sexta-feira, 6 de maio de 2011

Bula de canonização da Santa Clara de Assis (1255).


Clara claris praeclara (1255)

1 Alexandre, bispo, servo dos servos de Deus, a todos os veneráveis irmãos arcebispos e bispos estabelecidos no reino da França: saúde e bênção apostólica.
2 Clara, preclara por seus claros méritos, clareia claramente no céu pela claridade da grande glória, e na terra pelo esplendor dos milagres sublimes.
3 Brilha aqui claramente sua estrita e elevada religião, irradia, no alto a grandeza de seu prêmio eterno, e sua virtude resplandece para os mortais com sinais magníficos.
4 A esta Clara foi dado o título do privilégio da mais alta pobreza; a ela é dada nas alturas como recompensa uma profusão inestimável de tesouros; e os católicos demonstram para com ela plena devoção e uma honra imensa.
5 Esta Clara foi distinguida aqui por suas obras fúlgidas, esta Clara é clarificada no alto pela plenitude da luz divina. E a maravilha de seus prodígios estupendos declara-a aos povos cristãos.
6 Ó Clara, dotada de tantos modos pelos títulos da claridade! Foste clara antes da tua conversão, mais clara na conversão, preclara por teu comportamento no claustro e brilhaste claríssima depois do curso da presente existência!
7 O mundo recebeu de Clara um claro espelho de exemplo: por entre os prazeres celestiais, ela oferece o lírio suave da virgindade. E na terra, sentem-se os remédios manifestos do seu auxílio.
8 Ó admirável clareza da bem-aventurada Clara, que quanto mais diligentemente é buscada em pontos particulares mais esplendidamente é encontrada em tudo.
9 Brilhou no século e resplandeceu na religião. Em casa foi luminosa como um raio, no claustro teve o clarão de um relâmpago!
10 Brilhou na vida, irradia depois da morte. Foi clara na terra e reluz no céu!
11 Como é grande a veemência de sua luz e como é veemente a iluminação de sua claridade!
12 Ficava esta luz fechada no segredo do claustro, mas emitia raios brilhantes para fora. Recolhia-se no estreito convento, e se espalhava pelo amplo mundo.
13 Guardava-se lá dentro e manava fora.
14 Pois Clara se escondia, mas sua vida se manifestava; Clara se calava, mas sua fama clamava; trancava-se na cela e era conhecida pelas cidades afora.
15 Nem é de admirar, porque uma luz tão acesa, tão luminosa não podia esconder-se, deixando de brilhar e de dar uma clara luminosidade na casa (cfr. Mt 5,14.15) do Senhor. Nem poderia fechar-se um vaso de tantos aromas, deixando de perfumar e de impregnar com suave odor a mansão do Senhor.
16 Mais, como quebrou com dureza o alabastro de seu corpo no estreito recinto da solidão, o ambiente da Igreja ficou totalmente repleto com o odor (cfr. Mt 26,7; Jo 12,3) de sua santidade.
17 De fato, quando ainda menina, no século, procurou desde a mais tenra idade atravessar por um atalho limpo este mundo frágil e imundo, guardando sempre o precioso tesouro de sua virgindade com ilibado pudor,
18 de forma que sua fama grata e louvável passou aos vizinhos e a outros, e São Francisco, ouvindo apregoar esse conceito de que gozava, começou logo a exortá-la, induzindo-a ao perfeito serviço de Cristo.
19 Ela, acolhendo logo suas santas admoestações e desejando renunciar totalmente ao mundo com todas as coisas terrenas e servir só a Deus na pobreza voluntária, cumpriu logo que pôde esse seu ardente desejo.
20 Porque, afinal, transformou todos os seus bens em esmolas e as distribuiu para ajudar os pobres (cfr. Lc 12,33; 18,22), entregando juntos a Cristo ela mesma e tudo que era seu.
