Por Inma Álvarez
BUENOS AIRES, terça-feira, 3 de novembro de 2009 (ZENIT.org).- A liberdade religiosa retrocede no mundo, especialmente no Ocidente, segundo o presbítero Pedro María Reyes Vizcaíno, autor de e-libertadreligiosa.net, um site que recolhe notícias e reflexões do mundo inteiro sobre esta questão.
Reyes Vizcaíno é licenciado
Além de sua atividade como canonista, ele se dedica a pesquisar sobre a liberdade religiosa “por interesse pessoal”, um campo que, em sua opinião, requer maior atenção por parte da opinião pública. Assim explica ele nesta entrevista concedida à Zenit.
-Em termos gerais, você diria que a liberdade religiosa está retrocedendo no mundo? Que fatores estariam levando a isso?
Pedro Reyes: Parece claro que nas últimas décadas estamos assistindo a um retrocesso da liberdade religiosa no mundo. Como exemplo, estão as perseguições contra os cristãos, que às vezes são violentíssimas, com mortes e expulsões de territórios.
O século XX foi chamado de século dos mártires. Por ocasião do grande jubileu do ano
Desde 2000, não parece que as perseguições diminuíram. Em outubro de
No entanto, existem outros atentados à liberdade religiosa, mais solapados, ainda que não sejam violentos, e ocorrem na Europa Ocidental. Nesta região do mundo, está sendo difundida uma doutrina laicista radical que pretende desterrar a fé cristã – ou qualquer outra crença religiosa – da vida pública. Em nome do laicismo, tenta-se proibir qualquer manifestação pública da fé. Expulsam-se os crucifixos de lugares públicos, proíbem-se celebrações religiosas nas ruas, ou o que é pior: censura-se a opinião dos bispos com o único argumento de que é um bispo.
Chegou-se a limites que parecem ridículos, como a denúncia na FIFA contra a seleção brasileira, em julho deste ano, porque, depois de ganhar o troféu, os jogadores fizeram uma oração de ação de graças a Deus. Ou a tentativa, na Catalunha, de trocar o nome das férias de Natal ou de Semana Santa por férias de inverno ou outono, neste curso acadêmico.
-Após a queda do Muro de Berlim e a liberdade recobrada nos países do Leste, especialmente a liberdade religiosa, parecia que o sistema de liberdades do Ocidente estava se consolidando. Não é assim?
Pedro Reyes: Efetivamente, em 1989, o mundo inteiro – e a Europa em particular – parecia acordar de um pesadelo e amanhecia para uma nova era de liberdade e de paz. Tive a sorte de morar em Roma naquele ano e lembro com emoção da passagem de Gorbatchov pela Via della Conciliazione rumo ao Vaticano, para ter uma entrevista com João Paulo II pela primeira vez. Lá estávamos nós, centenas de pessoas, leigos, sacerdotes, frades e freiras aplaudindo o líder da União Soviética como um libertador. Quem teria pensado nisso um ou dois anos antes?
O que ocorreu na Europa Oriental é um exemplo de que nem tudo foi negativo nas últimas décadas. Naqueles países havia milhões de cristãos que viviam na Igreja das catacumbas e agora podem praticar sua fé à luz do dia. Mas ainda há um desafio pela frente, que consiste em conjugar a liberdade religiosa com o desenvolvimento completo da pessoa, sem cair, por exemplo, no laicismo, como está acontecendo nos demais países da cultura ocidental.
-De onde surge politicamente o laicismo atual? O que ele pretende? Por que uma das suas exigências fundamentais, em todos os lugares onde triunfa, são os chamados “direitos sexuais e reprodutivos”?
Pedro Reyes: O laicismo positivo realmente tem raízes cristãs. Em uma época tão antiga, como no ano de 494, o Papa Gelásio I dizia na carta ao imperador Atanásio I que existem “dois poderes pelos quais este mundo é particularmente governado: a sagrada autoridade dos papas e o poder real”. E lhe recordava que, assim como o imperador deve obedecer os sacerdotes em questões espirituais, “em assuntos que se referem à administração da disciplina pública, os bispos da Igreja, sabendo que o império lhe foi outorgado pela disposição divina, obedecem as suas leis, para que não pareça que há opiniões contrárias em questões puramente materiais”.
Outro assunto é a origem do laicismo radical que agora se estende pelo mundo. Suas raízes devem se encontrar na Ilustração e na Revolução francesa, que considerou o catolicismo como um inimigo e pretendeu reorganizar a Igreja Católica e inclusive exigiu dos sacerdotes um juramento de fidelidade à nova organização.
Desde então, de uma forma ou de outra, os poderes públicos tiveram muitas vezes a tentação de intervir nos assuntos da Igreja Católica. Parece que um dos grandes desejos dos laicistas radicais é dizer à Igreja o que se deve pregar nos sermões, como se as homilias ou as doutrinas religiosas devessem ser aprovadas antes nos parlamentos. É interessante que aqueles que se escandalizam por um bispo que critica uma lei o fazem em nome da plena autonomia do Estado e da Igreja. Não suportam que uma confissão considere certas condutas como pecado.
