quinta-feira, 5 de junho de 2008

ADIN 3510. Voto do Min. Gilmar Mendes (Parte 2) - O Estado Democrático de Direito e o Direito Natural

Ainda com relação ao Estado Democrático de Direito, uma pergunta que nos fica é a seguinte: e o direito natural? Onde é que fica nessa história?

A pergunta é pertinente e bastante complexa. Vejamos porque.

Existe uma clara distinção entre o que é direito positivo e o que é direito natural. Essa dicotomia atinge, especialmente nós, os ocidentais, pelas características jurídicas a que estamos sujeitos desde muitos séculos e que nos leva ao positivismo, as vezes uma pouco extremado demais.

Contudo, não é esse o nosso assunto. Queremos responder a algumas perguntas, por exemplo: o Estado está sujeito ao direito natural ou só ao direito positivado? Esse questionamento não é tão fácil de responder quanto pode parecer em um primeiro momento.

Norberto Bobbio (1995, p. 17) nos esclarece que a distinção entre direito natural e direito positivo já havia sido identificada até mesmo na antiguidade, com Platão e Aristóteles. Este último utilizou-se de dois critérios para chegar a tal diferenciação: primeiro, o direito natural é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia, enquanto o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares em que é posto; segundo o direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas ou más a outros. Prescreve ações cuja bondade é objetiva. O direito positivo, ao contrário, é aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro mas, uma vez reguladas pela lei, importa (isto é: é correto e necessário) que sejam desempenhadas do modo prescrito pela lei.

Os filósofos da Idade Média também discorreram sobre o assunto, deixando assente que existe uma clara distinção entre direito natural e direito positivo, tendo este a característica de ser posto pelos homens, em contraste com o primeiro que não é posto por esses, mas por algo (ou alguém) que está além desses, como a natureza (ou o próprio Deus).

Nem os mais relativistas com relação à religião podem discordar que exista ago superior a nós, meros mortais, que rege o universo. Esse alguém, ou algo, que para nós cristãos é Deus, é quem rege e cria essas leis naturais, que, no final das contas, nada mais é do que o equilíbrio natural a que somos chamados para viver em sociedade. Sem esse equilíbrio natural a que somos chamados, e de certo modo forçados a conviver com ele, não haveria a mínima possibilidade de qualquer relacionamento social, muito menos os mais aprofundados.

Os jusnaturalistas modernos dos séculos XVII e XVIII, registram que a esfera do direito natural limita-se àquilo que se demonstra a priori; aquela do direito positivo começa, ao contrário, onde a decisão sobre se uma coisa constitui, ou não, direito depende da vontade de um legislador.

Essa distinção, acaba por perdurar até hoje, e ganha importância no tocante à questão do exame do Estado de Direito e, em última análise, do Estado Democrático de Direito, quando se sabe que o positivismo jurídico reduziu todo o Direito a direito positivo, afastando o direito natural da categoria do Direito, pois essa corrente doutrinária não considera Direito outro que não seja aquele posto pelo Estado, sendo este o único detentor do poder de estabelecer as normas jurídicas que irão reger a sociedade.

É justamente onde queremos chegar. O positivismo jurídico vem assolando a sociedade com diferentes intensidades ao longo das décadas, mas, infelizmente nunca deixa de existir. O Estado, que faz as leis a que deverá se submeter, outra questão um tanto quanto complexa e polemizada, deve estar atento através do Judiciário para aplicar a lei não se esquecendo do direito natural que é inerente, portanto anterior ao direito positivado.

Exemplificando: no Código Penal temos no artigo 121, caput o preceito, não matar. Será que esse ordenamento positivado vem apenas porque o Estado quer que “matar” seja crime, ou ele existe porque o direito natural nos dá o direito a vida? Podemos pensar da seguinte forma: se estivermos em um Estado totalmente anárquico, sem leis ou hierarquias, advindo de uma calamidade qualquer, coisa que não estamos longe de ver, obviamente que leis não existiriam e o artigo 121 do Código Penal também não. Será que mesmo assim não teríamos direito à vida, ou, por outro lado, teríamos direito a matar? Claro que não.

Isso é direito natural, vem antes do positivo porque é preceito desse.

Votando-nos para a questão das células-tronco embrionárias, nunca houve discussão se aquele indivíduo embrião é ou não vida, o que se discute é se tem ou não direitos. Se é vida, portanto, está sujeita ao direito natural, se está sujeita ao direito natural tem direito a vida. Como não vivemos em uma sociedade de barbárie, então devemos defender aquela vida pelo simples motivo de ela ser frágil e não conseguir se defender sozinha, aliás, é por isso que temos uma mãe junto de um embrião em formação. A natureza (Deus para nós) criou as coisas assim. A mãe protege a vida frágil até que ela possa se proteger sozinha.

Essa defesa da vida frágil, precisa vir de algum modo e com certos procedimentos tanto de controle pelo Estado quanto de segurança do indivíduo em fase embrionária. Ai entra o direito positivo.

Como vemos, não se pode invocar um Estado Democrático de Direito quando não se te a mínima noção do que é Estado de Direito e que esse Estado de Direito (Positivado) deve estar em profundo contato e respeito com o direito natural para que não haja, daqui a pouco dissonâncias tão grandes que não possamos nos reconhecer como seres humanos quando olharmos para trás ou para frente.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

ADIN 3510. Voto do Min. Gilmar Mendes (Parte 1) - O Estado Democrático de Direito

Iniciaremos nossa análise dos votos pelo último voto proferido, o do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

Logo no intróito de seu voto, o Ministro lançou o seguinte parágrafo que mais parece uma profecia mal sintonizada:

Chamado a se pronunciar sobre um tema tão delicado, o da constitucionalidade das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, um assunto que é ético, jurídico e moralmente conflituoso em qualquer sociedade construída culturalmente com lastro nos valores fundamentais da vida e da dignidade humana, o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão que demonstra seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.”

