quarta-feira, 9 de maio de 2012

O BRASIL E A REVOLUÇÃO FRANCESA.


Postamos abaixo um trecho do livro “O Brasil e a Revolução Francesa”, páginas 278 a 281, de João de Scantimburgo altamente recomendada a leitura: 

João de Scantimburgo nasceu em 1915, em Dois Córregos, São Paulo. Jornalista, professor e escritor, é Mestre em Economia e Doutor em Filosofia e Ciências Sociais. Lecionou na Universidade Armando Álvares Penteado e na UNESP.

Trabalhou na "Radio Bandeirantes", no "O Estado de São Paulo", no "Diário de São Paulo". Tendo lançado empreendimento próprio na compra da "TV Excelsior" e mais adiante fundou o jornal "Correio Paulistano".

João de Scantimburgo é membro de diversas associações e instituições culturais, dentre elas pode se destacar a Academia Brasileira de Letras, onde ocupa a cadeira de nº. 36, a qual tem como patrono Teófilo Dias.

Publicou mais de 20 livros, entre os quais: “A crise republicana presidencial” e “O Poder Moderador”.


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O BRASIL E A REVOLUÇÃO FRANCESA
Pág.: 278 a 281

[...]

Mas não foi o Partido Republicano que apressou o fim do Império. Foi a conquista das forças armadas pelo positivismo. Auguste Comte, fundador do positivismo, “sofrera, como quase todos os intelectuais da primeira metade do século XIX, a influência das idéias do século anterior. Fora um grande ledor de Voltaire, de Montesquieu, de Rousseau de Condorcet”. Sua doutrina emanara da Revolução Francesa. Influíram, igualmente, em sua formação dois autores contra-revolucionários, Bonald e de Maistre, mas o seu recebeu a influência da época em que foi elaborado. Não escapou às “vantagens conquistadas em 1789”³. Benjamim Constant Botelho de Magalhães – seu nome denota a admiração do pai pelo autor Adolphe – professor de Escola Politécnica, exerceu papel decisivo e preponderante na atração dos militares à filosofia de augusto Comte. É o que demonstra João Camilo de Oliveira Torres4. Foi a paisanização do exército que empurrou os militares à República. Em seu alentado estudo sobre o comtismo, Ivan Lins expõe o processo de assimilação pelas forças armadas, mas precisamente, pelo exército, do pensamento filosófico. Colocando-se me face da monarquia, e contrariando-se em relação ao espírito do sistema monárquico, os militares, profundamente imbuídos do comtismo, optaram pela República, vendo nesse regime a corporificação da filosofia de Comte5. Não foi o Apostolado Positivista que triunfou, mas o comtismo6, simplesmente por patrocinar a ditadura republicana, como forma de governo. Convictos os oficiais generais de que essa era a via acertada para a solução de problemas, não de estrutura, mas de acidente, que se notavam no regime imperial, deixaram se envolver pela pregação de Benjamim Constant Botelho de Magalhães, e a República acabou sendo proclamada por um marechal, com o apoio de outro marechal, operando-se no Brasil, em 1889, o fato consumado, essa constante em nossa História.

Não seria, portanto, proclamada a República, ao menos em 15 de novembro, não fosse o concurso apaixonado de Benjamim Constam Botelho de Magalhães e sua eficácia no trabalho de atrair para a causa o marechal Deodoro da Fonseca. Feroz, injusta, caluniosa havia sido, até meados de novembro, a campanha contra a monarquia, o monarca e sua herdeira, a princesa Isabel. Não lhe pouparam os mais sórdidos adjetivos, despejaram-lhe baldões sobre os nomes dignos, de quem servira com dedicação honradez e patriotismo à nação brasileira. Como no Manifesto de 1870, não traziam a debate uma só idéia, senão a de que o imperador, pela corrupção, essa inverdade, desmentida pela História, deixara de merecer o respeito do povo. Ludibriado pela propaganda, o povo do Rio de Janeiro aderiu aos republicanos, sem entusiasmo. Benjamim Constant encarregou-se de convencer Deodoro e, ídolo das forças armadas, sobretudo dos jovens, contava, incondicionalmente, com elas. Obtido o assentimento do marechal, paradigma de ingratidão; conquistando Floriano, comandante das armas no Rio de Janeiro, o resto foi fácil. Deodoro pretendia, apenas, depor Ouro Preto, mas os acontecimentos se precipitaram, e a República acabou proclamada, diante do pasmo geral do povo. Mais uma vez o fato consumado, esse traço do fatalismo, provavelmente herança da infiltração islâmica na cultura peninsular, atuou no mecanismo das instituições políticas brasileiras. Apoiando-se na indisciplina militar, no enxovalhamento do imperador e de sua filha, o positivismo obteve êxito. 