21 Quando quis fugir do ruído do mundo, foi para uma igreja do campo, onde recebeu a sagrada tonsura do próprio São Francisco, e passou para uma outra. Aí seus parentes quiseram levá-la de volta, mas ela imediatamente abraçou o altar, agarrou suas toalhas e, mostrando o corte dos cabelos, resistiu com força e constância aos parentes, tomando essa atitude.
22 Porque, como já estava unida a Deus com toda a sua decisão, não podia suportar que a afastassem de seu serviço.
23 Finalmente foi levada pelo próprio São Francisco para a igreja de São Damião, fora da cidade de Assis, onde nascera. E o Senhor lhe ajuntou muitas companheiras, para o amor e o culto assíduo de seu nome.
24 Pois foi dela que recebeu salutar início a insigne e santa Ordem de São Damião, já amplamente espalhada neste mundo.
25 Foi ela que, a conselho de São Francisco, deu começo a esse novo modo de viver a santa observância.
26 Foi ela o primeiro e estável fundamento dessa grande família religiosa. Foi ela a primeira pedra dessa elevada obra.
27 De família nobre, mas ainda mais nobre pelo comportamento, ela, que já antes havia guardado a virgindade, conservou-a principalmente sob essa regra religiosa.
28 Mais tarde sua mãe, chamada Hortolana, mulher dedicada às boas obras, entrou devotamente nesta religião seguindo o exemplo da filha.
29 E aí, afinal, essa ótima hortelã, que produziu tal planta na horta do Senhor, concluiu felizmente os seus dias.
30 Depois de alguns anos, a bem-aventurada Clara, vencida pela forte insistência do próprio São Francisco, aceitou o governo do mosteiro e das irmãs.
31 Na verdade, ela foi a árvore destacada (cfr. Dn 4,8) e eminente, de ampla ramagem, que deu o doce fruto da religião no campo da Igreja, e em cuja sombra agradável e gostosa acorreram e acorrem de toda parte muitas discípulas de fé para saborear um fruto tão especial (cfr. Ct 2,3).
32 Ela foi o veio límpido do Vale de Espoleto, que proporcionou uma nova fonte de água (cfr. Est 10,6) da vida para refazer e ajudar as almas. E se espalhou em ribeiros diversos no território da Igreja, regando o plantio da religião.
33 Ela foi um elevado candelabro da santidade, brilhando com força no tabernáculo (cfr. Hb 9,2) do Senhor, e para seu enorme esplendor correram e correm tantas, querendo em sua luz acender suas lâmpadas (cfr. Mt 25,7).
34 É certo que ela plantou e cultivou no campo da fé a vinha da pobreza, da qual se colhem frutos de salvação, abundantes e ricos.
35 Ela fez no terreno da Igreja o jardim da humildade, formado pela falta de muitas coisas, em que se colhe uma grande variedade de virtudes.
36 Ela edificou nas terras da religião a fortaleza da abstinência estrita, em que se serve a refeição abundante dos pratos espirituais.
37 Ela foi a primeira entre os pobres, a comandante dos humildes, mestra dos continentes, e abadessa dos penitentes.
38 Ela governou o seu mosteiro e a família que nele lhe foi confiada, com solicitude e prudência no temor e no serviço do Senhor e na plena observância da Ordem:
39 Vigilante no cuidado, esforçada no serviço, atenta na exortação; diligente para admoestar, prestimosa para se compadecer, discreta para se calar, madura no silêncio, experimentada em todas as coisas oportunas para um perfeito governo, querendo mais prestar serviço que dominar, e mais honrar do que ser honrada.
40 Sua vida era instrução e doutrina para as outras.
41 Nesse livro da Vida (cfr. Ap 21,27), as outras aprenderam a regra do bem viver; nesse espelho da Vida, as irmãs contemplaram os caminhos da vida.
