quinta-feira, 19 de maio de 2016

Ministério da Cultura. Já vai tarde?

Assim que saiu a decisão de rebaixamento, não de extinção como dizem, do Ministério da Cultura, MinC para os íntimos, e garantidor da Lei Rouanet para incompetentes e ideólogos para os sórdidos, eu publiquei por essas redes sociais a seguinte afirmação: “Fim do Ministério da Cultura (MinC)? Não. Foi só anexado ao da Educação. Não devia nem ser anexado a nada. Devia ser extinta qualquer ideia ou tentativa de pautar a cultura, quanto mais ter uma pasta exclusiva.” Fiquei até surpreso pela quantidade de pessoas apoiando, mas um debate foi interessante, apesar de incompleto porque normalmente esse pessoal corre quando os argumentos começam a faltar, mas enfim, acho que foi válido até o ponto que chegou.

O que me assusta, sinceramente, é a forma dogmática com que veem a política de esquerda. Veja bem que não estou estigmatizando dogmatismo como algo ruim, mas colocando a palavra no contexto ruim que ela merece quando associada à política. Para o pessoal da esquerda, esquerdistas como é moda dizer, não existem argumentos a partir do momento em que eles se voltam contra eles. O argumento só é válido quando favorável, do contrário o válido é uma enxurrada de agressões desmedidas, acusações unilaterais ou o abandono do debate. No meu caso tenho passado por todos esses.

Voltando ao debate sobre o MinC, é inimaginável que uma pessoa com o mínimo de massa cinzenta não consiga prestar a atenção e ligar um mais um. O problema é que para essas pessoas, se o partido quiser que um mais um seja quatrocentos e vinte e dois vírgula sessenta e cinco, vai ser, não importa como chegaremos a isso, mas estará certo.

O argumento é simples, rápido e indolor: não há um só motivo para o Estado manipular a cultura. Cultura se desenvolve sozinha. O Estado pautando só faz ideologizar um setor que pode ser tornar extremamente manipulável conforme os interesses. Basta derrubar esse argumento que me calo, só que ninguém consegue honestamente derrubar o argumento. Pelo contrário, até concordam com ele e dizem que tem que ser assim mesmo. Como debater assim?

Um ministério da Cultura, veja que não estou falando de ministério da cultura do governo PT ou de qualquer que seja, estou falando de forma geral, sempre estará ligado ideologicamente ao que o dito governo pensa ou pretende.

Se sempre estará ligado ideologicamente ao que o governo atual pensa ou pretende, como já concordamos, acho que é muito sensato imaginar e até fazer a assertiva de que o Estado terá sua própria definição do que é cultura, ou pelo menos sua orientação do que deve e do que não deve ser visto, lido, assistido... pela população em geral. Afinal, ao excluir alguns projetos e financiar outros, o interesse é o que move.

Podem me argumentar, e já argumentaram, que isso é estar no governo. Ele decide o que vai na cultura, saúde, educação. O segredo é votar direito, ou melhor ainda, educar direito pra formar cidadão que não tem preguiça de pensar em politica e fazer parte dela.

Esse argumento confunde governo com Estado. Não é a mesma coisa. Governos trazem ideologias, o Estado é a entidade que deve ser governada e que tem por fim os cidadão. Nunca se pode esquecer esse fim. O socialismo sempre esquece. Por esse motivo o Estado deve ser o menor possível, assim terá o mínimo de abrangência possível na vida das pessoas e elas poderão decidir por si. Não há motivo para o Estado continuar pautando tudo na sua vida. Cultura é uma das coisas que deve ser de escolha pessoal e não do Estado. Acho que você tem plena condição de fazer essa escolha.

Não é possível educar cidadãos se você tem uma enorme concorrência com o Estado ao tentar educar seu filho. Você educa em casa e a escola e a cultura escolhida para que ele veja o deseduca sob o seu ponto de vista. Não há escolha.

