segunda-feira, 11 de abril de 2016

Processo judicial e não administrativo no Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus.

No Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, logo no início do documento, o Papa Francisco faz deixar claro que o processo de nulidade deve ser judicial:

"Fi-lo seguindo naturalmente os passos dos meus Antecessores, os quais quiseram que as causas de nulidade do matrimônio fossem tratadas por via judicial, e não administrativa, não porque o imponha a natureza da coisa, mas porque o exige a necessidade de tutelar ao máximo a verdade do sagrado vínculo, sendo isso assegurado, sem dúvida, pelas garantias da ordem judiciária."

É preciso explicar e deixar claro o porque disso tudo.

Existia um requerimento de muitos canonistas já há muitos anos, décadas até, que pedia que o processo deixasse de ter caráter judicial para ter o caráter de processo administrativo. A diferença entre ambos é enorme justamente porque eles terem uma raiz bem diferente, o que leva os processos a tomarem rumos diferentes devido a seus princípios norteadores.

A ideia do Papa ao estabelecer que o processo deveria ser judicial era para que tivesse o processo de nulidade uma maior proteção para atingir o seu objetivo máximo, qual seja: "a verdade do sagrado vínculo". Daí se entende que o meio judicial é mais seguro para chegar a essa máxima verdade.

É preciso entender que na Igreja não há tripartição de poderes como acontece nos Estados Nacionais como o Brasil. Assim sendo, muitas vezes é difícil para nós entender que não existe um órgão judicial máximo com um chefe exclusivo (Presidente do STF) que pode entrar em confronto (juridicamente falando) com o chefe do Legislativo (Presidente do Congresso Nacional) ou do Executivo (Presidente da República). Estamos tão acostumados com esse formato que muitas vezes não conseguimos conceber que possa existir outro meio, mas há.

O Papa, dentro da Igreja, é o chefe de Estado, mas também é a instância máxima jurisdicional. Se falamos em decisão administrativa na Igreja, falamos em decisões de Dioceses e Bispos Diocesanos com seu vigário geral e seus vigários episcopais, ou seja, o "Pode Executivo" é o Bispo e seus vigários em uma Diocese. 

Que fique bem claro que o Papa Francisco, portanto, não autorizou que o processo de nulidade fosse de caráter administrativo, o que tiraria de suas mãos a possibilidade de rever toda e qualquer decisão, caso as partes quisessem. O processo continua judicial com decisão em caráter local, dentro das Dioceses e Arquidioceses, com possibilidade de recursos até a Rota Romana ou Tribunal que valha, além, obviamente, do próprio Papa que caracteriza uma instância exclusiva no processo judicial canônico.

Como dizíamos, o autoridade executiva, diocesana, deve prover o bem comum, mas também integrar os indivíduos nesse bem que se busca. Entretanto, administrativamente, ou seja, em âmbito diocesano, essa autoridade executiva não está obrigada a seguir critérios tão rígidos quanto no âmbito administrativo, apenas não pode contrariar a lei ao discernir ou decidir.

Quando foi sugerido que os casos de nulidade matrimonial fossem feitos por via administrativa, estavam pedindo, na verdade, que o Bispo e seus vigários decidissem se o ato era nulo ou não. No processo judicial tudo é diferente. A autoridade, em primeiro lugar, é um juiz. Ao contrário do administrativo, o juiz no processo judicial não tem margem para lidar com as questões ou resolver problemas. O juiz no processo judicial canônico está restrito ao cumprimento da lei canônica. Outro ponto essencial no processo judicial é a imparcialidade. Se exige do juiz certeza moral e absoluta fidelidade ao direito, afinal, o que se busca no processo judicial de nulidade matrimonial é a verdade e não a vontade das partes.

Certamente esse objetivo também difere bastante no direito estatal civil quando em comparação com o canônico. No direito estatal o princípio é que as partes tem um objetivo e elas irão perseguir esse objetivo. O Poder Judiciário irá analisar a situação e buscar a verdade dentro do possível para que a vontade das partes seja realizada da melhor forma possível e de preferência com o menor impacto litigioso, portanto social. Um acordo, por exemplo, é sempre bem-vindo. No direito canônico não é bem assim. O que se busca é a verdade, independente do que as partes querem. Na verdade as partes deveriam já ser instruídas que, ao propor um processo dessa natureza o que se busca é a verdade que só a Igreja, com as chaves entregues a Pedro, pode alcançar e não a sua vontade individual.

Como o juiz, no processo judicial canônico, é restrito ao direito, a verdade é mais certa porque menos tortuosa e menos cheia de intempéries que podem surgir de Bispo para Bispo.

O grande problema disso tudo é que a escolha por processo judicial significa Tribunal e Tribunal significa tudo o que vem junto dele, desde o espaço, passando pela estrutura de móveis e custeio até chegar no pessoal que trabalha no local, inclusive juízes que devem ter a titulação em direito canônico. Portanto, é preciso criar condições para que isso tudo se desenvolva. Eis o desafio proposto pelo Papa Francisco.

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