terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Cuba: com a ausência do Sagrado, o silêncio falava de Deus.


Entrevista com o cardeal de Cuba, Jaime Ortega

ROMA, sábado, 17 de dezembro 2011 (ZENIT.org) - O Cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino estava nas primeiras filas da basílica de São Pedro quando Bento XVI confirmou a sua segunda visita à América Latina, especialmente no México e no seu país, Cuba.

A pérola do Caribe, como normalmente é chamada, está agora no centro das atenções na mídia, nos comentários dos sociólogos, dos cientistas políticos e de todo tipo de especialistas que gostariam de prever o amanhã, ou ainda melhor, o depois de amanhã.

Quem melhor, então, que o Cardeal de Cuba, para compreender o que significará esta visita de Bento XVI?

Em uma entrevista concedida ao Zenit, o Cardeal Ortega Alamino revelou coisas surpreendentes, como o fervor e a participação na peregrinação da estátua da Virgem da Caridade, que está produzindo uma primavera da fé, um espírito de piedade católica, uma grande liberdade interior de sentimentos religiosos do povo.

Após um longo silêncio sobre Deus, vemos esses fenômenos surpreendentes.

"Uma peregrinação - disse ele - que se transforma num paradigma da nova evangelização. Embora existam outras maneiras de abordar o problema, a necessidade existente é aquela de livrar da secularização, que inibe as pessoas da relação com o sagrado."

E também salientou que o que as pessoas mais querem desta visita é a bênção do Papa, que traz aquela paz espiritual, aquele sentir-se nas mãos de Deus como uma extensão do que viram e ouviram na peregrinação à "Virgen de la Caridad" .

Estamos perto do Natal e em Cuba não se celebrava. Algo mudou depois da visita de João Paulo II?
Cardeal Ortega: Sim, muitas coisas mudaram depois da visita de João Paulo II. Por exemplo, agora o Natal é festejado e é um dia festivo. Além do mais foi permitida a entrada dos missionários, sejam eles civis ou religiosos, e tem havido uma verdadeira renovação da vida e das comunidades católicas. Na vida da Igreja em Cuba é notável que há um antes e um depois de João Paulo II.

De quem veio o convite para o Papa Bento XVI?
Cardeal Ortega: O convite para o Papa foi feito no início de seu pontificado e reafirmado pelo presidente Raúl Castro no mesmo dia em que ele assumiu a presidência do Comitê da nação. Naquele momento, o cardeal Tarcisio Bertone visitou a Havana.

Os seminários, as vocações, qual é a situação?
Cardeal Ortega: Após a visita do Papa, as vocações aumentaram, especialmente aquelas ao sacerdócio. Hoje somos cerca de 360 ​​enquanto na época éramos 200. Até mesmo a vida da Igreja tem crescido. A participação no culto em Cuba não era um problema, mas faltava a liberdade nas expressões e nas manifestações públicas da fé.

As pessoas apreciam as manifestações religiosas públicas?
Cardeal Ortega: Agora a peregrinação de Nossa Senhora da Caridade é comum. Acho que é um paradigma de como deve ser a nova evangelização, porque está gerando um verdadeiro percurso missionário público, com milhares de pessoas que se reúnem nos campos e nas cidades. O ponto culminante desta peregrinação terá lugar em Cuba.

É incrível o número de pessoas envolvidas e a profunda participação de fé. Na passagem de Nossa Senhora pelas ruas, os homens se ajoelham no asfalto, as pessoas pegam os celulares para fotografar a estátua de Nossa Senhora e fazem o sinal da cruz, aplaudem espontaneamente, e se escutam gritos de alegria. Há um verdadeiro espírito de piedade católica, e no coração dos cubanos se está experimentando uma grande libertação desses sentimentos.

