sexta-feira, 25 de julho de 2025

A Lei Magnitsky e o debate sobre soberania nacional no Brasil.

Recentemente, a discussão sobre a aplicação da Lei Magnitsky a figuras políticas no Brasil, especialmente a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), gerou um intenso debate público. A resposta de setores do governo, do próprio STF e de parte da classe política e militância tem sido a defesa intransigente da soberania nacional. Mas o que significa, de fato, soberania neste contexto? 

I - O Equívoco do Discurso Soberanista Atual

O uso do termo "soberania nacional" por alguns grupos de direita e esquerda, e a preocupação com um suposto "impacto do globalismo" pelas sanções externas, denota uma compreensão equivocada do conceito. A ideia de que uma lei estrangeira – com suas punições como congelamento de bens ou contas bancárias nos Estados Unidos – "afrontaria a soberania nacional" é um equívoco.

No campo da Ciência Política, soberania refere-se à capacidade de um povo ou de um país de tomar suas próprias decisões cruciais, sem interferência externa. Um país é soberano quando suas escolhas mais importantes são feitas internamente, e não ditadas por forças ou nações estrangeiras.

II - Soberania Não é Ditadura ou Nacionalismo Tacanho

É fundamental desassociar a ideia de soberania de um nacionalismo obsoleto e autoritário, como o "nacionalismo getulista" ou outras vertentes ditatoriais. Getúlio Vargas, ao se tornar soberano em relação ao povo – ou seja, ao concentrar o poder e anular a soberania popular –, exemplifica justamente o que deve ser combatido. Ditadores precisam ser derrubados, e essa derrubada pode e, muitas vezes, deve contar com forças externas, conforme argumentam autores como Gene Sharp.

Getúlio Vargas, em sua ditadura que ele mesmo confirmava ser, era o único soberano. Nem o Estado, nem o povo e suas decisões, nem o parlamento exerciam essa soberania.

O jurista alemão Carl Schmitt, em sua conhecida obra "Legalidade e Legitimidade", cunhou a expressão de que "soberano é aquele que decide sobre a exceção". Um estado de exceção é precisamente o momento em que a soberania das leis e o funcionamento natural das instituições são suspensos. Quando as instituições democráticas se desviam de seu propósito e passam a atuar tiranicamente, a soberania popular é abolida. Schmitt descreve que o verdadeiro soberano é aquele que, mesmo em meio a uma crise institucional brutal, mantém-se de pé e detém o poder de comando, inclusive o poder de polícia do Estado.

 III - O Verdadeiro Soberano e a Lei Magnitsky: Por Que o Discurso de "Não Intromissão" é Frágil

A descrição de Schmitt não é uma defesa de tal poder, mas uma análise de como ele funciona na prática. No Brasil, se as instituições não operam em harmonia e a decisão final recai sobre uma única pessoa, o conceito de soberania popular é, na essência, esvaziado. O verdadeiro soberano pode ser a expressão da vontade popular (como idealizado na Constituição Americana, que preza a liberdade e os freios e contrapesos), ou, lamentavelmente, um tirano que se apropria do poder em um estado de exceção – muitas vezes provocado por ele próprio, como historicamente vimos com Getúlio Vargas e Hitler.

Quando setores da política brasileira, tanto da chamada direita quanto da esquerda, utilizam o termo "soberania" para se opor à Lei Magnitsky, o fazem de forma retórica. Eles não estão, de fato, defendendo a participação popular ou o poder do povo decidir seu próprio destino em relação a políticos, ao mercado financeiro ou a estatais que, por vezes, controlam o país com mão de ferro. Pelo contrário, o discurso parece ter como objetivo principal apenas rejeitar qualquer "intromissão" externa.

Mas é preciso questionar: há condições reais para essa autossuficiência absoluta? Vivemos isolados no mundo? Temos, como nação, poder moral, bélico e diplomático para ignorar por completo a comunidade internacional, justificando a ausência de qualquer "intromissão" em nossas decisões, sejam elas certas ou erradas? A resposta é clara: não. Nenhum país é uma ilha, e o Brasil, como parte da comunidade global, interage em diversas frentes. A negação de uma possível intervenção externa – especialmente quando se trata de violações de direitos humanos ou corrupção – ignora a realidade das relações internacionais e a interdependência dos Estados.

A realidade brasileira demonstra que, muitas vezes, a voz do povo é silenciada. Suas decisões e sua voz são frequentemente censuradas, controladas e ignoradas por quem detém o poder em um estado de exceção, onde uma única pessoa ou grupo decide de forma autocrática.

Portanto, a Lei Magnitsky, ao permitir sanções a indivíduos que violam direitos humanos ou cometem atos de corrupção, não "afronta" a verdadeira soberania de um povo oprimido. Pelo contrário, ela pode ser uma ferramenta externa essencial para desestabilizar regimes tirânicos e fortalecer a legitimidade e a capacidade de um povo exercer sua própria soberania. É um fato histórico que tiranos caem tanto por forças internas quanto por forças externas. Ao permitir que a comunidade internacional atue contra abusos sistêmicos, a Lei Magnitsky, de forma crucial, pode paradoxalmente aumentar a soberania popular, oferecendo um caminho para que o povo retome o controle de seu próprio destino.

 

Nenhum comentário: