terça-feira, 26 de maio de 2009

Galileu não esteve preso nem morreu na fogueira (1ª Parte)

Entrevista com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura

Por Carmen Elena Villa

ROMA, domingo, 24 de maio de 2009 (ZENIT.org).- A Organização das Nações Unidas declarou 2009 como o Ano da Astronomia, devido à comemoração do 4º centenário do nascimento do telescópio por obra de Galileu. Por que alguns organismos da Santa Sé se unem a esta celebração, se condenaram o famoso astrônomo?

Por este motivo, Galileu Galilei é visto hoje como um “santo leigo”, como um “mártir da ciência” e a Igreja, como a “grande inquisidora” deste gênio da astronomia.

O caso de Galileu é mencionado também no livro “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, cujo filme foi lançado mundialmente no dia 13 de maio passado.

Zenit falou com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura e co-autor do livro “Galileu e o Vaticano”, sobre aqueles mitos, assim como as verdades históricas do juízo que a Igreja realizou a este controvertido personagem.

– Falemos um pouco das lendas negras de Galileu...

Dom Sánchez de Toca: Em 9 de maio passado, eu estava dando uma conferência sobre Galileu em Toledo, Espanha, a um auditório formado principalmente por seminaristas e pesquisadores católicos, e comecei dizendo-lhes que muitos se surpreendem ao saber que Galileu não foi queimado na fogueira e nem foi torturado, nem esteve na prisão. Ao terminar a conferência, um dos assistentes me disse: “eu sou um desses, eu sempre pensei que Galileu havia morrido na fogueira”.

O curioso do caso é que na realidade ninguém o disse e nem provavelmente o tenha lido. Simplesmente é o que ele imaginava. Isso demonstra a força tão grande que tem o mito que se construiu em torno de Galileu. Como dizia João Paulo II, a verdade histórica dos fatos está muito longe da imagem que se criou posteriormente em torno de Galileu. Todo o mundo está convencido de que Galileu foi maltratado, condenado, torturado, declarado herege, mas não é assim.

Para dar um exemplo muito recente, o livro de Dan Brown, “Anjos e Demônios”, tem um pequeno diálogo a propósito de Galileu, a quem apresenta como um membro da seita dos Illuminati e contém um monte de erros históricos junto a outras coisas que são corretas.

– Podemos falar desses erros históricos de “Anjos e Demônios” com respeito relação ao tema de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Na realidade, o livro se refere a estereótipos que estão muito difundidos. O problema de fundo deste livro é a mistura de ideias filosóficas e científicas. A trama vem a dizer que o professor e sacerdote Leonardo Vetra é assassinado por uma seita porque descobriu o modo de tornar compatíveis a fé e a ciência; mais ainda, diz que a física é o verdadeiro caminho para Deus. Estas são ideias que se difundem muito, porque conseguiu, no laboratório, criar matéria do nada. Isso é um absurdo, filosoficamente falando. Fisicamente é impossível o que propõe, porque do nada não sai nada. Pode-se criar matéria a partir do vazio, mas o vazio não é o nada, o vazio é, enquanto o nada não é. É um princípio filosófico elementar.

Esta tese diz que a física representa um caminho melhor e mais seguro para chegar a Deus. Logo, com relação a Galileu, concretamente, apresenta o estereótipo habitual, segundo o qual ele foi condenado por ter demonstrado o movimento da terra.

Galileu dizia, e nisso estavam de acordo seus juízes, que não pode haver contradição entre o livro da Bíblia e o livro da natureza, porque um e outro procedem do mesmo autor. O livro da Bíblia, inspirado por Deus, e a natureza, observante executora de suas ordens. Se têm o mesmo autor, não pode haver contradição. Quando surge uma aparente contradição, significa que estamos lendo mal um dos dois livros e ele diz: é mais provável que sejamos nós que nos equivoquemos ao ler o livro da Bíblia – porque o sentido das palavras da Bíblia às vezes é recôndito e é preciso trabalhar para extraí-lo – que equivocar-se ao ler o livro da natureza, porque a natureza não se equivoca.

