O chamado neoconstitucionalismo emergiu como uma resposta ao formalismo exacerbado do positivismo jurídico (uma marca brasileira), ampliando a força normativa da Constituição e conferindo maior protagonismo aos princípios constitucionais. É como tentar desentortar um bambu, você precisa puxar ele para o lado o oposto passando da linha reta, ou seja, puxa para o outro extremo.
Essa evolução trouxe avanços significativos, especialmente na proteção dos direitos fundamentais e no fortalecimento da jurisdição constitucional que a Constituição de 1988 tanto prezou. No entanto, sua aplicação no Brasil revelou contradições e desafios que comprometem sua efetividade e tem gerado distorções no equilíbrio entre os poderes.
A Constituição de 1988 foi fortemente influenciada pelo neoconstitucionalismo desde o seu início. Ela estabeleceu um modelo normativo aberto e principiológico. Essa característica, embora amplie a adaptação da Constituição às transformações sociais, também resultou em um cenário de grande judicialização das relações políticas e sociais. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao assumir um papel central na interpretação constitucional, frequentemente atua como verdadeiro legislador positivo, extrapolando sua função tradicional de guardião da Constituição. Esse fenômeno, denominado ativismo judicial, é negado pelos membros do STF, mas sabemos ser verdadeiro e tem gerado críticas pela interferência do Judiciário em matérias típicas do Legislativo, comprometendo o princípio da separação dos poderes, o que desequilibra toda a estrutura de Estado.
O problema se agrava quando decisões alicerçadas em princípios constitucionais vagos passam a servir como fundamento para interpretações expansivas demais e, muitas vezes, contraditórias. O STF, por exemplo, tem adotado interpretações mutáveis de direitos e garantias, dependendo do contexto político e da composição da Corte. Essa volatilidade gera insegurança jurídica e enfraquece a previsibilidade do Direito, contrariando a ideia de estabilidade constitucional defendida por juristas clássicos como Paulo Brossard, que via a Constituição como um instrumento de limitação do poder político.
Além disso tudo, a ênfase excessiva que é dada para a ponderação entre princípios, característica do neoconstitucionalismo, acaba por relativizar normas fundamentais que não precisam de interpretação por serem literais. Esse tipo de entendimento é que causa discrepâncias que parecem, e muitas vezes são mesmo, muito contraditórias. Em muitas decisões, o STF utiliza o princípio da proporcionalidade para justificar interpretações que afastam a literalidade do texto constitucional, criando um direito “casuístico” e subjetivo, longe da realidade. Essa prática contrasta com o modelo de constitucionalismo clássico, no qual a Constituição deveria ser aplicada de forma mais objetiva e previsível.
Outro aspecto crítico do neoconstitucionalismo no Brasil é a sua relação com o fenômeno da "jurisdição constitucional expansiva". Nada mais é do que a ampliação do acesso ao controle de constitucionalidade – por meio de ações como a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) e a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) – transformou o STF em um árbitro permanente dos conflitos políticos e sociais. Não vamos nem citar a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão), que por si só já é teratológica. Em vez de atuar apenas como um órgão de defesa da Constituição, a Corte passou a protagonizar debates políticos, muitas vezes preenchendo lacunas deixadas pelo Legislativo.
Essa hiperjudicialização tem impactos diretos na democracia representativa. A soberania popular, expressa pelo voto e pela atividade legislativa, frequentemente é suprimida por decisões judiciais que reinterpretam o texto constitucional de maneira ampla e subjetiva. Só que isso não é feito por representantes eleitos, mas sim por ministros indicados que não tem nenhuma representatividade. A tensão entre STF e Congresso Nacional nos últimos anos evidencia esse conflito, com decisões da Corte contrariando deliberações do Legislativo em temas sensíveis, como direitos políticos, políticas públicas, interesse ou desinteresse dos congressistas em abordar determinados temas e até mesmo questões orçamentárias.
Diante desse cenário, uma reflexão sobre os limites do neoconstitucionalismo no Brasil se faz necessária e urgente. O equilíbrio entre a força normativa da Constituição e a estabilidade institucional exige que a interpretação constitucional observe critérios mais objetivos, respeitando a literalidade do texto e os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes. A atuação do STF deve ser moderada para evitar que o Judiciário se torne um superpoder sem freios e contrapesos adequados.
O neoconstitucionalismo trouxe avanços significativos, especialmente na valorização dos direitos fundamentais e na consolidação da força normativa da Constituição. No entanto, sua aplicação no Brasil revelou distorções que comprometem a segurança jurídica e a estabilidade democrática. Entender isso não se trata de posição política nem de ideologia. Trata-se de bom senso e honestidade intelectual. O desafio atual é resgatar o equilíbrio entre os poderes, garantindo que a Constituição seja interpretada de maneira coerente e previsível, sem comprometer a soberania popular e a legitimidade do processo democrático.
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