Iniciaremos nossa análise dos votos pelo último voto proferido, o do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.
Logo no intróito de seu voto, o Ministro lançou o seguinte parágrafo que mais parece uma profecia mal sintonizada:
“Chamado a se pronunciar sobre um tema tão delicado, o da constitucionalidade das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, um assunto que é ético, jurídico e moralmente conflituoso em qualquer sociedade construída culturalmente com lastro nos valores fundamentais da vida e da dignidade humana, o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão que demonstra seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.”
Pois bem, em grifo nosso o Presidente do STF manifestou justamente o que deveria ser a ante-sala de seu voto e o vislumbre de seus conceitos, contudo não foi bem assim que as coisas se seguiram, justamente por uma sopa de letrinhas que virou seu voto, com argumentos contraditórios e afirmações vazias, como essa que destacamos.
Não lançarei aqui, pelo menos nesse argumento, nenhum contexto técnico-jurídico, mas apenas a pura lógica.
O que é o chamado Estado Democrático de Direito?
O termo “Estado Democrático de Direito”, conquanto venha sendo largamente utilizado em nossos dias, é pouco compreendido e de difícil conceituação em face das múltiplas facetas que ele encerra.
No Estado contemporâneo, em virtude da maximização do papel do poder público, que se encontra presente em praticamente todas áreas das relações humanas, a expressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que ilimitada, mas, conseqüente e paradoxalmente, perde muito em compreensão.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º já lança essa expressão e deixa para o Supremo Tribunal sua melhor interpretação:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Contudo, o que vemos é que vários juristas ao longo dos séculos já tentaram conceituar o Estado Democrático de Direito, mas o STF ainda não fez, deixando sua conceituação para meras e filosóficas divagações. Essa situação em que o STF se encontra frente ao conceito de Estado Democrático de Direito é, no mínimo, constrangedora quando algum julgado desse Supremo Tribunal vem a tona, ou seja, todo dia.
Lançar em acórdãos que tem abrangência erga omnes (para todos indistintamente), argumentos solidificados em base conceitual frágil é como pisar em terreno arenoso e descobrir que se trata de areia movediça quando se está no meio do caminho, isto é, além de correr perigo terá dificuldade em ir e voltar, pois a distância é mesma. A chance de afundar é quase que certa.
A palavra rechtsstaat que correspondente a Estado de Direito, surge no começo do século XIX no direito constitucional alemão. No dizer do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, talvez o maior constitucionalista vivo:
“...o Estado de Direito começou por ser caracterizado, em termos muito abstratos, como ‘Estado da Razão’, ‘estado limitado em nome da autodeterminação da pessoa’. No final do século, estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais deste Estado: o Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a idéia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da ‘felicidade dos súditos’, o Estado de Direito é um Estado Liberal no seu verdadeiro sentido”.
Portanto, a origem do Estado de Direito reside nos ideais dos Estados liberais, sofrendo salutar mitigação em seu sentido originário com o surgimento dos ideais sociais, reproduzidos através nas chamadas Constituições sociais a partir do inicio do século XX.
Em um conceito formal podemos dizer que Estado de Direito “Implica na constituição de Estados limitados pelas regras jurídicas que marcam seu fundamento…a doutrina reconhece, internacionalmente, o Estado de Direito como aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder” (Júlio Aurélio Vianna Lopes )
Por conclusão afirma-se que O Brasil é um Estado de Direito porque possui nas leis a limitação do exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular. Estudos são vários nesse sentido e doutrinadores não conseguem cegar a conclusões fáceis sobre isso.
Tudo isso que já afirmamos até aqui serve para demonstrar que, quanto mais se lança a expressão “Estado Democrático de Direito” em decisões judiciais seja da instância que for, mais falaciosa ficará a decisão, já que estará alicerçada em terreno arenoso.
Particularmente voltado ao caso das células-tronco embrionárias, a expressão “Estado Democrático de Direito” se torna ainda mais questionável já que fica mais evidente e confronta, simplesmente, como todos os conceitos.
O Estado Democrático de Direito visa atingir todas as pessoas que estão em território nacional, sejam brasileiros ou não. A legislação, portanto, deve ser imposta a todos indistintamente. O nascituro tem direitos que devem ser respeitados e um deles é a personalidade.
A legislação brasileira assinou o Pacto de São José da Costa Rica em que, ali se afirma que:
Artigo 3º: Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
E logo em seguida conceitua o que vem a ser pessoa:
Artigo 1º, n. 2: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”
Ora, se pessoa é todo ser humano então não há que se falar que o embrião não é pessoa, ou será que alguém pensa que de um embrião pode nascer uma tartaruga? Obviamente que o embrião é pessoa humana, só que em desenvolvimento. O Estado Democrático de Direito não pode negar a essa pessoa humana os direitos que são a ela inerentes.
Esses são os motivos pelos quais os Estado Democrático de Direito não pode, de forma alguma ser invocado para negar a vida aos embriões. Se se invoca o Estado Democrático de Direito para, possivelmente, salvar vidas de pessoas, não se pode negar esse mesmo Estado Democrático de Direito para garantir a vida de outras pessoas que estão em desenvolvimento. O mais frágil não pode arcar com as conseqüências, isso é barbarismo, lei do mais forte.
