Com relação à comunhão em duas espécies, dentro do Direito Canônico temos as seguintes determinações:
Cân. 925. Distribua-se a sagrada comunhão só sob a espécie de pão ou, de acordo com as leis litúrgicas, sob ambas as espécies; mas, em caso de necessidade, também apenas sob a espécie de vinho.
Somente com o texto do Código de Direito Canônico já seria possível inferir o que é preciso fazer e que se trata de uma possibilidade pastoral a comunhão sob duas espécies. Como toda questão pastoral, essa fica ou sob a determinação do Ordinário Local, ou seja, o Bispo ou mesmo do Pároco, caso o Bispo assim entenda.
O IGMR (Instrução Geral do Missal Romano) traz mais luz a esse tema não só em um único parágrafo, mas em vários:
14. Este mesmo espírito e zelo pastoral levou o II Concílio do Vaticano a reexaminar as decisões do Concílio de Trento referentes à comunhão sob as duas espécies. Uma vez que, hoje em dia, ninguém põe em dúvida os princípios doutrinais relativos ao pleno valor da comunhão eucarística recebida apenas sob a espécie do pão, o Concílio autorizou para certos casos a comunhão sob as duas espécies, com a qual, graças a uma apresentação mais clara do sinal sacramental, se dá aos fiéis ocasião oportuna para compreender mais profundamente o mistério em que participam.
Essa explicação que o IGMR nos apresenta não é nova, muito menos foi criada por ele. Já a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, o Sacrosanctum Concilium no número 55 já afirmava a mesma coisa:
55. (...)
A comunhão sob as duas espécies, firmes os princípios dogmáticos estabelecidos pelo Concílio de Trento, pode ser permitida, quer aos clérigos e religiosos, quer aos leigos, nos casos a determinar pela Santa Sé e ao arbítrio do Bispo, como seria o caso dos recém-ordenados na missa da ordenação, dos professos na missa da sua profissão religiosa, dos neófitos na missa pós-batismal.
Pois bem, o documento do Concílio Vaticano II é claríssimo em dizer que “pode ser permitida”, ou seja, não há a instrução de obrigação, mas sim de faculdade dessa permissão. Deixa claro, ainda, que fica ao arbítrio do Bispo, isto é, o Ordinário Local tem toda a autoridade sobre o tema, deixando ao seu arbítrio a possibilidade pastoral do uso da Comunhão em duas espécies.
Apenas para arrematar a questão de já existir normas muito mais antigas quanto a necessidade e possibilidade de se distribuir a comunhão em duas espécies, temos que o Concílio de Trento também já manifestava essa mesma recomendação na Sessão XXI, Doctrina de Communione sub utraque specie et parvulorum, e. 1-3, cân. 1-3: Concilium Trident. ed. cit., t. VIII, pp. 698-699.
O IGMR continua deixando implícito que a comunhão sob duas espécies é possível caso ser pastoralmente aconselhável, tudo sob a tutela do Bispo ou do Pároco:
161. Se a Comunhão é dada sob a espécie do pão somente, o sacerdote mostra a cada um a hóstia um pouco elevada, dizendo: O Corpo de Cristo. Quem vai comungar responde: Amém, recebe o Sacramento, na boca ou, onde for concedido, na mão, à sua livre escolha. O comungante, assim que recebe a santa hóstia, consome-a inteiramente.
Quando a Comunhão se fizer sob as duas espécies, observe-se o rito descrito no lugar próprio.
A interpretação é muito simples: o parágrafo começa afirmando que “a comunhão é dada sob a espécie do pão somente”. Essa expressão deixa claro que á o ato ordinário, comum, normal é a comunhão somente sob a espécie do pão.
No segundo parágrafo fica mais claro ainda que se trata de situação extraordinária a comunhão em duas espécies, caso contrário não afirmaria “quando a comunhão se fizer em duas espécies...”. O “quando” nos remete a posição e eventualidade, isto é, extraordinariedade.