A insistência nos chamados direitos reprodutivos e sexuais procede das correntes que saíram à luz na revolução de maio de 1968, o Maio Francês. Desde então, pretende-se introduzir estes conceitos no tráfico jurídico. Para esse momento, estava completo o quadro de declarações internacionais de direitos humanos, com a Declaração Universal aprovada pelas Nações Unidas em 1948. Os promotores destes supostos direitos estão tentando redefinir o conteúdo dos direitos humanos de acordo com seu preconceito.
Do ponto de vista da liberdade religiosa, parece claro que é uma falácia que se tente limitar a liberdade dos crentes de expressar suas convicções em assuntos de moral (que é um direito reconhecido pelo artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e por todos os tratados internacionais na matéria) para tutelar um direito que nem sequer está reconhecido.
-Que peso teve na Igreja o decreto conciliar da liberdade religiosa? Será que ele preparou a Igreja para os tempos atuais?
Pedro Reyes: Acho que a melhor resposta foi a dada por Joseph Ratzinger em 1965. Naquele ano, ele afirmou: “Tempos virão em que o debate sobre a liberdade religiosa será contado entre os acontecimentos mais relevantes do Concílio (...). Neste debate, estava presente na basílica de São Pedro o que chamamos de o fim da Idade Média, e mais ainda, da era constantiniana. Poucas coisas dos últimos 150 anos inferiram à Igreja tão ingente dano como a persistência em posições próprias de uma Igreja estatal, deixada atrás pelo curso da história” (Joseph Ratzinger, Resultados e perspectivas na Igreja conciliar, Buenos Aires 1965).
Ainda não há perspectiva histórica para advertir a importância do decreto Dignitatis humanae sobre a liberdade religiosa. Mas desejamos que tenha tanta transcendência como se augura. Se as expectativas forem cumpridas, poderemos dizer que com este decreto se inaugurou uma nova etapa nas relações entre a Igreja e o Estado, baseadas no respeito mútuo e na autonomia de ambas as realidades.
Penso que a Dignitatis Humanae contém, na verdade, um desafio para os católicos. De fato, este documento conciliar, além de declarar a imunidade de coação em matéria de liberdade religiosa, também proclama a obrigatoriedade de cada homem de seguir os ditados da sua consciência.
Desde o momento em que os cristãos têm o dever de transformar as estruturas da sociedade de forma cristã – tarefa peculiar dos fiéis leigos –, estaria fora de lugar delegar esta tarefa a uma instituição política, seja o Estado ou qualquer outra. Os Estados devem respeitar a lei natural, mas são os fiéis cristãos que devem conseguir que a sociedade seja cada dia mais cristã.
-Quais são as agressões mais frequentes à liberdade religiosa?
Pedro Reyes: Em um primeiro momento, devem ser citados os atentados violentos à liberdade religiosa. Nos países de tradição muçulmana, a liberdade religiosa está ausente
Em quase todos os demais países muçulmanos, por pressão de grupos islâmicos radicais, estão sendo aprovadas leis muito restritivas da liberdade religiosa. No Paquistão, existem leis antiblasfêmia que deixam os cristãos indefesos diante de qualquer acusação; na Argélia e no Egito, existem leis anticonversão; no Iraque, estão sendo expulsos do país; em Marrocos, expulsaram um grupo de cristãos evangélicos pelo delito de “proselitismo religioso” etc.
Na Índia, os não-hindus cada vez têm mais dificuldade de desenvolver-se. Vários Estados aprovaram leis anticonversão e – o que é mais grave –, no verão de 2008, grupos hindus radicais lançaram uma violenta perseguição contra os cristãos no Estado de Orissa, que deixou mais de 500 mortos, segundo algumas fontes. É chamativo que estes fatos quase não sejam divulgados na mídia ocidental.
Na China, existe atualmente uma Igreja das catacumbas, que é a Igreja Católica fiel a Roma, que não aceita os bispos impostos pelo regime. Além disso, é conhecido que nesse país os budistas do Tibet têm a liberdade de culto muito restrita.
Há outro âmbito em que se assistiu a um retrocesso na liberdade religiosa e é nos países ocidentais. Como já foi indicado, neles está se difundindo certa mentalidade laicista que é contrária à liberdade religiosa.
Não me refiro ao laicismo sadio que propugna a separação da Igreja e do Estado sem mútuas ingerências e com relação às suas respectivas funções na sociedade, o que me parece elogiável. Como disse Bento XVI, “é fundamental, por um lado, insistir sobre a distinção entre o âmbito político e o religioso, para tutelar quer a liberdade religiosa dos cidadãos quer a responsabilidade do Estado em relação a eles, e, por outro, conscientizar-se mais claramente da função insubstituível da religião na formação das consciências e da contribuição que a mesma pode dar, juntamente com outras instâncias, para a criação de um consenso ético fundamental na sociedade” (Bento XVI, Discurso diante das autoridades do Estado no Palácio Eliseu em Paris, 14 de setembro de 2008).
