terça-feira, 20 de agosto de 2013

A mansidão e suas partes.

A mansidão é associada à humildade, mas antes de ser uma virtude parece ser um conjunto, um complexo de virtudes. Trata-se de uma virtude tão querida por Deus que Ele mesmo quis ser associado a ela:

“Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas.” (São Mateus 11, 29)

A mansidão compreende três partes distintas e que se completam. Sobre elas vamos discorrer um pouco trilhando o caminho de apenas descobrir algo sobre o assunto e não de fazer um tratado definitivo.

Em primeiro lugar para ser manso requer-se um domínio de si para moderar a cólera, ou seja, está muito associado à temperança nesse ponto. Sendo manso em gestos, atitudes e palavras é possível controlar melhor essa cólera que pode levar a situações que beiram o pecado ou mesmo que são o próprio pecado. Essa constatação é lógica devido o falto de que para ser manso é preciso primeiramente se controlar para depois externar essa mansidão tentada.

Em segundo lugar, passamos a um outro estágio que foge ao particular. É preciso paciência para suportar os defeitos do outro. A virtude para isso é a fortaleza e suportar os defeitos do outro não se trata primeiramente de aceita-los, mas de conviver com eles até que o outro entenda ser esse um defeito que precisa ser reparado. São Paulo já nos fala isso:

“Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós.” (Colossenses 3, 13)

Nosso beato João Paulo II, em uma de seus várias homilias como Papa também nos falava sobre o assunto nesses mesmos termos:

“1. Hoje é o Bispo de Roma que vos visita, o Sucessor do Apóstolo Pedro, a quem Jesus disse: "Confirma os teus irmãos" (Lc 22,32). Venho, pois, para vos confirmar na fé, na caridade e na esperança.
Venho para vos confirmar na fé que vós já possuis, graças a uma evangelização que produziu os seus frutos. Falar-vos-ei desta evangelização para vos encorajar a continuá-la.
Venho para estimular a vossa caridade recípoca e para com todos, "a caridade que é o vínculo da perfeição". Recordo-vos, portanto, as palavras do Apóstolo Paulo: "Revesti-vos... de sentimentos de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão e longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente" (Col 3,12-13). Jesus não dissera já: "Amai os vossos inimigos... para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus" (Mt 5,44-45)?”
(Homilia de João Paulo II em Brazzaville, Congo, 5 de Maio de 1980)

Esse suportar os defeitos do outro pode trazer problemas quando não se usa o bom senso e a caridade para mostrar ao outro seu erro. Como bem sabemos existem várias formas de de mostrar ao outro seu defeito sem atacá-lo. Obviamente que há situações que só é possível ao outro realmente compreender e constatar seu erro quando não somos tão sutis assim, contudo não é a regra, muito menos a maioria dos casos. É preciso, antes de tudo, procurar encontrar esse ponto de equilíbrio. Nessa situação primeiro usamos o primeiro passo para controlar a nós mesmos, depois o suportar o outro para, aí sim encontrar um mecanismo de agir com caridade a ponto de mostrar ao outro seu erro de forma a fazê-lo entender e corrigir tal erro. A forma como isso acontecerá somente o trato diário e individual de cada um com essa pessoa que pode levar ao sucesso. Ninguém disse eu seria fácil! Não existe receita de bolo para isso.

Como já mencionamos, esse equilíbrio deve ser analisado caso a caso e é uma arte encontrar o ponto certo na balança. Muitas vezes os defeitos devem ser suportados por longo tempo ou até a vida toda. A mansidão precisa ser explorada para uma melhor convivência nesses casos, assim como para entender os limites da outra pessoa.

A grande vantagem é que, se todos exercitarem a mansidão, os defeitos se minimizarão. Obviamente que não estamos em um mar de ideologias e devemos saber que a maioria das pessoas não fará uso desse bem que é a mansidão, contudo, quanto mais estimularmos isso em nosso meio e convívio, quanto mais exercitarmos a mansidão em nossa alma, mais pacificado será o ambiente e mais repleto de compreensão pode ser a convivência naquele meio. Isso sem falar no caminho de santidade que essa virtude leva.

Em terceiro lugar, passamos ao outro passo. Primeiro tratamos de nós mesmos, depois tratamos de suportar o próximo, agora trataremos de perdoar as injúrias e difamações que acontecem conosco justamente porque pessoas próximas ou distantes de nós que não usam da mansidão para o convívio consigo mesmas e com os que lhe são alvo de comentários e tratamento direto.

