Apesar de ser o menor Estado soberano do mundo, a Cidade do Vaticano possui um sistema legal singularmente complexo, especialmente no que tange à jurisdição penal. Esse sistema é rigidamente regulamentado pelo histórico Tratado de Latrão, firmado com a Itália em 1929, que estabeleceu as bases da cooperação judicial entre os dois Estados.
O princípio fundamental é a soberania judicial do Vaticano. Isso significa que, em regra, qualquer pessoa que cometa um crime dentro dos limites da Cidade do Vaticano está sujeita ao seu sistema de justiça autônomo. O julgamento, em primeira instância, corre perante o Tribunal Penal do Vaticano, que aplica a legislação penal vaticana. O sistema judicial próprio do Vaticano abrange desde o Tribunal (primeira instância) até o Tribunal de Apelação.
No entanto, o Tratado de Latrão prevê uma solução prática para a gestão de casos. O Artigo 22º dessa Convenção Acessória confere ao Vaticano a prerrogativa de delegar a jurisdição à Itália. Em outras palavras, se um crime é cometido, o Estado do Vaticano pode, a seu critério, solicitar formalmente ao governo italiano que prossiga com o julgamento. Nesses casos, a pessoa acusada é entregue às autoridades italianas, e todo o processo, desde a investigação até a sentença, corre conforme as leis e nos tribunais da Itália. Essa delegação é frequentemente utilizada em crimes de grande complexidade ou nos casos de flagrante, onde a estrutura policial e judicial da Itália é mais adequada para o processamento imediato.
O ponto mais distintivo e que revela a dependência da cooperação internacional é a execução das penas de prisão. A Cidade do Vaticano é um Estado-Cidade que não possui prisões ou penitenciárias próprias em seu território. Essa carência estrutural é resolvida de forma definitiva pelo Artigo 3º da Convenção Anexa ao Tratado de Latrão.
Se um Tribunal do Vaticano profere uma condenação à prisão, o Estado do Vaticano não executa essa pena internamente. Ele solicita ao governo italiano a execução da sentença. O condenado é, então, detido em instituições penitenciárias italianas. Por exemplo, no notório caso do "Vatileaks" ou em crimes financeiros, a condenação foi proferida pelo Tribunal do Vaticano, mas a pena foi cumprida em prisões italianas. O custo total da detenção e manutenção do condenado nas prisões italianas é, contudo, assumido integralmente pelo Estado da Cidade do Vaticano.
Em suma, a jurisdição penal do Vaticano é autônoma, mas a sua operacionalização é profundamente entrelaçada com o sistema italiano. O julgamento pode ser realizado no Vaticano ou delegado à Itália, mas a custódia e a prisão propriamente dita são sempre realizadas em solo italiano, estabelecendo um raro modelo de cooperação internacional para o exercício da justiça penal.