O laicismo radical, que é contrário à liberdade religiosa, pretende reduzir a fé religiosa ao âmbito privado, como se a fé não tivesse manifestações externas. Nos países ocidentais, vemos exemplos desse laicismo todos os dias; por exemplo, quando se critica os bispos porque dão orientações aos católicos sobre leis do aborto ou de casamentos homossexuais (como se houvesse leis que proibissem os bispos, e somente eles, de opinar sobre as leis), ou quando se pede aos cidadãos ou aos deputados que votem com independência de suas crenças.
Segundo o Papa, “não se pode limitar a plena garantia da liberdade religiosa ao livre exercício do culto, mas é preciso levar em consideração a dimensão pública da religião e, portanto, a possibilidade de que os crentes contribuam para a construção da ordem social” (Bento XVI, Discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, 18 de abril de 2008).
-Falando concretamente sobre a nova lei de liberdade religiosa na Espanha, que os católicos olham em geral com receio, em que vai mudar as coisas?
Pedro Reyes: Realmente, é difícil julgar a intenção do governo ao anunciar esta nova lei, pois ele o fez há mais de um ano e ainda não se conhece o projeto. Unicamente conhecemos certas declarações vagas da vice-presidente do governo, María Teresa Fernández de la Vega, afirmando que garantirá melhor o exercício deste direito ou que promoverá a sã laicidade do Estado. Estas declarações são o suficientemente ambíguas como para que não seja possível emitir um juízo.
Só revelou um ponto concreto, e é que a nova lei pretende retirar todos os símbolos religiosos que existam nos colégios e institutos públicos, com exceção daqueles que tenham valor histórico ou artístico. Considero esta medida uma discriminação contra os cristãos, mas não é uma grande mudança. Suponho que o projeto de lei que o governo está preparando terá reformas mais importantes.
A reforma prevista da Lei Orgânica de Liberdade Religiosa de 1980 deverá ter em conta em todo caso a Constituição Espanhola de 1978, que em seu artigo 16 “garante a liberdade ideológica, religiosa e de culto dos indivíduos e das comunidades sem mais limitação, em suas manifestações” e ordena aos poderes públicos ter em conta as crenças religiosas da sociedade espanhola e manter as conseguintes relações de cooperação com a Igreja Católica e as demais confissões.
Se o Governo, com a nova lei, realmente pretendesse desenvolver a Constituição de acordo com as exigências atuais e à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promoveria o laicismo sadio e limitaria o laicismo radical. Desejo que seja assim, mas teremos de esperar a que se apresente o projeto para emitir uma opinião.
-Parece que na América Latina avança um laicismo cada vez mais agressivo, especialmente na Venezuela, Colômbia... Quais as causas?
Pedro Reyes: Na América Latina se desenvolvem tendências intelectuais procedentes de outros continentes, sobretudo da Europa Ocidental. Em termos gerais, o laicismo da América Latina pretende expulsar a Igreja Católica do âmbito público, como no resto do mundo. No entanto, em cada país tem seus matizes, consequência da peculiar história de cada nação. Não é o mesmo laicismo do Uruguai –que funde raízes na fundação da República– o da Costa Rica, que proclama a religião católica como oficial no artigo 75 da Constituição.
O laicismo da América Latina também tem fontes próprias derivadas do indigenismo. Cada vez se aprecia mais o legado cultural dos povos originários da América, e por isso se tende a rechaçar qualquer intervenção cultural vinda de culturas exteriores, particularmente das nações colonizadoras. Os indigenistas mais radicais incluem entre elas o legado da evangelização.
Surpreende que os mesmos grupos que rechaçam a Igreja Católica por não pertencer ao legado dos povos históricos aceitem sem nenhum espírito crítico os valores que agora se difundem desde a Europa como a anticoncepção, o aborto, etc., apesar de que com estas doutrinas está-se produzindo uma autêntica colonização cultural.
-De onde partiu sua ideia de fazer um site sobre liberdade religiosa?
Pedro Reyes: Comecei esta página web em primeiro lugar como uma contribuição para lutar contra o laicismo radical, posto que cada vez é mais agressivo. Também pensei que seria uma oportunidade de ajudar tantos irmãos na fé que atualmente estão sofrendo violência por sua fé e o suportam com grande fidelidade a Cristo. Pensei que uma boa ajuda era difundir na opinião pública estes ataques violentos.
Depois destes anos me dei conta de que esta motivação, que a tinha em segundo lugar, é cada vez mais urgente. Deus quer que em breve o site se faça desnecessário, pelo fato de se terem cessado as violências por causa da fé.
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