1) BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA.
Existem três teorias constitucionais que são mais aceitas:
A primeira delas é a Teoria Sociológica de Lassalle. Essa teoria defende que a Constituição real de um país não é o texto normativo, mas sim as forças sociais que detêm o poder.
A segunda e muito conhecida é a teoria Jurídica de Kelsen. Essa teoria enxerga a Constituição como uma norma pura, distinta dos aspectos políticos e sociais.
Por último temos a teoria Política de Schmitt que considera a Constituição como a decisão política fundamental de um povo.
Entendidas essas três teorias de firma bastante resumida como fizemos, podemos afirmar que, no Brasil, a teoria política de Carl Schmitt mesclou-se com a teoria jurídica de Hans Kelsen, enquanto que a teoria sociológica de Ferdinand Lassalle foi praticamente deixada de lado no funcionamento prático do sistema constitucional por aqui. No entanto, essa mescla não ocorreu de maneira harmônica, gerando um modelo de constitucionalismo que apresenta contradições e desafios na sua aplicação. Isso pra não dizer que temos um sistema paradoxal que cria situações indesejadas justamente por tentar unir duas teorias que, a princípio, parecem água e óleo.
2) Schmitt + Kelsen: O Poder Constituinte nas Mãos do STF
Carl Schmitt defendia que a Constituição não era apenas um conjunto de normas, mas sim a decisão política fundamental de um povo, refletindo os valores e a identidade da nação. Uma bela teoria, não é mesmo?
Para ele, em momentos de crise, a defesa da Constituição caberia a um poder decisório forte, e não necessariamente ao Poder Judiciário, mas ao soberano que tivesse o controle efetivo do poder (o que, em regimes que hoje chamamos de democráticos, poderia ser o Executivo).
Já Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, afastava a Constituição de elementos políticos e sociológicos, definindo-a como uma norma fundamental que estrutura juridicamente o Estado e serve de base para o ordenamento jurídico. Ele foi o grande responsável pela formulação do controle de constitucionalidade, colocando o Judiciário como o guardião da Constituição, como é aqui no Brasil.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por unir os dois modelos:
• Do ponto de vista schmittiano, o STF tem assumido cada vez mais um papel político ativo, sendo o protagonista na interpretação da Constituição e decidindo questões que muitas vezes deveriam caber ao Legislativo ou ao Executivo.
• Do ponto de vista kelseniano, o STF se consolidou como o órgão máximo do controle de constitucionalidade, exercendo o poder de invalidar leis e atos normativos que considera inconstitucionais, isso falando de qualquer outro Poder do Estado, no Brasil o Legislativo e o Executivo.
Não precisamos de muito aprofundamento para entender que dessa fusão resultou o ativismo judicial, fenômeno em que o nosso STF, mas não só aqui existe esse fenômeno, ultrapassa os limites da separação dos poderes e passa a atuar como um "legislador negativo" e, em alguns casos, até como "legislador positivo", criando normas e definindo políticas públicas sem respaldo direto no texto constitucional.
E a Teoria Sociológica de Lassalle?
A teoria sociológica de Lassalle sustenta que a Constituição real de um país não está no texto jurídico, mas sim na configuração das forças sociais que exercem o poder. Para ele, uma Constituição só tem validade se refletir essas forças, caso contrário, torna-se um mero "pedaço de papel".
No Brasil, essa teoria tem pouca aplicação prática, embora sem dúvida seja a mais ética. Mesmo que movimentos sociais e pressões políticas influenciem o debate constitucional, o texto da Constituição de 1988 é altamente normativo e tem sido interpretado de maneira mais jurisdicionalizada do que sociológica. Em outras palavras, não são as forças sociais que moldam diretamente o direito constitucional brasileiro, mas sim a interpretação do STF, que frequentemente desconsidera o contexto social e político ao tomar decisões baseadas em princípios vagos e mutáveis, politicamente influenciáveis e ideologicamente contaminados.
Isso explica por que muitas decisões do STF não correspondem necessariamente à vontade popular ou à configuração das forças políticas no Congresso Nacional. Quando mencionamos vontade popular estamos falando do conjunto ideário da nação e não coisas de caráter plebiscitário.
O fenômeno da judicialização da política, somado ao transconstitucionalismo seletivo, demonstra que, no Brasil, a Constituição não reflete integralmente a realidade social, mas sim as interpretações que o STF dá ao texto constitucional, político e histórico. Mudanças radicais podem acontecer a qualquer momento e não há problema nenhum. Esse é o pensamento vigente.
Conclusão: Um Modelo Paradoxal
O Brasil adotou um modelo de constitucionalismo que mescla Schmitt e Kelsen, mas ignora Lassalle. O STF tem exercido cada vez mais um poder político e jurídico centralizador, muitas vezes legislando ao invés de apenas interpretar a Constituição. Isso gera um paradoxo: ao mesmo tempo em que se fortalece como guardião da Constituição (Kelsen), o STF também se comporta como o verdadeiro soberano constitucional (Schmitt), selecionando quais princípios aplicar e moldando a Constituição conforme sua própria visão momentânea. O resultado é um sistema altamente jurisdicionalizado, no qual o Judiciário se tornou o principal definidor dos rumos políticos e sociais do país, muitas vezes sem levar em consideração a vontade popular e as forças políticas efetivas.
Essa discussão pode levar a questionamentos com: o Brasil ainda vive sob um regime democrático representativo ou já estamos sob um governo de juízes? Até que ponto o STF pode interpretar a Constituição sem comprometer a soberania popular? Isso nós permitirá refletir sobre o modelo de constitucionalismo brasileiro e seus desafios atuais.
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