Assim que saiu a decisão de
rebaixamento, não de extinção como dizem, do Ministério da Cultura, MinC para
os íntimos, e garantidor da Lei Rouanet para incompetentes e ideólogos para os
sórdidos, eu publiquei por essas redes sociais a seguinte afirmação: “Fim do
Ministério da Cultura (MinC)? Não. Foi só anexado ao da Educação. Não devia nem
ser anexado a nada. Devia ser extinta qualquer ideia ou tentativa de pautar a
cultura, quanto mais ter uma pasta exclusiva.” Fiquei até surpreso pela
quantidade de pessoas apoiando, mas um debate foi interessante, apesar de
incompleto porque normalmente esse pessoal corre quando os argumentos começam a
faltar, mas enfim, acho que foi válido até o ponto que chegou.
O que me assusta, sinceramente, é
a forma dogmática com que veem a política de esquerda. Veja bem que não estou
estigmatizando dogmatismo como algo ruim, mas colocando a palavra no contexto
ruim que ela merece quando associada à política. Para o pessoal da esquerda,
esquerdistas como é moda dizer, não existem argumentos a partir do momento em
que eles se voltam contra eles. O argumento só é válido quando favorável, do
contrário o válido é uma enxurrada de agressões desmedidas, acusações
unilaterais ou o abandono do debate. No meu caso tenho passado por todos esses.
Voltando ao debate sobre o MinC,
é inimaginável que uma pessoa com o mínimo de massa cinzenta não consiga
prestar a atenção e ligar um mais um. O problema é que para essas pessoas, se o
partido quiser que um mais um seja quatrocentos e vinte e dois vírgula sessenta
e cinco, vai ser, não importa como chegaremos a isso, mas estará certo.
O argumento é simples, rápido e
indolor: não há um só motivo para o Estado manipular a cultura. Cultura se
desenvolve sozinha. O Estado pautando só faz ideologizar um setor que pode ser
tornar extremamente manipulável conforme os interesses. Basta derrubar esse
argumento que me calo, só que ninguém consegue honestamente derrubar o
argumento. Pelo contrário, até concordam com ele e dizem que tem que ser assim
mesmo. Como debater assim?
Um ministério da Cultura, veja
que não estou falando de ministério da cultura do governo PT ou de qualquer que
seja, estou falando de forma geral, sempre estará ligado ideologicamente ao que
o dito governo pensa ou pretende.
Se sempre estará ligado
ideologicamente ao que o governo atual pensa ou pretende, como já concordamos,
acho que é muito sensato imaginar e até fazer a assertiva de que o Estado terá
sua própria definição do que é cultura, ou pelo menos sua orientação do que
deve e do que não deve ser visto, lido, assistido... pela população em geral.
Afinal, ao excluir alguns projetos e financiar outros, o interesse é o que
move.
Podem me argumentar, e já
argumentaram, que isso é estar no governo. Ele decide o que vai na cultura,
saúde, educação. O segredo é votar direito, ou melhor ainda, educar direito pra
formar cidadão que não tem preguiça de pensar em politica e fazer parte dela.
Esse argumento confunde governo
com Estado. Não é a mesma coisa. Governos trazem ideologias, o Estado é a
entidade que deve ser governada e que tem por fim os cidadão. Nunca se pode
esquecer esse fim. O socialismo sempre esquece. Por esse motivo o Estado deve
ser o menor possível, assim terá o mínimo de abrangência possível na vida das
pessoas e elas poderão decidir por si. Não há motivo para o Estado continuar
pautando tudo na sua vida. Cultura é uma das coisas que deve ser de escolha
pessoal e não do Estado. Acho que você tem plena condição de fazer essa
escolha.
Não é possível educar cidadãos se
você tem uma enorme concorrência com o Estado ao tentar educar seu filho. Você
educa em casa e a escola e a cultura escolhida para que ele veja o deseduca sob
o seu ponto de vista. Não há escolha.