Logo no intróito de seu voto, o Ministro lançou o seguinte parágrafo que mais parece uma profecia mal sintonizada:
“Chamado a se pronunciar sobre um tema tão delicado, o da constitucionalidade das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, um assunto que é ético, jurídico e moralmente conflituoso em qualquer sociedade construída culturalmente com lastro nos valores fundamentais da vida e da dignidade humana, o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão que demonstra seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.”
Pois bem, em grifo nosso o Presidente do STF manifestou justamente o que deveria ser a ante-sala de seu voto e o vislumbre de seus conceitos, contudo não foi bem assim que as coisas se seguiram, justamente por uma sopa de letrinhas que virou seu voto, com argumentos contraditórios e afirmações vazias, como essa que destacamos.
Não lançarei aqui, pelo menos nesse argumento, nenhum contexto técnico-jurídico, mas apenas a pura lógica.
O que é o chamado Estado Democrático de Direito?
O termo “Estado Democrático de Direito”, conquanto venha sendo largamente utilizado em nossos dias, é pouco compreendido e de difícil conceituação em face das múltiplas facetas que ele encerra.
No Estado contemporâneo, em virtude da maximização do papel do poder público, que se encontra presente em praticamente todas áreas das relações humanas, a expressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que ilimitada, mas, conseqüente e paradoxalmente, perde muito em compreensão.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º já lança essa expressão e deixa para o Supremo Tribunal sua melhor interpretação:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Contudo, o que vemos é que vários juristas ao longo dos séculos já tentaram conceituar o Estado Democrático de Direito, mas o STF ainda não fez, deixando sua conceituação para meras e filosóficas divagações. Essa situação em que o STF se encontra frente ao conceito de Estado Democrático de Direito é, no mínimo, constrangedora quando algum julgado desse Supremo Tribunal vem a tona, ou seja, todo dia.
Lançar em acórdãos que tem abrangência erga omnes (para todos indistintamente), argumentos solidificados em base conceitual frágil é como pisar em terreno arenoso e descobrir que se trata de areia movediça quando se está no meio do caminho, isto é, além de correr perigo terá dificuldade em ir e voltar, pois a distância é mesma. A chance de afundar é quase que certa.
A palavra rechtsstaat que correspondente a Estado de Direito, surge no começo do século XIX no direito constitucional alemão. No dizer do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, talvez o maior constitucionalista vivo:
“...o Estado de Direito começou por ser caracterizado, em termos muito abstratos, como ‘Estado da Razão’, ‘estado limitado em nome da autodeterminação da pessoa’. No final do século, estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais deste Estado: o Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a idéia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da ‘felicidade dos súditos’, o Estado de Direito é um Estado Liberal no seu verdadeiro sentido”.
Portanto, a origem do Estado de Direito reside nos ideais dos Estados liberais, sofrendo salutar mitigação em seu sentido originário com o surgimento dos ideais sociais, reproduzidos através nas chamadas Constituições sociais a partir do inicio do século XX.
Em um conceito formal podemos dizer que Estado de Direito “Implica na constituição de Estados limitados pelas regras jurídicas que marcam seu fundamento…a doutrina reconhece, internacionalmente, o Estado de Direito como aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder” (Júlio Aurélio Vianna Lopes )
Por conclusão afirma-se que O Brasil é um Estado de Direito porque possui nas leis a limitação do exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular. Estudos são vários nesse sentido e doutrinadores não conseguem cegar a conclusões fáceis sobre isso.
Tudo isso que já afirmamos até aqui serve para demonstrar que, quanto mais se lança a expressão “Estado Democrático de Direito” em decisões judiciais seja da instância que for, mais falaciosa ficará a decisão, já que estará alicerçada em terreno arenoso.
Particularmente voltado ao caso das células-tronco embrionárias, a expressão “Estado Democrático de Direito” se torna ainda mais questionável já que fica mais evidente e confronta, simplesmente, como todos os conceitos.
O Estado Democrático de Direito visa atingir todas as pessoas que estão em território nacional, sejam brasileiros ou não. A legislação, portanto, deve ser imposta a todos indistintamente. O nascituro tem direitos que devem ser respeitados e um deles é a personalidade.
A legislação brasileira assinou o Pacto de São José da Costa Rica em que, ali se afirma que:
Artigo 3º: Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
E logo em seguida conceitua o que vem a ser pessoa:
Artigo 1º, n. 2: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”
Ora, se pessoa é todo ser humano então não há que se falar que o embrião não é pessoa, ou será que alguém pensa que de um embrião pode nascer uma tartaruga? Obviamente que o embrião é pessoa humana, só que em desenvolvimento. O Estado Democrático de Direito não pode negar a essa pessoa humana os direitos que são a ela inerentes.
Esses são os motivos pelos quais os Estado Democrático de Direito não pode, de forma alguma ser invocado para negar a vida aos embriões. Se se invoca o Estado Democrático de Direito para, possivelmente, salvar vidas de pessoas, não se pode negar esse mesmo Estado Democrático de Direito para garantir a vida de outras pessoas que estão em desenvolvimento. O mais frágil não pode arcar com as conseqüências, isso é barbarismo, lei do mais forte.
Dessa forma, rechaçamos, in totum o Estado Democrático de Direito invocado pelo Sr. Ministro Presidente do STF para liberar o uso de células-tronco embrionárias.
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