Esses dias tivemos mais um capítulo das pequenas frases do Papa Francisco que ficam no ar
sem explicação. Antes que alguém me acuse de qualquer coisa que seja, já que
uma afirmação dessa gera ataque de gente tradicionalista e de gente que defende
o Papa como já canonizado na Terra, então vou explicar. É muito óbvio que o
Papa Francisco, sendo latino-americano, não tem muita preocupação com
estabelecer conceitos antes de iniciar um debate, discussão ou mesmo
conversação sobre seja lá o tema que for. Muito diferente de Bento XVI que é
alemão e tem isso como premissa. Nós, por aqui nessa América Latina, falamos e
discutimos assuntos sem sequer termos noção do que o outro fala. Nós somos
assim! O Papa Francisco não deixou de ser emocional e latino-americano só
porque se tornou Papa. Os documentos dele são a maior prova de que parece que
está escrevendo para esse povo do hemisfério baixo e não para o mundo inteiro.
Não se trata, portanto, de uma crítica, é uma constatação.
Passado esse
momento de desculpas antecipadas, vamos ao que interessa: o
Papa Francisco disse em rápidas palavras, que a maioria dos casamentos são nulos. A questão agora é entender o que é que ele disse e por que. Vamos tentar iniciar o assunto porque ele é grande.
Papa Francisco disse em rápidas palavras, que a maioria dos casamentos são nulos. A questão agora é entender o que é que ele disse e por que. Vamos tentar iniciar o assunto porque ele é grande.
Vou dizer desde
já que concordo com o Papa e vou tentar explicitar o porque.
Primeiramente é
bom saber os motivos pelos quais um sacramento matrimonial pode ser declarado
nulo e saber também que nunca poderá ser anulado. Anular é fazer perder a
validade algo que aconteceu ou existiu. Declarar nulo é declarar que algo nunca
existiu, embora as aparências digam o contrário. Passada essa rápida
explicação, vamos ao motivo principal pelo qual entendo que boa parte dos
casamentos são nulos e parece que estou bem acompanhado pelo Papa Francisco.
Um dos motivos
pelos quais um sacramento matrimonial pode ser declarado nulo é o vício de
consentimento que se encontra no cânon 1.099 e que pode ser conceituado mais ou
menos como: erro determinante acerca da unidade, da indissolubilidade ou da
dignidade sacramental do matrimônio (error
determinans).
Vejamos o que o
cânon 1.099 nos diz:
Cân.
1099 — O erro sobre a unidade, a indissolubilidade ou a dignidade sacramental
do matrimônio, contanto que não determine a vontade, não vicia o consentimento
matrimonial.
Não vou aqui me
ater a conceituar unidade, indissolubilidade e dignidade sacramental. Tais conceitos
são fáceis de ser encontrados e só faria com que esse texto ficasse extenso demais
sem necessidade. Vamos direito ao que interesse que é esse entre-vírgulas “contanto
que não determine a vontade”. Essa pequena frase no meio do cânon faz um adendo
importante, ou seja, esses erros não viciam o consentimento matrimonial exceto
se determinarem a vontade.
Determinar a
vontade não é difícil de entender. Significa basicamente que a decisão poderia
ser outra caso a pessoa entendesse realmente o que quer dizer essa unidade,
indissolubilidade e dignidade sacramental.
Veja bem que
não estou dizendo que todo casamento precisa acontecer em um grau máximo de
santidade ou de conhecimento da fé. Não quero dizer que o casamento só é válido
para quem tem total entendimento, tal qual se espera de um teólogo ou um
profundo estudioso do tema. Não é nada disso, uma vez que dizer algo nesses termos seria
afirmar que o sacramento matrimonial seria algo para alguns iluminados. Uma
elite que teve acesso a esses conhecimentos. Isso seria quase afirmar que o
casamento válido é gnose. Não deturpe o argumento com esse tipo de ligação.
O que eu
entendo é justamente que a indissolubilidade e principalmente a dignidade
sacramental determinam a vontade e por esse motivo a maioria é inválido. Não
significa que no decurso da união ela não possa ser validada por mudança no sentir, pensar,
agir e entender (cânon 1159 §1°), mas que no momento do sacramento a maioria
não entende o "sim" e suas consequências e se entendesse possivelmente não se
casariam, isso é inegável e pode ser verificado especialmente quando se
entrevista alguém disposto a propor a ação de declaração de nulidade. A verdade
é que as pessoas não tem a mínima noção do que vem a ser indissolubilidade e
abertura à vida (filhos). Acredito que se tivessem esse entendimento, mesmo que
raso dos conceitos e das consequências, pensariam muito mais sobre casar ou
não.