Quando o Estado coloca a mão na
cultura ele escolhe o que é do seu interesse como já dissemos. Ao fazer isso
ele desmerece um sem número de coisas boas, mas que na verdade não interessa se
são boas sob o seu ponto de vista, mas sim se são boas para quem escolhe ter
acesso a elas. Eu posso gostar de determinada coisa e querer ter acesso a ela e
você não. Se a coisa merece ser vista por mais gente, e ter incentivo, que
tornem a tal arte algo realmente atrativo e artístico. Arte estigmatizada que
só atinge um pequeno grupo e o resto fica se achando intelectual por ficar olhando
sem entender nada, não faz sentido. Com o Estado fazendo da forma que quer, não
temos direito de escolha, mas de engolir o que ele nos coloca a disposição. E
não tem outra forma. Ou engole, ou engole, afinal é uma avalanche de propaganda
sob determinado tema até que seja impossível não ser abordado por aquilo que
não é da sua escolha. E isso não é viver em sociedade. Isso é viver em uma
sociedade dominada ideologicamente.
Como pensar se o modus operandi do pensamento está sob o
poder do Estado? Ou se pensa igual e produz o que o governo dominante do
momento quer ou se está fora do sistema e ninguém te ouve, vê ou sente.
Aí vem a pergunta novamente: como
o cineasta começando vai fazer seu primeiro curta? Ele que não entende de
cinema como os hollywoodianos de que forma o produto dele pode competir pra se
pagar? Bom, aí temos que ver a competência e capacidade de empreendedorismo,
mas também temos que perceber que no Brasil não dá pra fazer isso pontualmente
a não ser que você seja o melhor da sua área e realmente queria distancia da
pauta governista. Isso além de raro, certamente vai excluir muita gente boa no
início. É o preço que se paga. Vivemos em um sistema que sem o Estado nada é
possível. O Brasil está assim. O sonho de quase todos que se formam é serem
funcionários públicos. Um país que tem a maioria de suas melhores cabeças
pensantes no funcionalismo público e não no empreendedorismo, não tem como ir
para frente. O funcionalismo público tem que ser básico, para assuntos básicos
e não um cemitério de cérebros incríveis jogados fora em um latão de burocracia
e semi-vida produtiva.
Na Europa, por exemplo, existe
uma empresa responsável por gerir a cultura. Existem também a Rede
Iberoamericana de Las Artes. Elas pegam parte do dinheiro que toda a produção
cultural gera e usam isso pra fomentar quem está começando. E o faz com
parâmetros mercadológicos. É óbvio que não é o ideal, mas temos que começar por
algum lugar. Quem sabe esse seria um bom passo. Só de tirar das mão ideológicas
do Estado já é um bem. O melhor seria um começo com algumas dessas empresas que
garantissem as diversas formas de pensar que existem em uma sociedade livre. A
mais apta e com maior interesse prospera. Arte para meia dúzia de gatos
pingados morre como tudo nessa vida e assim caminhamos.
Esses dois sistemas foram
concebidos para ficarem mais distantes do Estado para que esse não o contamine
ideologicamente. Não creio que cheire a utopia por aqui. Mesmo que não dê certo
é preciso tentar sair desse poço que se tornou o patrocínio e a guia estatal da
cultura. Isso gera manipulação. Do outro lado, podemos ter um sistema que
surpreendentemente funcione ou mesmo uma adaptação que nos surpreenda. E mesmo
que nada disso aconteça e que nada dê certo, o que duvido, teremos a satisfação
de dizer que nos livramos, de um jeito ou de outro, da manipulação e do
cabresto ideológico do Estado.
Um ótimo ponto concreto a ser
colocado e que citei acima é a Lei Rouanet. Os agraciados por essa lei com
quantias significativas de dinheiro ou mesmo aqueles peixes pequenos que
recebem só os farelos, têm uma motivação especial para não atacarem abertamente
o governo vigente seja ele qual for. E isso vale até mesmo para quem não gosta
do governo. A partir do momento em que o indivíduo perceber que se ficar calado
terá uma vantagem financeira – e sim, quem não ataca o governo tem vantagem
nisso – a tendência ao silêncio e a conivência será muito maior.
Um Ministério da Cultura envolve
tudo isso e ainda trata a cultura como meio para atingir bens políticos. A mão
do Estado é pesada, precisa ser retirada de uma série de setores que
dogmaticamente parece que ninguém pode mexer. A cultura é um deles e é um
começo ,mas só o começo. Muitos outros setores precisar que o Estado tire sua
mão podre de cima para que possam se desenvolver.
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