42 Pois permanecia na terra com o corpo, mas de ânimo andava pelo céu. Foi vaso da humildade, arca da castidade, ardor da caridade, doçura da bondade, força da paciência, vínculo de paz e comunhão de familiaridade. Mansa de palavra, doce nas atitudes, em tudo amável e bem aceita.
43 Para fortalecer o espírito abatendo a carne (porque todos ficam fortes quando o inimigo se enfraquece), usava como leito o solo nu e, às vezes, uns sarmentos, colocando como travesseiro embaixo da cabeça um duro tronco,
44 contente com uma só túnica e um manto de pano grosseiro, desprezado e rude.
45 Servia-se dessas roupas humildes para cobrir seu corpo, usando, às vezes, junto à carne um áspero cilício feito de cordinhas de crina de cavalo.
46 Parca também no comer e discreta no beber, freava-se com tanta abstinência nessas coisas que, por muito tempo, não provou absolutamente nada como alimento de seu corpo em três dias da semana: nas segundas, quartas e sextas-feiras.
47 E também nos outros dias se restringia tanto na limitação do alimento, que os outros se admiravam de que pudesse sobreviver com tão forte rigor.
48 Entregando-se também assiduamente a vigílias e orações, era a isso que dedicava principalmente seu tempo de dia e de noite.
49 No fim, afetada por constantes doenças, como não podia levantar-se sozinha para nenhum exercício corporal, era erguida com auxílio de suas Irmãs e, com apoios colocados nas costas, trabalhava com as próprias mãos (cfr. 1Cor 4,12) para não ser ociosa nem em suas enfermidades.
50 Foi assim que fez fazer com pano de linho desse seu esforço e trabalho muitos corporais para o sacrifício do altar, mandando-os distribuir pelas planícies e montanhas de Assis a diversas igrejas.
51 Mas como amava principalmente e cultivava com zelo a pobreza, fixou-a de tal forma em seu coração, uniu-a tanto a seus desejos, que cada vez mais firme no seu amor e mais ardente no seu abraço, nunca se afastou dessa apertada e gostosa união por necessidade alguma.
52 E jamais pôde ser levada pela persuasão de ninguém a consentir que seu mosteiro tivesse propriedades particulares, ainda que o Papa Gregório, nosso predecessor de feliz recordação, pensando piedosamente na enorme indigência de seu mosteiro tenha querido dar-lhe de boa vontade as propriedades suficientes e adequadas para o sustento de suas Irmãs.
53 Mas como não dá para suprimir um luminar grande e esplêndido, impedindo que solte seus raios de claridade, assim foi sua vida, brilhante em muitos e variados milagres pela força de sua santidade.
54 Pois devolveu a voz a uma das Irmãs do próprio mosteiro, que a perdera quase completamente havia muito tempo.
55 A outra, destituída por completo do uso da língua, deixou falando correntemente.
56 A outra abriu um ouvido surdo.
57 Curou uma que tinha febre, uma inchada pela hidropisia, uma com a chaga de uma fístula e outras oprimidas por outras doenças, fazendo sobre elas o sinal da Cruz.
58 A um frade da Ordem dos Menores curou da loucura de que padecia.
59 Pois uma vez, faltando totalmente o azeite no mosteiro, ela chamou o frade que lá estava, encarregado de pedir esmolas, tomou uma vasilha, lavou-a e colocou-a vazia junto à porta do mosteiro para que o frade a levasse para conseguir o óleo.
60 Mas quando ele foi pegá-la, encontrou-a cheia de azeite, por dom da liberalidade divina.
61 Outra vez, como não houvesse um dia no mosteiro mais do que meio pão para a refeição das Irmãs, ela mandou dividir essa metade em porções para dar às Irmãs. Aquele que “é o pão vivo” e “dá de comer aos que têm fome” (Jo 6,41; Sl 145,7),
62 multiplicou-a nas mãos da que a partia de tal forma que deu para cinqüenta porções suficientes, que foram distribuídas às Irmãs já sentadas à mesa (cfr. Lc 9,14-16).
