Lembro-me de um dia, em 2020, quando saí para a rua e me vi atravessando-a apenas para evitar cruzar com um vizinho. Nem era muito o meu hábito, apesar de toda a loucura que vivíamos. O vizinho me viu, eu o vi, e a vergonha silenciosa daquele passo para o lado foi mais pesada que o ar em meus pulmões. Naquele instante, não éramos dois seres humanos, mas sim duas bolhas ambulantes, cada uma protegendo-se da suposta ameaça da outra. Foi ali que percebi: a ficção de Isaac Asimov havia se tornado realidade.
Em "Cavernas de Aço", o mestre da ficção científica nos apresenta a um futuro da Terra onde a humanidade, superpopulosa, vive confinada em gigantescas cidades subterrâneas, as "Cavernas de Aço". Lá dentro, o ar é artificial, a comida é sintética e o contato humano é rigidamente controlado. Os terráqueos, vítimas de uma agorafobia coletiva, temem o espaço aberto, o sol e, sobretudo, os "Spacers" — os humanos que, livres e robustos, colonizaram as estrelas. A sociedade se fechou em si mesma, não apenas fisicamente, mas mentalmente, enxergando no "outro" (seja ele um Spacer ou um robô) a personificação de um medo.
Essa era uma realidade distante, de um livro de 1954, mas se tornou estranhamente familiar durante a pandemia da COVID-19.
A "sanha higienista" que se instalou, e ainda vive na cabeça de muitos, não foi apenas uma resposta sanitária, mas um reflexo da nossa própria agorafobia social. Nossas casas se transformaram em bunkers particulares, os escritórios em fortalezas virtuais. O contato físico, antes um gesto natural de afeto, se tornou um ato de risco. O aperto de mão, um abraço, um simples esbarrão — tudo isso passou a ser evitado como se fosse um veneno.
Nós nos fechamos em nossas próprias "cavernas de aço". O inimigo não era o sol ou a vastidão do espaço, mas um vírus invisível, e o "outro" — o vizinho, o colega, o estranho no supermercado — era o seu portador em potencial. Criamos protocolos rígidos de comportamento social, não apenas por segurança, mas por um medo crescente do contato, uma desconfiança generalizada que ecoava a aversão dos terráqueos aos Spacers.
Asimov, com sua genialidade, nos mostrou que o confinamento físico gera um confinamento mental, uma aversão ao que está fora de nossa bolha de controle. A pandemia não nos aprisionou em cidades de metal, mas nos impôs uma clausura social e emocional. Olhávamos o mundo através de janelas, de telas de computador, e a vida que acontecia lá fora parecia cada vez mais estranha e perigosa. Descobrimos que morremos, que não somos imortais.
A crônica de Asimov, assim como a nossa, é um lembrete de que a verdadeira liberdade não está na fuga ou no isolamento, mas na coragem de enfrentar o mundo, de abrir as portas e de reencontrar o outro, não como uma ameaça, mas como um companheiro de jornada. As "cavernas de aço" não são feitas apenas de concreto e metal, mas de medo e desconfiança. E só nós temos o poder de sair delas.
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