Sob a mesma ótica podemos observar o nº 182 do IGMR:
182. Tendo o sacerdote comungado, o diácono recebe a Comunhão sob as duas espécies do próprio sacerdote e, em seguida, ajuda o sacerdote a distribuir a Comunhão ao povo. Sendo a Comunhão ministrada sob as duas espécies, apresenta o cálice aos comungantes e, terminada a distribuição, consome logo com reverência, ao altar, todo o Sangue de Cristo que tiver sobrado, com a ajuda, se for o caso, dos demais diáconos e dos presbíteros.
191. O acólito legalmente instituído, como ministro extraordinário, pode, se for necessário, ajudar o sacerdote a distribuir a Comunhão ao povo. Se a Comunhão for dada sob as duas espécies, na ausência do diácono, o acólito ministra o cálice aos comungantes, ou segura o cálice, se a comunhão for dada por intinção.
O “sendo” e o “se” remete a posição de eventualidade. Caso contrário a expressão seria alguma outra que nos deixasse claro a obrigatoriedade.
Para regulamentar essa determinação, mais recentemente temos o n. 281 a 287 do IGMR (Instrução Geral do Missal Romano) estabelece todos os procedimentos com relação à comunhão em duas espécies:
281. A Comunhão realiza mais plenamente o seu aspecto de sinal, quando sob as duas espécies. Sob esta forma se manifesta mais perfeitamente o sinal do banquete eucarístico e se exprime de modo mais claro a vontade divina de realizar a nova e eterna Aliança no Sangue do Senhor, assim como a relação entre o banquete eucarístico e o banquete escatológico no reino do Pai.
O nº 281 apenas nos informa que “a Comunhão realiza mais plenamente o seu aspecto de sinal, quando sob as duas espécies”, contudo, não é uma cerimônia mais ou menos melhorada por esse motivo. Explica apenas que o modo de realizar o rito da comunhão em duas espécies ajuda a sintonizar melhor a intenção profunda do sacramento e corresponde mais e melhor à vontade do mesmo Cristo: Tomai e Bebei. Entretanto, em momento algum coloca a obrigatoriedade. Veremos que nos números a seguir é justamente o contrário que acontece.
Para um melhor aprofundamento dessa mesma regra e explicação temos essa mesma Instrução Echaristicum Mysterium da Congregação dos Ritos, nº 32 de 25 de maio de 1967.
Seguindo no IGMR temos:
282. Cuidem os pastores de lembrar, da melhor forma possível, aos fiéis que participam do rito ou a ele assistem, a doutrina católica a respeito da forma da Sagrada Comunhão, segundo o Concílio Ecumênico Tridentino. Antes de tudo advirtam os fiéis de que a fé católica ensina que, também sob uma só espécie, se recebe Cristo todo e inteiro, assim como o verdadeiro sacramento; por isso, no que concerne aos frutos da Comunhão, aqueles que recebem uma só espécie não ficam privados de nenhuma graça necessária à salvação.
Esse número do IGMR pode ser sublinhado em duas partes, portanto vejamos cada uma separadamente.
A primeira parte afirma categoricamente que os pastores devem advertir os fiéis que a comunhão em uma só espécie é comunhão do corpo inteiro de Cristo e não uma só parte.
Em um segundo momento temos a explicação de que aquele que recebe a comunhão somente em uma das espécies não fica privado de nenhuma graça necessária e não difere em anda daquele que recebe a comunhão em duas espécies.
Essa mesma explicação e determinação de advertência por parte dos pastores aos fiéis consta no documento do Concílio Tridentino intitulado Decreto sobre a comunhão eucarística na Sessão XXI, capítulos de 1-3 datado de 16 de julho de 1562, ou seja, não tem nada de novo.