É preciso aprender, nesse terceiro passo, a usar da benevolência para com todos. Perdoar é ato divino. Por nós mesmos não perdoaríamos ninguém, só o fazemos porque fomos criados a imagem e semelhança de Deus. Perdoar quem te ataca pessoalmente e até propositadamente e mesmo assim continuar um relacionamento interpessoal mesmo depois desse ataque não com falsidade, mas verdadeiro perdão é um grande passo para a mansidão. Curioso pensar que muitas vezes não perdoamos, mas sim esquecemos ou então não perdoamos, mas continuamos com o relacionamento por simples interesse seja lá da ordem que for. Quando esquecemos caímos em um verdadeiro redemoinho de sentimentos quando, por um motivo ou outro, lembramos daquele ataque e os sentimentos voltam e a prova do não-perdão ficam visíveis. Perdoar não é esquecer. Perdoar é aceitar o erro e não ocultá-lo. Perdoar é aceitar o erro, pecado ou mesmo defeito do outro e suportar para o bem próprio e do outro. É conviver com aquilo usando de total benevolência. Portanto, é uma prática da serenidade e da paz que exteriorizam nas palavras e gestos. Não há essa prática somente com os outros, mas também conosco e com objetos inanimados. Nesse último ponto podemos ter uma aparente mansidão para com o outro, mas excessos consigo mesmo e com animais ou objetos. Não se trata de mansidão, portanto. Se trata de falsidade, ocultação de cólera para ser despejada em outra coisa ou em si mesmo. Trata-se de uma válvula de escape. Cuidado!

A mansidão se encontra em almas de verdadeira inocência, cujo início é a infância. Uma criança é inocente porque perdoa sem reticências. Ela é mansa porque é honesta nesse perdão. A medida que crescemos adquirimos defeitos e temos que trabalhar e gastar muita energia para eliminar esses defeitos. Isso se chama penitência, coisa que poucos estão dispostos a fazer.

Essa doçura que encanta e aproxima  todos, é justamente a aniquilação do ser e o crescimento de Cristo em nós. Assim, concluímos que a mansidão é útil para chegarmos a paz da alma, paz com Deus e com o outro. Por esse motivo não admite contrapesos e ressentimentos, isso porque nos ajuda a aceitar mesmo os acontecimentos mais desagradáveis, uma vez que tudo acontece para o bem dos que amam a Deus.

“Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios.” (Rm, 8, 28)

Santa Catarina de Sena também nos lembra que Deus sempre encaminha para o bem:

“Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum outro fim.” (Santa Catarina de Sena, ll dialogo della Divina provvidenza, 138: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 441.)

E São Tomás Morus, pouco antes do seu martírio, consola a filha com estas palavras:

“Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na verdade, muito bom.”
(Margarita Roper, Epistola ad Aliciam Alington (Agosto 1534): The Correspondence of Sir Thomas More, ed. E. F. Rogers (Princeton 1947), p. 531-532. [Texto no Ofício de Leituras da memória de São Tomás Moro a 22 de Junho])

Chegar a plenitude dessa assertiva é entender boa parte do projeto divino que nos foi revelado. Entender que tudo caminha para o bem dos que amam a Deus é entender que Deus só pode tirar o bem de tudo, inclusive do mal e que não somos donos de nossas vidas. Tudo faz parte de um plano divino associado ao livre-arbítrio que nos faz sócios administradores dessa empreitada e prova que é a vida dada por Deus.


A mansidão nos ajuda com o próximo a medida que freia a cólera e melhora as relações ou pelo menos as ameniza nos deixando isentos de perturbações interiores. Ajuda a si próprio porque mantém a paz interior. Se erramos podemos nos compreender e usar da experiência para melhorar. Não se trata de errar e ser misericordioso consigo mesmo a ponto de minimizar ou esquecer seu erro. Não é isso. Na verdade estamos falando justamente o contrário. Falamos de humildade para compreender o erro, aceitar que pode errar e erra sempre e procurar melhorar após um sincero pedido de perdão a Deus através de uma bem feita confissão. Não podemos ficar com raiva por ter ficado com raiva, não podemos nos desrespeitar porque nos desrespeitamos. Torna-se um círculo vicioso que dificilmente conseguiremos sair.

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