63 Por esses e outros sinais notáveis, destacou-se, enquanto viveu, pela eminência de seus méritos.
64 Mas também quando estava nas últimas, viu-se um alvo grupo de bem-aventuradas virgens, de coroas refulgentes, em que uma se destacava com maior fulgor, entrando no aposento
65 em que a serva de Deus jazia. Foram até a sua cama e demonstraram estar cumprindo para com ela como que o dever de visitar, dando o conforto de consolação, num gesto de humanidade.
66 Depois de sua morte, levaram ao seu sepulcro um homem que vivia caindo por sofrer de epilepsia, e nem podia andar por causa de uma perna encolhida. Lá, a própria perna fez um ruído de estar quebrando-se e ele ficou livre dos dois males.
67 Nesse mesmo lugar, receberam a cura integral pessoas curvadas na cintura, de membros aleijados, tomadas de fúria e atacadas pelo mal da demência.
68 Houve um cuja mão direita, perdida para o uso por uma violenta pancada, tinha ficado inútil, pois não conseguia fazer nada, mas, pelos méritos da Santa, foi plenamente recuperada.
69 Outro, que tinha perdido a luz dos olhos por prolongada cegueira, foi levado ao sepulcro com ajuda de outra pessoa, mas ali recuperou a visão e voltou sem quem o dirigisse.
70 Esta virgem gloriosa resplandeceu por essas e muitas outras obras e milagres gloriosos, de forma que parece evidentemente cumprido o que sua mãe disse que ouviu, quando estava rezando, na gravidez em que a esperava: que haveria de gerar uma luz que iria iluminar bastante o mundo.
71 Alegre-se, então, a Mãe Igreja, que gerou e educou essa filha que, como genitora fecunda de virtudes, produziu com seus exemplos muitas discípulas da religião, formando-as para o serviço perfeito de Cristo com perfeição.
72 Alegre-se também a alegre multidão dos fiéis, porque o Rei e Senhor dos céus levou (cfr. Ct 1,3; Mt 22,1) com glória para o seu alto e preclaro palácio a sua irmã e companheira, que Ele havia escolhido como esposa.
73 Porque também as fileiras dos santos estão festejando juntas, pois, em suas habitações celestes, celebram-se as núpcias da noiva real.
74 De resto, como é conveniente que a Igreja católica venere na terra aquela que Deus exaltou no céu,
75 pois, após diligente e cuidadosa pesquisa, um exame detalhado e uma solene discussão, ficaram bem comprovados sua santidade de vida e seus milagres,
76 ainda que seus atos fossem já claramente conhecidos, tanto aqui por perto como em países afastados,
77 Nós decidimos colocá-la no álbum dos santos, com o conselho e o consentimento comum de nossos irmãos e de todos os prelados, então, presentes na Sé Apostólica, confiando na onipotência divina, por autoridade dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e nossa.
78 Por isso, recomendamos e exortamos atentamente a vós todos, mandando por esta carta apostólica que celebreis com devoção e solenidade a festa desta virgem no dia 12 de agosto
79 e que a façais celebrar por vossos súditos com toda veneração, para que mereçais tê-la como piedosa e diligente ajuda diante de Deus.
80 Para que os povos cristãos acorram em multidões para venerar com maior desejo e abundância o seu sepulcro e para que sua festa se celebre com maior esplendor,
81 Nós, confiando na misericórdia do Deus todo-poderoso e na autoridade de seus bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo, dispensamos um ano e quarenta dias das penitências que tiverem sido dadas
82 a todos aqueles que verdadeiramente arrependidos e confessados forem cada ano venerar reverentemente seu sepulcro, impetrando humildemente sua intercessão, no dia da festa da virgem.
83 Dado em Anagni, no vigésimo sexto dia de setembro (de 1255), no primeiro ano de nosso pontificado.

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