É fato que não podemos cunhar o feudalismo
como um sistema econômico pura a simplesmente, já que foi muito mais do que
isso, basicamente foi uma organização socioeconômica, política e até cultural
que envolveu a Europa de uma forma geral, mas não só ela. Outro fato é que
podemos firmemente dizer que o feudalismo foi se desfazendo aos poucos na
história da humanidade e não de uma hora pra outra. Embora muitos historiadores
gostem de colocar como marca do seu fim o ano de 1453 que foi a tomada de
Constantinopla pelos Turcos Otomanos, contudo é fato que o feudalismo
sobreviveu com muitas das suas estruturas na França até a revolução francesa em
1789 e na Rússia até 1917 quando da Revolução russa. Enfim, creio que podemos
dizer que as civilizações que tiveram que sair das estruturas feudais
tardiamente tiveram que fazê-lo de forma abrupta com revoluções e não
gradativamente como foi o caso da Inglaterra com o uso paulatino do
mercantilismo que aos poucos foi gerando o capitalismo mais naturalmente.
Vejamos se não foi assim.
O feudalismo baseava-se em relações
de dependência pessoal (vassalagem) e economia agrária de subsistência, embora
esse não fosse o foco.
A Inglaterra é frequentemente
apontada como um exemplo de transição mais gradual do feudalismo para o
capitalismo porque conseguiu passar, sem negar as cicatrizes disso, pelo uso do
mercantilismo. Essas mudanças iniciaram um deslocamento populacional do campo
para as cidades e promoveram o desenvolvimento do capitalismo industrial. Esse
processo, embora com tensões, evitou grandes revoluções imediatas e
possibilitou a formação de um mercado econômico estruturado antes de mudanças
políticas radicais que viram a ser demandados com os novos tempos.
Na França, a Revolução Francesa de
1789 foi um marco que desmantelou o que restava das estruturas feudais à força.
A aristocracia foi abolida com violência extrema e no lugar veio uma tirania
extremamente raivosa. O clamor por igualdade e liberdade surgiu em um cenário
de crise econômica e desigualdade exacerbada, onde a manutenção de estruturas
feudais muito mal administradas contribuía para a insatisfação e gerou uma
revolução sangrenta que não conseguiu seus objetivos, apenas conseguiu uma nova
dinastia do Bonaparte, uma década depois e dezenas de milhares de cabeças
guilhotinadas depois, que se arrogou o direito de tomar toda a Europa.
Já na Rússia, a Revolução de 1917
representou o colapso do sistema czarista, que ainda mantinha características
feudais, como a servidão, que só foi oficialmente abolida em 1861, mas cujas
práticas sociais e econômicas persistiram. O processo foi abrupto porque a
transição para a modernidade foi tardia e marcada por crises internas e
externas.
A ausência de mudanças graduais na
França e na Rússia contrastou com a Inglaterra, onde o mercantilismo
desempenhou um papel significativo na transição econômica. A prática comercial,
somada a uma monarquia constitucional que acomodou mudanças econômicas e
sociais sem grandes rupturas, possibilitou o desenvolvimento do capitalismo
como hoje o conhecemos de forma mais natural. Pode-se perceber que na Rússia e
mesmo na França, até os dias atuais, o capitalismo e especialmente o que
chamamos de democracia nos dias atuais, não são bem o que o se vê no restante
do mundo.
Essa visão histórica sugere que a
maneira como as sociedades se adaptaram ao fim do feudalismo influenciou
diretamente suas trajetórias futuras. Estruturas estáveis e transições graduais
parecem ter favorecido um desenvolvimento mais linear, enquanto sociedades com
rupturas abruptas enfrentaram períodos de instabilidade e mudanças mais
drásticas.
Na Inglaterra, o mercantilismo foi
mais do que uma transição econômica; ele criou uma mentalidade que promoveu uma
integração Religião-Sociedade. Diferentemente da Revolução Francesa que
associou a religião às estruturas de opressão, a Inglaterra manteve a Igreja
Anglicana como uma força moderadora, articulando tradição e progresso
econômico.
Sob o mesmo aspecto de linearidade
histórica, levando-se em consideração a estratificação social, a sociedade
inglesa aceitou a gradação social como algo natural, estruturado por uma
aristocracia que coexistia com uma burguesia comercial emergente, sem rupturas
violentas.
O resultado disso foi uma rejeição de
modelos totalitários comuns tanto na França quanto na Rússia. Com uma monarquia
constitucional desde a Revolução Gloriosa (1688), a Inglaterra estabeleceu um
equilíbrio que evitava extremos autoritários ou democracias utópicas.
Nos casos da França e da Rússia, a Revolução
Francesa (1789) apesar de abolir o feudalismo, mergulhou em extremos
ideológicos que levaram ao Terror Jacobino e, posteriormente, ao autoritarismo
napoleônico. A tentativa de erradicar completamente a influência da religião e
criar uma sociedade radicalmente igualitária gerou instabilidade. No caso da Revolução
Russa (1917), ao eliminar resquícios feudais com um golpe bolchevique, esta optou
por um modelo comunista totalitário. O regime soviético instaurou um controle
absoluto, causando purgas, repressões e genocídio, além de perpetuar um modelo
de Estado centralizador e moralmente destrutivo.
As escolhas por regimes totalitários
para substituir sistemas antigos geraram elevado morticínio já que milhões
morreram em guerras civis, fomes e purgas políticas, tanto na França quanto na
Rússia.
Gerou também confusão política e social
com sociedades marcadas por totalitarismos que enfrentaram dificuldade em
estabelecer democracias funcionais, oscilando entre autoritarismo e modelos
utópicos, isso até os dias atuais.