Embora fosse antiga a idéia republicana, o partido que esposara era fraco. Não teria forças, nem adeptos para chegar à proclamação da República7. Quem derrubou o Império foram as forças armadas, trabalhadas pelo positivismo, cujos divulgadores do Brasil não escondiam suas tendências republicanas. “Vamos demonstrar a tese – que o positivismo como filosofia política foi a causa da República”, diz João Camilo de Oliveira Torres8. Para o autor, “o positivismo tornou-se verdadeira causa de ter a Questão Militar adotado coloração republicana, pois, do contrário, o conflito entre a atropa e o governo nada mais produziria do que uma mudança de gabinete. O positivismo, mediante Benjamim Constant, influi para que Deodoro, contra sua vontade, depusesse D. Pedro II e instalasse a República. E, além disso, foi o positivismo a causa do republicanismo do exército”. Também Alberto Rangel9 acentuou a influência do positivismo, assim como Heitor Lyra10 e José Maria Belo11. Essa, de resto, a verdade histórica, definitivamente aceita e assentada. Não tivesse o positivismo, antimonárquico, republicano e ditatorial se insurgindo contra a monarquia e, pela atuação junto a Deodoro, colimar o objetivo de abater o trono, e não se faria a República, ao menos em 15 de novembro de 1889. O Manifesto Republicano, por nós transcrito, não teria ascendente bastante, com seus lugares-comuns, seus argumentos inconsistentes, para depor o monarca, e instaurar a República. Foi o positivismo a mola decisiva da mudança do regime. Euclides da Cunha diminui essa participação12, mas está provado que não fosse o comtismo da Escola Militar, e o papel de Benjamim Constant desempenhado nos acontecimentos, e D. Pedro II não seria derrubado do trono pelo marechal Deodoro. Foi esse hiato, de doutrina autoritária, com raízes, entretanto no passado do qual irrompeu a Revolução Francesa, que mudou o Brasil jogando-o na República, e na crise política pandêmica. Realizada essa obra, poucos anos depois o positivismo já declinara, e outras correntes da filosofia européia atraíam a curiosidade da elite intelectual brasileira13. Estava aberta a via pela qual o poder supremo do Estado, em regime no qual o presidente detém nas mãos. Rui Barbosa, crítico implacável da monarquia, disse-o em palavras candentes e insubstituíveis: “O mal grandíssimo e irremediável das instituições republicanas consiste em deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado, e, desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade14”. O mal estava feito. O segundo reinado, com o regime de gabinete, havia atenuado os efeitos da revolução no continente, toda ela do gênero republicano. Em 15 de novembro de 1889, o golpe armado encerrou trezentos e oitenta e nove anos de monarquia e oitenta e um anos de dois reinados, sob Portugal reino unido, e dois reinados brasileiros. Voltaríamos, plenamente, às idéias de Revolução Francesa.

[...] 

3. João Cruz Costa. Augusto Comte e as origens do positivismo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p.16.

4. João Camilo de Oliveira Torres. O Positivismo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1957, p.67.

5. Ivan Lins. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964, p. 363 e ss. 

6. João Camilo de Oliveira Torres, Id., ib. 

7. Oliveira Viana. O ocaso do Império. São Paulo: Monteiro Lobato, editor, 1935, passim. 

8. id., ib., p. 70.

9. Alberto Rangel. Gastão d’Orleans, o último Conde D’Eu. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935, passim

10. Heitor Lyra. Op. cit., passim. 

11. José Maria Belo. História da República. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964, passim. 

12. Euclides da Cunha. À Margem da História. Porto: Livraria Chardron, 1913, p. 377. 

13. João Cruz Costa. O Positivismo na República. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956, p.13.

SCANTIMBURGO, João de. ">O Brasil e a Revolução Francesa. Livraria Pioneira Editora, São Paulo – 1989, p.: 278 a 281. 

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