Pois bem, em grifo nosso o Presidente do STF manifestou justamente o que deveria ser a ante-sala de seu voto e o vislumbre de seus conceitos, contudo não foi bem assim que as coisas se seguiram, justamente por uma sopa de letrinhas que virou seu voto, com argumentos contraditórios e afirmações vazias, como essa que destacamos.

Não lançarei aqui, pelo menos nesse argumento, nenhum contexto técnico-jurídico, mas apenas a pura lógica.

O que é o chamado Estado Democrático de Direito?

O termo “Estado Democrático de Direito”, conquanto venha sendo largamente utilizado em nossos dias, é pouco compreendido e de difícil conceituação em face das múltiplas facetas que ele encerra.

No Estado contemporâneo, em virtude da maximização do papel do poder público, que se encontra presente em praticamente todas áreas das relações humanas, a expressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que ilimitada, mas, conseqüente e paradoxalmente, perde muito em compreensão.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º já lança essa expressão e deixa para o Supremo Tribunal sua melhor interpretação:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Contudo, o que vemos é que vários juristas ao longo dos séculos já tentaram conceituar o Estado Democrático de Direito, mas o STF ainda não fez, deixando sua conceituação para meras e filosóficas divagações. Essa situação em que o STF se encontra frente ao conceito de Estado Democrático de Direito é, no mínimo, constrangedora quando algum julgado desse Supremo Tribunal vem a tona, ou seja, todo dia.

Lançar em acórdãos que tem abrangência erga omnes (para todos indistintamente), argumentos solidificados em base conceitual frágil é como pisar em terreno arenoso e descobrir que se trata de areia movediça quando se está no meio do caminho, isto é, além de correr perigo terá dificuldade em ir e voltar, pois a distância é mesma. A chance de afundar é quase que certa.

A palavra rechtsstaat que correspondente a Estado de Direito, surge no começo do século XIX no direito constitucional alemão. No dizer do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, talvez o maior constitucionalista vivo:

“...o Estado de Direito começou por ser caracterizado, em termos muito abstratos, como ‘Estado da Razão’, ‘estado limitado em nome da autodeterminação da pessoa’. No final do século, estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais deste Estado: o Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a idéia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da ‘felicidade dos súditos’, o Estado de Direito é um Estado Liberal no seu verdadeiro sentido”.

Portanto, a origem do Estado de Direito reside nos ideais dos Estados liberais, sofrendo salutar mitigação em seu sentido originário com o surgimento dos ideais sociais, reproduzidos através nas chamadas Constituições sociais a partir do inicio do século XX.

Em um conceito formal podemos dizer que Estado de Direito “Implica na constituição de Estados limitados pelas regras jurídicas que marcam seu fundamento…a doutrina reconhece, internacionalmente, o Estado de Direito como aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder” (Júlio Aurélio Vianna Lopes )

Por conclusão afirma-se que O Brasil é um Estado de Direito porque possui nas leis a limitação do exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular. Estudos são vários nesse sentido e doutrinadores não conseguem cegar a conclusões fáceis sobre isso.

Tudo isso que já afirmamos até aqui serve para demonstrar que, quanto mais se lança a expressão “Estado Democrático de Direito” em decisões judiciais seja da instância que for, mais falaciosa ficará a decisão, já que estará alicerçada em terreno arenoso.

Particularmente voltado ao caso das células-tronco embrionárias, a expressão “Estado Democrático de Direito” se torna ainda mais questionável já que fica mais evidente e confronta, simplesmente, como todos os conceitos.

O Estado Democrático de Direito visa atingir todas as pessoas que estão em território nacional, sejam brasileiros ou não. A legislação, portanto, deve ser imposta a todos indistintamente. O nascituro tem direitos que devem ser respeitados e um deles é a personalidade.

A legislação brasileira assinou o Pacto de São José da Costa Rica em que, ali se afirma que:

Artigo 3º: Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

E logo em seguida conceitua o que vem a ser pessoa:

Artigo 1º, n. 2: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”

Ora, se pessoa é todo ser humano então não há que se falar que o embrião não é pessoa, ou será que alguém pensa que de um embrião pode nascer uma tartaruga? Obviamente que o embrião é pessoa humana, só que em desenvolvimento. O Estado Democrático de Direito não pode negar a essa pessoa humana os direitos que são a ela inerentes.

Esses são os motivos pelos quais os Estado Democrático de Direito não pode, de forma alguma ser invocado para negar a vida aos embriões. Se se invoca o Estado Democrático de Direito para, possivelmente, salvar vidas de pessoas, não se pode negar esse mesmo Estado Democrático de Direito para garantir a vida de outras pessoas que estão em desenvolvimento. O mais frágil não pode arcar com as conseqüências, isso é barbarismo, lei do mais forte.

Dessa forma, rechaçamos, in totum o Estado Democrático de Direito invocado pelo Sr. Ministro Presidente do STF para liberar o uso de células-tronco embrionárias.

terça-feira, 3 de junho de 2008

ADIN 3510

Já tenho o inteiro teor de alguns votos com relação à ADIN. Como são relativamente extensos, prolixos e complexos estou ainda analisando-os. QUem tiver em mãos mais votos que não o dos Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, por favor me mandem nem que seja o link para poder entrar, também na análise e procurarmos possíveis saídas. Obrigado a todos.