A mansidão é associada à
humildade, mas antes de ser uma virtude parece ser um conjunto, um complexo de
virtudes. Trata-se de uma virtude tão querida por Deus que Ele mesmo quis ser
associado a ela:
“Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque
eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas.” (São
Mateus 11, 29)
A mansidão compreende três
partes distintas e que se completam. Sobre elas vamos discorrer um pouco
trilhando o caminho de apenas descobrir algo sobre o assunto e não de fazer um
tratado definitivo.
Em primeiro lugar para ser manso
requer-se um domínio de si para moderar a cólera, ou seja, está muito associado
à temperança nesse ponto. Sendo manso em gestos, atitudes e palavras é possível
controlar melhor essa cólera que pode levar a situações que beiram o pecado ou
mesmo que são o próprio pecado. Essa constatação é lógica devido o falto de que
para ser manso é preciso primeiramente se controlar para depois externar essa mansidão
tentada.
Em segundo lugar, passamos a um
outro estágio que foge ao particular. É preciso paciência para suportar os
defeitos do outro. A virtude para isso é a fortaleza e suportar os defeitos do
outro não se trata primeiramente de aceita-los, mas de conviver com eles até que
o outro entenda ser esse um defeito que precisa ser reparado. São Paulo já nos
fala isso:
“Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim
perdoai também vós.” (Colossenses 3, 13)
Nosso beato João Paulo II, em
uma de seus várias homilias como Papa também nos falava sobre o assunto nesses
mesmos termos:
“1. Hoje é o Bispo de Roma que vos visita, o Sucessor do
Apóstolo Pedro, a quem Jesus disse: "Confirma os teus irmãos" (Lc
22,32). Venho, pois, para vos confirmar na fé, na caridade e na esperança.
Venho para vos confirmar na fé que vós já possuis, graças
a uma evangelização que produziu os seus frutos. Falar-vos-ei desta
evangelização para vos encorajar a continuá-la.
Venho para estimular a vossa caridade recípoca e para com
todos, "a caridade que é o vínculo da perfeição". Recordo-vos,
portanto, as palavras do Apóstolo Paulo: "Revesti-vos... de sentimentos de
misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão e longanimidade,
suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente" (Col 3,12-13).
Jesus não dissera já: "Amai os vossos inimigos... para serdes filhos do
vosso Pai que está nos Céus" (Mt 5,44-45)?”
(Homilia de João Paulo II em Brazzaville, Congo, 5 de Maio
de 1980)
Esse suportar os defeitos do
outro pode trazer problemas quando não se usa o bom senso e a caridade para
mostrar ao outro seu erro. Como bem sabemos existem várias formas de de mostrar
ao outro seu defeito sem atacá-lo. Obviamente que há situações que só é
possível ao outro realmente compreender e constatar seu erro quando não somos
tão sutis assim, contudo não é a regra, muito menos a maioria dos casos. É
preciso, antes de tudo, procurar encontrar esse ponto de equilíbrio. Nessa
situação primeiro usamos o primeiro passo para controlar a nós mesmos, depois o
suportar o outro para, aí sim encontrar um mecanismo de agir com caridade a
ponto de mostrar ao outro seu erro de forma a fazê-lo entender e corrigir tal
erro. A forma como isso acontecerá somente o trato diário e individual de cada
um com essa pessoa que pode levar ao sucesso. Ninguém disse eu seria fácil! Não
existe receita de bolo para isso.
Como já mencionamos, esse
equilíbrio deve ser analisado caso a caso e é uma arte encontrar o ponto certo
na balança. Muitas vezes os defeitos devem ser suportados por longo tempo ou
até a vida toda. A mansidão precisa ser explorada para uma melhor convivência
nesses casos, assim como para entender os limites da outra pessoa.
A grande vantagem é que, se
todos exercitarem a mansidão, os defeitos se minimizarão. Obviamente que não
estamos em um mar de ideologias e devemos saber que a maioria das pessoas não
fará uso desse bem que é a mansidão, contudo, quanto mais estimularmos isso em
nosso meio e convívio, quanto mais exercitarmos a mansidão em nossa alma, mais pacificado
será o ambiente e mais repleto de compreensão pode ser a convivência naquele
meio. Isso sem falar no caminho de santidade que essa virtude leva.
Em terceiro lugar, passamos ao
outro passo. Primeiro tratamos de nós mesmos, depois tratamos de suportar o
próximo, agora trataremos de perdoar as injúrias e difamações que acontecem
conosco justamente porque pessoas próximas ou distantes de nós que não usam da
mansidão para o convívio consigo mesmas e com os que lhe são alvo de comentários
e tratamento direto.
