1) BREVÍSSIMA CONCEITUAÇÃO.
A primeira coisa a ressaltar é que temos um número ínfimo, praticamente inexistente, de obras em português do Brasil sobre esse tema. O que temos é uma série de pequenos textos e artigos sobre temas inerentes ao direito eclesiástico e que muitas vezes foram escritos sem pensar nessa amplitude.
O segundo ponto é entender que os conceitos podem ser bastante amplos quando fugimos do âmbito do catolicismo, mas que mesmo dentro do pensamento católico que é o que mais acaba sendo estudado, não devido a doutrina religiosa, mas devido a multissecular estrutura e experiência no assunto, temos ainda assim uma amplitude relativamente grande de temas.
Assim sendo, temos um
conceito Edson Luiz Sampel que pode nos ajudar nesse início:
(...) é o ramo do direito público que estuda as normas
constitucionais disciplinadoras dos assuntos religiosos.[1]
Temos grande reverência pelo autor e seu trabalho, contudo, ousamos discordar em parte do seu conceito e preferimos que seja redigido da seguinte forma um tanto quanto mais ampla: o Direito Eclesiástico estuda as normas constitucionais, disciplinadoras ou reguladoras de assuntos religiosos, mas também tudo o que é infraconstitucional e que afeta o fenômeno religioso.
Na palavra de Miguel
Rodriguez Blanco, ficamos com uma conceituação ainda mais ampla, o que muito
nos agrada por possibilitar um maior estudo de casos e demonstrar melhor o que
vem a ser o Direito Eclesiástico:
“Una manera sencilla de aproximarse al Derecho
Eclsiástico del Estado es definirlo como el Derecho estatal aplicable al fator social
religioso.”[2]
Assim sendo, temos que o direito eclesiástico não é o direito das instituições religiosas como pode ser pensado por alguns e como é confundido por muita gente considerada muito boa por aí.
O direito inerente às denominações religiosas, imanentemente seria um direito mais estatutário no caso da ampla maioria que nesse sentido precisa se submeter integralmente ao Estado para existir, ou, no caso da Igreja Católica, o direito canônico assim entendido como o direito autônomo da Igreja reconhecida como pessoa moral e ente internacional. Seria um direito preocupado em legislar sobre questões próprias a essas denominações ou religiões. Não obstante, muitas vezes mesmo esse direito que podemos dizer ser um “direito interno” das confissões religiosas também, em variadas situações, toca o direito estatal e precisa com ele se conformar submetendo-se ou submetendo-o dependendo da situação em concreto, sua profundidade e prioridades ali em choque.
De toda forma, o que temos é que o direito eclesiástico é um ramo a ser estudado dentro do direito estatal conforme cada sistema jurídico (brasileiro, francês, espanhol, português...). Cada um desses sistemas terá a possibilidade de regular e disciplinar o fenômeno religioso conforme o seu sistema jurídico assim melhor aprouver de acordo com o momento histórico em suas sociedades. É essencial então que conste em seu conceito que o direito eclesiástico é composto de normativa estatal, constitucional ou infraconstitucional e que seu objeto é o tratamento jurídico que o Estado dispensa ao fenômeno religioso ou, em outras palavras, ao fator social religioso.
Entretanto, que fique claro que essa disposição de disciplinar e regulamentar o fenômeno religioso não é de total liberdade, uma vez que se tratam de questões de direito natural, em sua maioria, e que não estão à disposição do legislador para fazer como bem aprouver.
Por todos esses fatores, dentro do direito canônico especificamente, ou seja, dentro do direito próprio da Igreja Católica, o direito eclesiástico é melhor entendido como direito constitucional justamente por entender que se tratam de temas que devem ser levados para o âmbito muito mais relevante do que meramente uma lei eclesial qualquer que resolve algum problema geral ou local. São temas como direito à vida, liberdade religiosa e de crença, ensino religioso e educação confessional, assistência religiosa, liberdade de consciência, casamento, liberdade de expressão religiosa e geral... enfim, uma série de temas que não podem ficar ao dispor das marés de regimes políticos e governos, muito menos de ideologias, mas que devem ser garantidos, nunca concedidos, por qualquer que seja o Estado, sob pena de ser considerado um estado autoritário por impedir o acesso a direitos naturais básicos.
Muitas vezes nos é
mais fácil entender o que é certa coisa a partir do conceito do que não é,
assim como é mais fácil estudar determinado ramo entendendo o que ele não é
para que os limites fronteiriços possam ser mais claros e não haja contrabando
de conceitos e entendimentos por essas fronteiras. Assim sendo, o Direito Eclesiástico
não é e não se interessa por uma noção teológica, filosófica, histórica,
antropológica ou mesmo sociológica dos temas jurídicos. O foco deve estar no
tratamento do fator religioso por parte do Estado quando esse se coloca em
postura de manifestação por um motivo ou por outro. Devido a importância dos
temas o normal é que essa postura do Estado se dê em nível constitucional, mas
nem sempre é o que se consegue, embora seja o desejado.
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