Existem os que
argumentam que as pessoas casam levianamente, mas casam ainda assim e que para
não ter "a mínima noção" do que significa o Matrimônio (a ponto de viciar
a vontade) a pessoa precisaria ser deficiente mental, ou viver nalguma tribo
apartada da civilização, ou coisa assim. Que aqui no Ocidente todo mundo sabe o
que é uma família e o que são filhos em grau suficiente para conseguir casar.
A questão é que
não compreendo assim e parece que muita
gente também
não. O vício no consentimento acontece justamente no ponto em que as pessoas não conseguem captar o conceito e as consequências no âmbito espiritual de toda a coisa. Pra eles é mais uma lei como outra qualquer. Ir contra a indissolubilidade, por exemplo, pra muitos, é como atravessar a rua fora da faixa. É um erro, mas sem maiores consequências se você tiver cuidado e olhar para os dois lados antes.
não. O vício no consentimento acontece justamente no ponto em que as pessoas não conseguem captar o conceito e as consequências no âmbito espiritual de toda a coisa. Pra eles é mais uma lei como outra qualquer. Ir contra a indissolubilidade, por exemplo, pra muitos, é como atravessar a rua fora da faixa. É um erro, mas sem maiores consequências se você tiver cuidado e olhar para os dois lados antes.
Quando se pede alguma
compreensão espiritual, não quer dizer que estamos querendo compreensões
refinadas a respeito do vínculo matrimonial como condição para o casamento.
Isso, como já dissemos, seria colocar o sacramento para além do alcance dos
homens normais, com a consequente transformação da Igreja em uma seita
esotérica a cujos sacramentos só os elevados têm acesso, ou seja, uma gnose
perfeita.
Tudo se trata
de que as pessoas não conseguem captar o conceito e as consequências no âmbito
espiritual. Não exijo, já que a Igreja não exige, uma compreensão refinada,
apenas uma compreensão mínima de que pelo menos existe algo de sobrenatural no
sacramento recebido. Aliás, só de saberem o que é um sacramento já estava bom.
Não sabem! Não sabem o que a Igreja pretende que saibam. É isso que o Papa
Francisco expressou e não é a primeira vez que um Papa se expressa nesse
assunto com esse tipo de opinião. As pessoas tem um conceito histórico de
família, indissolubilidade, casamento, sacramento? Pode ser. Um conceito
sociológico, também pode ser. Mas não entendem sacramentalmente o sacramento que
recebem. Acaba por ser uma aparência de sacramento quando o recebem. É como o
pagão que comunga. Cristo está ali, mas não para ele que não recebeu o
sacramento de iniciação para a recepção daquele sacramento.
Alguém poderia,
ainda, argumentar que católicos-não-praticantes poderiam não saber de todas
essas coisas e mesmo assim ser válido. O católico chamado não-praticante simplesmente
não pode entender nada disso pelo simples fato de que não é católico, porque
não existe católico-não-praticante.
Mais uma vez
repito: não se trata de um grupo elitista de iluminados, se trata de casar
sabendo o que é um sacramento e suas consequências minimamente e não casar para
tirar foto e dar satisfação à sociedade.
Enfim, não estou
propondo nulidades a rodo e nem o Papa Francisco o faria, até porque entendo
que boa parte delas são convalidadas no âmbito do matrimônio (cânon 1159 §1°).
A questão é sensível e é bom que se entenda que em um processo de declaração de
nulidade matrimonial cada caso é visto separadamente e não em bloco. A análise
é individual, caso a caso. Por isso é questão meramente opinativa até entre os
Papas, lembrando que São João Paulo II já tinha opinião diferente do Papa
Francisco. Aí sim, em questões opinativas estamos livres para analisar e
podemos constatar que temos algumas pessoas superiores no entendimento a outras
por questões de vida e experiência, ou seja, por questões meramente humanas e
que isso pode mudar todo um julgamento.
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