aqui, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, colaborar nesta matéria importante e tão fundamental para a comunidade, para a sociedade brasileira.

Queremos fazer a nossa consideração também a partir daquela perspectiva cristã. É óbvio que nós viemos representando esta entidade religiosa e que partiremos também de alguns princípios, elementos cristãos.

Hoje, além de falar do aborto, queremos falar especificamente desta matéria tão delicada e tão importante de ser debatida aqui e com toda a comunidade brasileira, o caso do aborto do feto com anencefalia. Queremos, desta forma, apresentar as razões pelas quais defendemos a humanidade deste ser humano que está em gestação, ainda que esteja com malformação.

Uma realidade da qual não se é possível fugir é que o aborto é a morte deliberada direta, independentemente da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial de sua existência, que vai até o parto.

João Paulo II, cremos ter sido um dos grandes, um dos maiores defensores da vida nos últimos tempos, assim define o aborto que era a favor dessa cultura da vida, portanto, hostil a uma cultura de morte. Assim, nada e ninguém pode autorizar que se dê a a tod morte a um ser humano inocente, seja ele embrião, feto, ou criança sem ou com malformação, adulto, velho, doente incurável ou agonizante. Essa doutrina do magistério da Igreja Católica é assim defendida no evangelium vitae, o evangelho da vida.
Cremos que quando a vida não é respeitada no seu inicio, dificilmente o será em suas outras etapas. Não importando como essa vida se encontra, todos os outros direitos da pessoa humana serão desprezados. Ademais, uma sociedade que quer se desenvolver não pode fazê-lo livremente, não pode crescer à custa do sangue de pessoas inocentes. Não se constrói uma sociedade com violência, uma violência contra os doentes, contra os fetos indefesos e inocentes. As pretensões de desqualificação da pessoa humana ferem a dignidade intrínseca e inviolável da pessoa. Só pelo fato de pertencer à espécie humana, esse indivíduo tem uma dignidade; e é essa dignidade que queremos reafirmar, que precisa ser tutelada, que precisa ser respeitada.

Assim, o feto anencefálico é um ser humano vivente e sua reduzida expectativa de vida não nega os seus direitos, a sua identidade. O fato de ter mais ou menos tempo de existência não faz com que ele deixe de ser sempre um ser humano, que precisa de
cuidado, sobretudo neste caso.

A vida de cada indivíduo não é apenas um bem pessoal inalienável, mas também um bem social. Portanto, é um bem social que pertence a todos, e a sociedade tem a obrigação de promover e de defender esses direitos da pessoa humana, do feto que está com uma anomalia.

Uma vida atingida por limites psicofísicos - ou, como se diz, portadores de anomalia - é certamente limitada na sua liberdade exterior, porém em nada diminui a sua dignidade. O fato de uma deficiência, de uma anomalia, não diminui ou nega a dignidade de uma pessoa; portanto, o indivíduo humano vale pelo seu ser, não pelo seu modo de ser, muito menos pelo reconhecimento que pode vir de outros em ordem às qualidades físicas ou psíquicas, quer as possua ou não. Essa dignidade é intrínseca à pessoa.

Segundo a professora de Direito Maria Helena Diniz, o aborto eugênico é uma barbárie, um sintoma de desumanização, aliás, uma escalada para a instalação de câmara de extermínio de recémnascidos defeituosos, para a eutanásia de deficientes físicos e mentais e para a eliminação de idosos não produtivos.

Que tipo de motivos caridosos os filhos não poderiam alegar para justificar a boa ação de eliminar seus pais idosos e doentes? Hoje, amparar, proteger e respeitar a vida intra ou extrauterina. Assim, nós queremos lembrar que o feto com anencefalia não é relativo a nada, a ninguém, não depende de outra ou outras pessoas para poder ter a sua dignidade; a sua dignidade é inerente, assim como é inerente a todos e a cada indivíduo da espécie humana.

A ninguém é lícito, portanto, muito menos à sociedade e ao Estado, julgar o valor intrínseco de uma vida por suas deficiências. Nem mesmo a eutanásia pré-natal, por consciência dos pais, deveria ser admitida, porque, se ninguém tem o direito do controle sobre a própria vida, como poderia querer ter o controle sobre a vida de outra pessoa?