Quando o Estado coloca a mão na cultura ele escolhe o que é do seu interesse como já dissemos. Ao fazer isso ele desmerece um sem número de coisas boas, mas que na verdade não interessa se são boas sob o seu ponto de vista, mas sim se são boas para quem escolhe ter acesso a elas. Eu posso gostar de determinada coisa e querer ter acesso a ela e você não. Se a coisa merece ser vista por mais gente, e ter incentivo, que tornem a tal arte algo realmente atrativo e artístico. Arte estigmatizada que só atinge um pequeno grupo e o resto fica se achando intelectual por ficar olhando sem entender nada, não faz sentido. Com o Estado fazendo da forma que quer, não temos direito de escolha, mas de engolir o que ele nos coloca a disposição. E não tem outra forma. Ou engole, ou engole, afinal é uma avalanche de propaganda sob determinado tema até que seja impossível não ser abordado por aquilo que não é da sua escolha. E isso não é viver em sociedade. Isso é viver em uma sociedade dominada ideologicamente.

Como pensar se o modus operandi do pensamento está sob o poder do Estado? Ou se pensa igual e produz o que o governo dominante do momento quer ou se está fora do sistema e ninguém te ouve, vê ou sente.

Aí vem a pergunta novamente: como o cineasta começando vai fazer seu primeiro curta? Ele que não entende de cinema como os hollywoodianos de que forma o produto dele pode competir pra se pagar? Bom, aí temos que ver a competência e capacidade de empreendedorismo, mas também temos que perceber que no Brasil não dá pra fazer isso pontualmente a não ser que você seja o melhor da sua área e realmente queria distancia da pauta governista. Isso além de raro, certamente vai excluir muita gente boa no início. É o preço que se paga. Vivemos em um sistema que sem o Estado nada é possível. O Brasil está assim. O sonho de quase todos que se formam é serem funcionários públicos. Um país que tem a maioria de suas melhores cabeças pensantes no funcionalismo público e não no empreendedorismo, não tem como ir para frente. O funcionalismo público tem que ser básico, para assuntos básicos e não um cemitério de cérebros incríveis jogados fora em um latão de burocracia e semi-vida produtiva.

Na Europa, por exemplo, existe uma empresa responsável por gerir a cultura. Existem também a Rede Iberoamericana de Las Artes. Elas pegam parte do dinheiro que toda a produção cultural gera e usam isso pra fomentar quem está começando. E o faz com parâmetros mercadológicos. É óbvio que não é o ideal, mas temos que começar por algum lugar. Quem sabe esse seria um bom passo. Só de tirar das mão ideológicas do Estado já é um bem. O melhor seria um começo com algumas dessas empresas que garantissem as diversas formas de pensar que existem em uma sociedade livre. A mais apta e com maior interesse prospera. Arte para meia dúzia de gatos pingados morre como tudo nessa vida e assim caminhamos.

Esses dois sistemas foram concebidos para ficarem mais distantes do Estado para que esse não o contamine ideologicamente. Não creio que cheire a utopia por aqui. Mesmo que não dê certo é preciso tentar sair desse poço que se tornou o patrocínio e a guia estatal da cultura. Isso gera manipulação. Do outro lado, podemos ter um sistema que surpreendentemente funcione ou mesmo uma adaptação que nos surpreenda. E mesmo que nada disso aconteça e que nada dê certo, o que duvido, teremos a satisfação de dizer que nos livramos, de um jeito ou de outro, da manipulação e do cabresto ideológico do Estado.

Um ótimo ponto concreto a ser colocado e que citei acima é a Lei Rouanet. Os agraciados por essa lei com quantias significativas de dinheiro ou mesmo aqueles peixes pequenos que recebem só os farelos, têm uma motivação especial para não atacarem abertamente o governo vigente seja ele qual for. E isso vale até mesmo para quem não gosta do governo. A partir do momento em que o indivíduo perceber que se ficar calado terá uma vantagem financeira – e sim, quem não ataca o governo tem vantagem nisso – a tendência ao silêncio e a conivência será muito maior.


Um Ministério da Cultura envolve tudo isso e ainda trata a cultura como meio para atingir bens políticos. A mão do Estado é pesada, precisa ser retirada de uma série de setores que dogmaticamente parece que ninguém pode mexer. A cultura é um deles e é um começo ,mas só o começo. Muitos outros setores precisar que o Estado tire sua mão podre de cima para que possam se desenvolver.

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