Uma verdade natural, cientificamente demonstrada, tem uma força maior que a interpretação que eu dou do livro da Bíblia. Portanto, diz ele, em presença de uma verdade científica demonstrada, terei de corrigir o modo de interpretar a Bíblia. A Bíblia não se equivoca, mas quem a interpreta se equivoca. Um critério claro compartilhado por seus juízes e por todo o mundo.

O Concílio de Trento, por outro lado, dizia que, na leitura da Bíblia, era preciso seguir a interpretação literal da Bíblia e o consenso unânime dos Padres da Igreja, a menos que houvesse uma verdade demonstrada que nos permitisse fazer uma leitura espiritual ou alegórica. O critério era muito claro: o que ocorre é que Galileu pensou que estava a ponto de conseguir a demonstração do movimento da terra. Uma coisa é estar convencido de que a terra se move e outra coisa é demonstrar que a terra se move. Galileu nunca demonstrou que a terra se movia. Estava convencido disso e hoje sabemos que tinha razão, mas seus juízes lhe diziam que não viam por que tinham de mudar o modo de interpretar a Bíblia, sobretudo quando o bom senso diz o contrário, sem uma prova definitiva. Os juízes de Galileu adotaram uma posição de prudência. Galileu foi além. Qual foi o erro dos juízes de Galileu? Deveriam ter se abstido de condená-lo.

– Como foi, na verdade, o julgamento de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Fundamentalmente, Galileu foi processado em 1633 por ter violado uma disposição que lhe foi feita em 1616. A disposição de 1616, que Galileu não cumpriu, proibia-o de ensinar o copernicanismo, ou seja, a doutrina que diz que o sol está no centro e a terra se move ao redor dele.

Galileu pensou que a proibição não era tão rígida, sobretudo depois da eleição do Papa Urbano VIII, e publicou um livro no qual, sob a aparência de um diálogo no qual se expõem os argumentos a favor e contra, tanto do sistema ptolomaico como do copernicano, na realidade se escondia uma apologia declarada do sistema copernicano. Não só isto, era já fraudulentamente o imprimatur, enganou a quem o concedeu dizendo que era uma exposição imparcial, mas não era nada imparcial. Por este motivo foi acusado e, portanto, submetido a processos, ou seja, submetido a um processo disciplinar.

Galileu nunca foi condenado como herege, nem tampouco o copernicanismo foi declarado como herético. Simplesmente foi declarado contrário à Escritura porque sobre a base das provas que existiam então não era possível demonstrar o movimento da terra e, portanto, dizer que a terra se movia parecia ir contra a Escritura. Foi muito significativo que em 1616 um grupo de especialistas declarasse que a doutrina segundo a qual a terra se move ao redor do sol era absurda e isso se entende perfeitamente no contexto da época, porque não se podia demonstrar e o bom senso dizia que o sol se põe e sai.

Sem uma física como a de Newton, sem uma prova ótica como o movimento da terra, a coisa parecia absurda.

Nós crescemos desde pequenos vendo modelos e imagens do sistema solar, mas o fato é que ninguém viu a terra mover-se ao redor do sol, nem sequer um astronauta. Temos provas óticas do movimento da terra, mas ninguém viu a terra mover-se. Por isso nos parece que a atitude dos que condenaram Galileu é exagerada, mas na realidade responde a uma lógica.

– E responde não somente ao que a Igreja pensava, mas a sociedade em geral...

– Dom Sánchez de Toca: Naturalmente. O copernicanismo encontrou uma grande oposição, principalmente nas universidades. Teve uma aceitação muito gradual e a oposição não foi só na Igreja Católica. Também as igrejas protestantes se opuseram a Copérnico. E ainda, em 1670, a universidade de Upsala, na Suécia, condenou um estudante porque havia defendido as teses copernicanas.

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