É preciso aprender, nesse
terceiro passo, a usar da benevolência para com todos. Perdoar é ato divino.
Por nós mesmos não perdoaríamos ninguém, só o fazemos porque fomos criados a
imagem e semelhança de Deus. Perdoar quem te ataca pessoalmente e até
propositadamente e mesmo assim continuar um relacionamento interpessoal mesmo
depois desse ataque não com falsidade, mas verdadeiro perdão é um grande passo
para a mansidão. Curioso pensar que muitas vezes não perdoamos, mas sim
esquecemos ou então não perdoamos, mas continuamos com o relacionamento por
simples interesse seja lá da ordem que for. Quando esquecemos caímos em um
verdadeiro redemoinho de sentimentos quando, por um motivo ou outro, lembramos
daquele ataque e os sentimentos voltam e a prova do não-perdão ficam visíveis.
Perdoar não é esquecer. Perdoar é aceitar o erro e não ocultá-lo. Perdoar é aceitar
o erro, pecado ou mesmo defeito do outro e suportar para o bem próprio e do
outro. É conviver com aquilo usando de total benevolência. Portanto, é uma
prática da serenidade e da paz que exteriorizam nas palavras e gestos. Não há
essa prática somente com os outros, mas também conosco e com objetos inanimados.
Nesse último ponto podemos ter uma aparente mansidão para com o outro, mas
excessos consigo mesmo e com animais ou objetos. Não se trata de mansidão,
portanto. Se trata de falsidade, ocultação de cólera para ser despejada em
outra coisa ou em si mesmo. Trata-se de uma válvula de escape. Cuidado!
A mansidão se encontra em almas
de verdadeira inocência, cujo início é a infância. Uma criança é inocente
porque perdoa sem reticências. Ela é mansa porque é honesta nesse perdão. A
medida que crescemos adquirimos defeitos e temos que trabalhar e gastar muita
energia para eliminar esses defeitos. Isso se chama penitência, coisa que
poucos estão dispostos a fazer.
Essa doçura que encanta e aproxima
todos, é justamente a aniquilação do ser
e o crescimento de Cristo em nós. Assim, concluímos que a mansidão é útil para
chegarmos a paz da alma, paz com Deus e com o outro. Por esse motivo não admite
contrapesos e ressentimentos, isso porque nos ajuda a aceitar mesmo os
acontecimentos mais desagradáveis, uma vez que tudo acontece para o bem dos que
amam a Deus.
“Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus
desígnios.” (Rm, 8, 28)
Santa Catarina de Sena também
nos lembra que Deus sempre encaminha para o bem:
“Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação
do homem, e não com nenhum outro fim.” (Santa Catarina de Sena, ll dialogo della Divina provvidenza,
138: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 441.)
E São Tomás Morus, pouco antes
do seu martírio, consola a filha com estas palavras:
“Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que
Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na verdade, muito bom.”
(Margarita
Roper, Epistola ad Aliciam Alington
(Agosto 1534): The Correspondence of Sir Thomas More, ed. E. F. Rogers
(Princeton 1947), p. 531-532. [Texto no Ofício de Leituras da memória de São
Tomás Moro a 22 de Junho])
Chegar a plenitude dessa
assertiva é entender boa parte do projeto divino que nos foi revelado. Entender
que tudo caminha para o bem dos que amam a Deus é entender que Deus só pode
tirar o bem de tudo, inclusive do mal e que não somos donos de nossas vidas.
Tudo faz parte de um plano divino associado ao livre-arbítrio que nos faz
sócios administradores dessa empreitada e prova que é a vida dada por Deus.
A mansidão nos ajuda com o
próximo a medida que freia a cólera e melhora as relações ou pelo menos as
ameniza nos deixando isentos de perturbações interiores. Ajuda a si próprio
porque mantém a paz interior. Se erramos podemos nos compreender e usar da
experiência para melhorar. Não se trata de errar e ser misericordioso consigo
mesmo a ponto de minimizar ou esquecer seu erro. Não é isso. Na verdade estamos
falando justamente o contrário. Falamos de humildade para compreender o erro,
aceitar que pode errar e erra sempre e procurar melhorar após um sincero pedido
de perdão a Deus através de uma bem feita confissão. Não podemos ficar com
raiva por ter ficado com raiva, não podemos nos desrespeitar porque nos
desrespeitamos. Torna-se um círculo vicioso que dificilmente conseguiremos
sair.
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