Podemos, portanto, dizer que a fé está crescendo?
Cardeal Ortega: Há alguns dias, um jornalista perguntou se tem havido um crescimento na fé dos cubanos, dado que os atletas agradecem a Deus quando vencem uma corrida, ou fazem o sinal da cruz antes de um evento esportivo. Realmente não é que a fé tenha crescido, mas se manifesta, e talvez nisso é justo dizer que há uma expansão da liberdade religiosa. Podem-se fazer manifestações que em outro momento eram consideradas como impróprias para a época na qual se vivia.

Vocês estão prestes a comemorar o ano do jubileu da Virgem da Caridade?
Cardeal Ortega: Os bispos estão anunciando o Ano Jubilar, de fato em 2012 faremos 400 anos desde que foi encontrada a imagem da Virgem da Caridade, no norte de Cuba. Nós dissemos numa carta nossa que se está registrando uma primavera da fé. Primavera é a palavra certa, porque há um desabrochar de flores ao final do inverno. Estão abrindo-se os brotos, e o broto é fruto de algo que foi semeado.

Há uma preocupação sobre os possíveis efeitos do consumismo?
Cardeal Ortega: já existe um certo consumismo em Cuba. É impossível que no mundo de hoje as pessoas não imitem os comportamentos da sociedade global na qual vivemos. Me impressiono quando vejo que nas estradas quando passa Nossa Senhora as pessoas a podem fotografar com o celular ou com uma boa máquina fotográfica. 

Há o consumismo na medida em que melhora a situação econômica e para aqueles que recebem ajudas econômicas dos Estados Unidos. Certamente não se trata do consumismo desenfreado dos países ricos. A tendência existe e é sempre um risco. No futuro isso poderia reduzir os valores sociais que existem em Cuba. Às vezes, viver no aperto econômico gera valores como a solidariedade, a atenção do outro, a preocupação das coisas comuns.

Creio que existe nisso uma inevitabilidade que, no entanto, pode mitigar os seus efeitos negativos com uma prática mais ativa da fé e dos valores e das virtudes cristãs.

Portanto, a Igreja não está comprometida a planejar a situação futura de Cuba?
Cardeal Ortega: Não está nas nossas intenções fazer projeções sobre o futuro. O Papa pede uma nova evangelização. Em Aparecida disse: Temos de começar esta nova evangelização com uma grande visão continental. Nós começamos há 15 meses atrás, e estamos no meio da parte mais dinâmica do percurso, com o objetivo de unir e concentrar a população de Cuba no 30 de dezembro.

O que as pessoas esperam da viagem de Bento XVI?
Cardeal Ortega: As pessoas têm experimentado a visita de João Paulo II como uma espécie de grande bênção para todo o povo, e para cada um. Uma vez João Paulo II no Perú, disse: “Acho que na América Latina há um oitavo sacramento, a bênção." Nós o temos experimentado incrívelmente, cansa-se o braço de tanto abençoar, são milhares de pessoas.

Quando o Papa dá sua bênção ao povo, comunica a paz espiritual, faz com que as pessoas se sintam nas mãos de Deus, e é isso que as pessoas desejam. O que vocês querem que Nossa Senhora lhes traga? "A paz", respondem.

Então, desejam a bênção do Papa?
Cardeal Ortega: As pessoas esperam que a presença do Papa seja como uma continuação sobrenatural da visita de Nossa Senhora. O Papa representa um enviado de Deus. A fé das pessoas muitas vezes nos surpreendem, as pessoas esperam ser levadas ao Sagrado, de ver espaços que tendem ao infinito e ao eterno, querem livrar-se das preocupações da vida  cotidiana.

Qual é a relação que vocês tem com os ateus e com as pessoas ideologizadas?
Cardeal Ortega: Acho maravilhosa a indicação do pontífice sobre o "pátio dos gentios". O Papa Bento XVI disse "É preferível alguém que busca a Deus com seriedade do que aqueles que afirmam que Deus existe, mas que vivem de modo indiferente e frio como se Deus não existisse”.

(Tradução Thácio Siqueira)

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