Então, procura-se, na verdade, eliminar o feto com a anencefalia, porque essa pessoa não corresponde aos padrões da nossa sociedade hodierna. É importante, podemos dizer, que esses padrões são arbitrários, porque nós não podemos exigir um determinado tipo de perfeição da pessoa. Quem somos nós para dizer que tipo de homem, que tipo de pessoa é o ideal para a sociedade? Nós corremos risco exatamente de entrar no eugenismo, que já passamos pela experiência na história da humanidade e que, infelizmente, vivemos ainda com marcas profundas, senão por toda a história serão lembradas.

Quanto ao sofrimento da gestante e da família, este sofrimento a todos sensibiliza. Não podemos ser indiferentes a essa dor e angústia. Não significa que nós somos insensíveis ao sofrimento da mãe, ao sofrimento do pai, ao sofrimento de toda a família, daqueles que convivem com essa realidade. Mas esse sofrimento não justifica nem autoriza o sacrifício da vida do filho que se carrega no ventre. Mas esse sofrimento, portanto, precisa ser acolhido por todos, porque, quando a Medicina não pode curar, ela ainda pode fazer muita coisa, pode aliviar o sofrimento, pode confortar, pode estar presente na vida desses pacientes. E, neste caso, são dois os pacientes: a mãe e o filho que precisam dos cuidados.

O aborto seletivo é filho desta cultura que vê uma vida que não responde aos seus parâmetros, obstáculo e uma ameaça. O aborto eugênico é uma ação discriminatória - digamos também -, racista, com a intenção de se suprimir uma vida que não está em conformidade com a que se espera, porque vem marcada por uma anomalia; essa se configura, verdadeiramente, como uma eutanásia pré-natal.

Quando, portanto, não é possível esta cura aos cuidados paliativos, este pálio, este manto, aquele que protege é a figura, dentro da visão cristã, do bom samaritano, aquele que coloca óleo, azeite nas feridas para cuidar do paciente. Eu diria que nós devemos ser claros, bons profissionais, bons técnicos, mas não basta a técnica, é preciso também a humanidade; e diria que técnica em uma mão e humanidade na outra. Uma ciência que mata não é mais uma ciência, é puramente uma tecnologia.

Um provérbio francês, portanto: “curar às vezes, aliviar frequentemente, conformar sempre”. Com relação à consciência, nós podíamos perguntar sobre a morte encefálica deste paciente que não tem a formação dos hemisférios superiores. Hoje, há um grupo de cientistas, de médicos que defende a possibilidade de uma consciência primitiva nesses pacientes, nesses indivíduos.

E, assim, concluindo, devido ao tempo que já está se encerrando, gostaria de trazer, aqui, as palavras do Doutor Rodolfo Acatauassú, mestre e doutor em cirurgia geral pela UERJ:

Se o feto fosse uma malformação não humana, se o feto nunca pudesse nascer vivo, se a criança tivesse em morte encefálica, a premissa da ADPF poderia ter algum embasamento; mas, como o feto tem o genoma humano, todos os dados genéticos estão presentes na vida desse indivíduo, mas, como o feto pode nascer vivo, mas, como a criança não está em morte encefálica, a premissa da ADPF não tem embasamento.

E gostaria, assim, de terminar, nós temos, aqui, esta criança que não é anencefálica, mas que passou por uma cirurgia ainda no útero materno que, quem sabe, a Medicina ainda pode encontrar uma cura também para a questão da anencefalia ou, pelo menos, dar grandes passos, e a Marcela – que todos conhecemos – é um exemplo de que a Medicina ainda tem muito para aprender com a anencefalia.

Enfim, não podemos esquecer que o respeito à vida, também aquele destinado a uma morte breve deve constituir um princípio inevitável não somente para os médicos, mas, também, para os pais e para toda a comunidade humana.

Terminando com as palavras do professor Jerome Lejeune, descobridor da origem cromossômica da síndrome de Down: penso pessoalmente que, diante de um feto que corre um risco, não há outra solução senão deixá-lo correr esse risco, porque, caso se mate, transforma-se o risco de cinqüenta em cem por cento e não se poderá salvar em caso nenhum. Um feto é um paciente, e a Medicina é feita para curar, não para matar. Toda discussão técnica, moral e jurídica é supérflua. É preciso simplesmente escolher entre a Medicina que cura e a Medicina que mata.

Ainda Jérôme Lejeune: se a natureza condena, não cabe à Medicina executar a sentença, mas, sim, transformar a pena.

E, assim, deixo como essa nossa reflexão, neste período breve, pedindo para que aqueles que podem, têm o poder de votar, de decidir sobre as nossas vidas e das crianças com anencefalia escolhem, pois, a vida.

Muito obrigado.

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