Fala o especialista Rafael Navarro-Valls, professor da Universidade Complutense de Madrid
por Nieves San Martín
MADRID, quarta-feira 23 de novembro de 2011 (ZENIT.org) – Entrevistado pelo Zenit o professor Rafael Navarro-Valls ofereceu uma visão geral sobre o atual panorama moral da Espanha e sobre uma possível mudança legislativa sobre questões relativas aos valores cristãos.
Rafael Navarro-Valls, professor na Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid e secretário-geral da Real Academia Espanhola de Jurisprudência e Legislação, colabora regularmente com ZENIT no que diz respeito à questões de direitos humanos e da relação com a "Antropologia e a fé cristã, de acordo com a Doutrina Social da Igreja.
Nesta entrevista o advogado enfrenta concretamente as novas perspectivas jurídicas em matéria de tutela dos nascituros, o assim chamado "matrimônio entre pessoas do mesmo sexo," a queda de governos no mundo por causa da crise econômica sem recorrer às urnas, o possível déficit da democracia, e a questão de como remediar a erosão do sistema ecológico moral de um país.
O senhor acredita que temos que lidar com uma reforma da Constituição para questões como a defesa do nascituro? Ou seria suficiente uma reforma das leis em questão?
- Rafael Navarro-Valls: Em termos de tutela da vida humana há um movimento constitucional orientado a acolhê-la de um modo ou de outro. Assim, 18 estados mexicanos em um período relativamente curto de tempo mudaram suas constituições para proteger a vida desde a concepção até a morte natural. Algo semelhante aconteceu na Europa com a constituição da Hungria, que define o matrimônio como "união entre um homem e uma mulher," protege a vida do nascituro desde a concepção até a morte natural, e proíbe a eugenética. Na Espanha, a mudança da Constituição exige uma mudança no processo legislativo tão complexa, que parece mais apropriado reformar a legislação ordinária, começando de uma visão sobre os direitos humanos muito mais rigorosa, que impeça que o aborto seja concebido como um direito. Deve-se evitar que devam ser financiadas pelos contribuintes e também que seja acessível à qualquer menor sem o consentimento dos parentes.
Embora seja uma realidade muito pequena no nosso país, como se poderia resolver a questão do assim chamado "matrimônio entre pessoas do mesmo sexo"?
- Rafael Navarro-Valls: "É minoritário, não apenas no sentido sugerido pela pergunta (um número relativamente pequeno de matrimônios entre pessoas do mesmo sexo), mas também no cenário mundial. Atualmente, existem exatamente 193 países membros da ONU. Destes, somente 10 o contemplam. É natural que seja assim, porque a própria noção jurídica de matrimônio (união destinada, entre os outros, à procriação) o exige. Na Espanha, os órgãos jurídicos mais qualificados (Conselho do Estado, Conselho do poder Judicial, Real academia de jurisprudência, etc.) Rejeitaram por unanimidade o conceito de matrimônio da união entre pessoas do mesmo sexo. Até mesmo um conhecido homossexual espanhol (grande escritor e político), no debate antes das eleições recentes, disse que compartilhava esta idéia. Por esta razão, a maioria das legislações se orientaram à uma união civil de escopo amplo, que inclui a convivência entre pessoas do mesmo sexo. Provavelmente o modelo francês é o mais adequado e eu acho que é transferível no contexto espanhol. A lei francesa prevê um "pacto civil de solidariedade", ou seja, um contrato realizado entre duas pessoas maiores de idade, de sexo oposto ou do mesmo sexo, com o objetivo de organizar sua vida comum.
O senhor acha que os recentes desenvolvimentos, com poderes econômicos que fazem cair governos, são na realidade uma redução da soberania dos povos e pressupõem uma democracia deficitária, sujeita aos ditames do mercado supranacional?
Rafael Navarro-Valls: A criação da União Europeia tornou muito mais estreito os laços entre as Nações e ampliou o conceito de "mercado comum". Isso cria uma série de benefícios econômicos para os países membros e, portanto, uma ênfase da globalidade entre eles. Mas o "mercado" não sendo a panacéia de todos os bens, organiza de tal modo que as consequências negativas da crise sejam transmitidas com maior intensidade no interior do "mercado". Este déficit democrático não é uma necessidade, mas é uma das possíveis regras do jogo. Desde que seja transitória, deve ser considerada como uma “emergência”, não como um deficit. Algo similar às medidas tomadas por Roosevelt nos Estados Unidos para limitar o desastre do 'crack' de 1929.
O senhor acredita que as medidas legislativas para solucionar a erosão do sistema ecológico moral de um país sejam suficientes?
- Rafael Navarro-Valls - Os advogados sabem que, em matéria de valores sociais, o Direito tem uma influência maior por meio daquilo que poderíamos chamar de sua atividade negativa. Isto é, por exemplo, podem ajudar a corroer o ecossistema familiar de forma mais eficaz do que restaurá-lo. Em outras palavras, as legislações têm sido muitas vezes mais eficazes contribuindo na consolidação das tendências desintegrantes da família do que em integrá-la. Às vezes, essas leis se consolidam em uma espécie de "experiências de não retorno", uma vez que tenham penetrado no tecido social. É uma tarefa difícil restaurar o tecido social corroído por Estados intervencionistas com uma conceituação da lei como um instrumento concebido para impor do alto uma moral ou uma "filosofia de vida." Sem uma atividade legal mais ou menos positiva. É necessária a ação conjunta de todos aqueles que estão implicados na ordem social (Igreja, sociedade civil, partidos políticos, indivíduos, etc.) para restaurar o equilíbrio perdido. Neste sentido, Dante Alighieri tinha razão quando disse que: "os lugares mais quentes do inferno estão reservados para aqueles que em tempos de grandes crises morais mantêm a sua neutralidade."
[Tradução TS]
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