Por Elizabeth Lev
ROMA, sexta-feira, 29 de julho de 2011 (ZENIT.org) – No verão, quando o calor aperta e os turistas avançam em tropel sobre a Cidade Eterna, é comum ouvir queixas contra os papas e seu legado. Isso pode ter a ver com a nova série de televisão Os Bórgias, sobre um dos mais polêmicos sucessores de Pedro, o Papa Alexandre VI. Talvez seja o mecanismo de defesa do cinismo diante de tanta história e grandeza. Seja como for, sempre me deprime nesta época do ano ouvir comentários depreciativos e ignorantes sobre uma instituição cujos frutos fazem de Roma uma das cidades turísticas mais populares do mundo: de 7 a 10 milhões de pessoas por ano. Se o papado fez Roma virar uma atividade turística das mais apreciadas, e transformou a Cidade Eterna em um dos maiores alvos das fotografias, será que não lhe devemos um pouco de gratidão?
Nesta semana eu pensei que seria bom relembrar como o papado contribuiu com esta cidade e o quanto ela foi enriquecida pelas peregrinações passadas e pelas férias presentes. Já que o número da sorte romano é o sete, farei uma lista de sete exemplos.
1) Ruas retas e obeliscos. A queda do Império Romano viu seus sobreviventes abandonarem a área do Foro e as sete colinas que a rodeiam, para se aninharem num pequeno trecho perto do rio Tibre conhecido como o Campo de Marte. Usando as estruturas e alicerces já existentes, os romanos encheram aquele espaço com mistura de lojas, palácios, igrejas e mercados. O labirinto de ruelas do Campo de Marte contrastava amplamente com as velhas áreas habitadas da antiguidade, onde havia campos vazios com ruínas esparsas.
Os peregrinos que iam para Roma desde o século VIII se perdiam no labirinto confuso tanto quanto num campo aberto. Na Idade Média, o papado começou a cortar as ruas com vielas sinuosas como a Via do Peregrino e a Via dei Coronari (a rua dos vendedores de terços), que levavam com facilidade os peregrinos até as áreas históricas da Basílica de São Pedro.
Os papas do Renascimento melhoraram as coisas, concedendo à cidade a majestosa Piazza del Popolo e o tridente de ruas que levam às três áreas mais importantes da cidade - um sistema que foi copiado depois por Paris e Barcelona. Também construíram a elegante avenida da Via Giulia - a Quinta Avenida do século XVI. O Papa Sisto V, porém, fez as ruas facilitarem a orientação dos peregrinos. A rua que conecta a Igreja da Santa Cruz com São João de Latrão e a basílica de Santa Maria Maior com a Praça da Espanha foi uma façanha sua; ele também pavimentou estradas que levavam aos campos abertos, para deixar mais acessíveis os Lugares Santos. Para ajudar os peregrinos a encontrar o caminho, ele restaurou os obeliscos quebrados, longínquos troféus das conquistas romanas no Egito, havia muito tempo em estado de ruína, e os colocou nos lugares mais importantes. Podiam ser vistos de longa distância: o obelisco de São João de Latrão era visto de Santa Maria Maior, por exemplo, servindo como farol. Um plano de urbanismo e de reciclagem sagaz. Não são qualidades admiradas hoje em dia?
2) Conservação de antiguidades. Pensem em todas as fotos que têm ao fundo os antigos monumentos de Roma. Onde estariam o Panteão, o Coliseu e mesmo a antiga cúria romana sem os cuidados do papado? O Panteão, com seus mármores, granitos e bronze, construído nos terrenos pantanosos do Campo de Marte, teria sido arruinado se o papado não tivesse transformado antigos templos pagãos em lugares de culto cristãos, como quando Bonifácio IV pediu ao imperador bizantino Phocas a permissão para transformar o Panteão numa igreja, em 13 de maio de 609.
O anfiteatro Flávio, ou Coliseu, fora ocupado pela família romana Frangipane desde o século VI até o XI, e era usado como fortaleza. Um decreto papal reclamou-o, junto com outros grandes monumentos do passado, e tirou-o das mãos privadas que estavam levando suas estruturas a ruir. Quando um terremoto devastou o anfiteatro em 1349, ele serviu praticamente como pedreira para a reconstrução de Roma após a volta do papa de Avignon. Em 1754, porém, o papa Clemente XIV declarou o lugar como martyrium e proibiu os desmantelamentos do edifício. Seus sucessores, Pio VII e Gregório XVI, construíram dois suportes que até hoje mantêm o edifício em pé. Os templos intactos que agora visitamos foram preservados graças ao cuidado, financiamento e atenção da Igreja romana, que, apesar do problemático passado daquelas construções, considerou-as merecedoras de uma nova vida a serviço de Deus.
3) Igrejas... Quantas vezes turistas cansados acharam fôlego ao fugir do calor e do caos das ruas numa das frescas igrejas de Roma? As centenas de igrejas construídas na cidade albergaram ordens religiosas, deram lar espiritual em Roma a diversas nacionalidades, ou simplesmente acomodaram as muitas paróquias da diocese do papa. Também são lugares para sentar-se ao ar condicionado natural das grandes estruturas de pedra. As basílicas papais, em particular, permanecem abertas de 7 da manhã a 7 da tarde, equipadas com serviços gratuitos, diferentemente das igrejas de Veneza e de Florença. E o turista não é abordado por um religioso ou religiosa proselitista em troca do serviço gratuito; em vez disto, ele se vê rodeado por obras de arte de Rafael em Santo Agostinho, Caravaggio em São Luís dos Franceses ou Filippino Lippi em Santa Maria sopra Minerva. Estas pinturas valiosas, pelas quais seria cobrado ingresso em qualquer museu, são agora a única evangelização que as igrejas romanas oferecem: a possibilidade de contemplar a Verdade através da grande beleza e até do conforto.
4) Aquedutos. O fluxo espetacular de água que dá vida, refresca e revitaliza a cidade também é um presente do papado. A grande tradição dos aquedutos foi iniciada pelos antigos romanos, que ofereceram água fresca à população através de aquedutos extensos, de até 60 milhas . Esses grandes aquedutos foram destruídos durante a época das invasões bárbaras, junto com a tecnologia que os criou. O papado renascentista recuperou os grandes esforços do passado de Roma, restaurando os antigos aquedutos e construindo alguns novos.
Em 1543, Nicolau V restautou o Aqua Vergina, a primeira construção de Agripa, seguido por um novo aqueduto, o Aqua Felice, construído pelo Papa Sixto V, em 1586. Mais dois papas acrescentaram aquedutos, oferecendo a Roma um fluxo constante de água que ainda hoje os romanos e os turistas podem desfrutar em qualquer das fontes da cidade. Os papas também embelezaram Roma com suas magníficas fontes: Trevi, a fonte dos quatro rios na Piazza Navona, a fonte do barco na Piazza de Espanha e muitas mais. Beleza, prazer e descanso, tudo grátis... alguém pede mais?
5) Museus. Os grandes museus que nos ajudam a passar as horas, desde o sorvete até o espaguete all'amatriciana, são o fruto da generosidade papal. As coleções papais do Museu Vaticano, de renome mundial, além de vários tesouros da arte romana, não existiriam sem o papado. O Papa Sixto IV abriu o primeiro museu público do mundo em 1471, quando doou 5 esculturas de bronze preservadas desde a antiguidade ao povo romano, abrigando-as no palácio dos Conservadores, na colina Capitolina. Este lugar, ainda conhecido como Museu Capitolino, melhorou durante os séculos com centenas de presentes dos papas, de modo que a Loba e o Spinario da coleção original estão agora flanqueados pela estátua equestre de Marco Aurelio, o Galo moribundo e a famosa Venus Capitolina.
6) Hospitais e Albergues. A descrição do trabalho do papa centra-se mais no cuidado espiritual de seu rebanho, no entanto, o romano pontífice também sempre entendeu a necessidades corporais de seu rebanho. Os papa também prepararam instalações para assegurar que ninguém ficasse sem cuidado ou atenção.
O hospital de Santo Spirito, construído pelo Papa Sixto IV, em 1480, próximo do Vaticano, tratou não só enfermos romanos, mas qualquer peregrino que ficasse doente durante sua viagem a Roma. O papado construíu a Trinità dei Pellegrini, onde eram oferecidos aos peregrinos cama, comida, consolo ou ajuda. Durante o ano jubilar de 1600, a Trinità dei Pellegrini atendeu as necessidades de 145.000 peregrinos. Este espírito de boas-vindas ainda se pode encontrar nas dezenas de conventos que oferecem lugares econômicos para os peregrinos, nos milhares de pontos de informação de toda a cidade e na afável vontade de qualquer sacerdote da cúria que detém suas atividades para abençoar os peregrinos e seus rosários.
7) Orações. O último presente dos papas, que continua existindo hoje, são suas orações por nossa segurança, nosso desfrute e, o mais importante, para que nossos corações se abram a Deus nesta antiga e santa cidade.
Talvez durante nosso desfrute de compras e turismo, pudéramos ser o suficientemente amáveis para fazer uma pausa e recordar tudo que o papado fez pela cidade. Uma oração de gratidão e um pedido pelo romano pontífice são o mínimo que podemos fazer para agradecer pelas muitas bênçãos que recebemos de suas mãos.
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* Elizabeth Lev leciona Arte e Arquitetura Cristãs no campus italiano da Duquesne University e no programa de Estudos Católicos da Universidade San Tommaso.
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