Na sequência diz o IGMR:
283. Além dos casos previstos nos livros rituais, a Comunhão sob as duas espécies é permitida nos seguintes casos:
a) aos sacerdotes que não podem celebrar ou concelebrar o santo sacrifício;
b) ao diácono e a todos que exercem algum ofício na Missa;
c) aos membros da comunidade na Missa conventual ou na Missa chamada "da comunidade", aos alunos dos Seminários, a todos os que fazem exercícios espirituais ou que participam de alguma reunião espiritual ou pastoral.
O Bispo diocesano pode baixar normas a respeito da Comunhão sob as duas espécies para a sua diocese, a serem observadas inclusive nas igrejas dos religiosos e nos pequenos grupos. Ao mesmo Bispo se concede a faculdade de permitir a Comunhão sob as duas espécies, sempre que isso parecer oportuno ao sacerdote a quem, como pastor próprio, a comunidade está confiada, contanto que os fiéis tenham boa formação a respeito e esteja excluído todo perigo de profanação do Sacramento, ou o rito se torne mais difícil, por causa do número de participantes ou por outro motivo.
Contudo, quanto ao modo de distribuir a sagrada Comunhão sob as duas espécies aos fiéis, e à extensão da faculdade, as Conferências dos Bispos podem baixar normas, a serem reconhecidas pela Sé Apostólica.
O nº 283 do IGMR elenca três casos clássicos de permissão para a comunhão em duas espécies, quais sejam: aos sacerdotes que por um motivo ou outro não podem ou não puderam concelebrar a missa; ao diácono que serve à missa e aos que tem ofício naquela missa como os leitores, acólitos e MESC’s.
A letra “c” já possui alguns termos que podem confundir algum desavisado. Quanto à Missa Conventual considero que não qualquer dificuldade em entender que pode haver comunhão em duas espécies em missas celebradas em conventos. “Aos alunos dos Seminários, a todos os que fazem exercícios espirituais ou que participam de alguma reunião espiritual ou pastoral” parece que também não há qualquer dificuldade. O problema está na chamada “missa da comunidade”. Muitas vezes se confunde essa missa com a missa pro populi que deve ser celebrada nas Paróquias em prol da própria comunidade sem intenções especiais (lidas).
Missa da comunidade é aquela dos religiosos de uma comunidade religiosa. Comunidade significa uma casa religiosa. Tanto que se fala em Missa conventual ou Missa da comunidade. Nem toda casa religiosa se chama convento. Se for convento, é conventual a Missa, mas se for religiosa, mas não convento, é Missa da comunidade.
Ademais, nem toda Missa feita na comunidade religiosa ou convento é conventual ou da comunidade. Só a principal, presidida pelo reitor ou alguém por ele designado, com participação dos religiosos assistindo, eventualmente padres em veste coral etc. Dessa forma, essas missas podem ter a comunhão em duas espécies sempre, caso o Ordinário Local assim determine ou o celebrante assim queira.
No mesmo nº 283 do IGMR fica claro que o Bispo tem a faculdade de “baixar normas a respeito da Comunhão sob as duas espécies para a sua diocese” que devem ser observadas por todos, inclusive as ordens religiosas e grupos diversos.
A mesma faculdade é concedida ao Bispo para permitir a Comunhão sob as duas espécies, sempre que isso parecer oportuno ao sacerdote, ou seja, sempre que for pastoralmente viável. Urge salientar que essa é a postura de nossa Diocese.
Por fim, apenas para que fique claro que a Igreja não obriga ninguém a comungar sob duas espécies, o nº 284 do IGMR, em sua parte final afirma:
284. Aos fiéis que, eventualmente, queiram comungar somente sob a espécie de pão, seja-lhes oferecida a sagrada Comunhão dessa forma.
Assim sendo, chega às seguintes conclusões:
a) Nenhum sacerdote é obrigado a oferecer a comunhão em duas espécies a não ser nos momentos em que as regras assim o determinam;
b) Os Bispos têm a faculdade de decretar os momentos e/ou datas em que se deverá distribuir a comunhão em duas espécies em sua Diocese;
c) Os Bispos têm a faculdade de deixar à livre iniciativa pastoral dos sacerdotes a comunhão em duas espécies, desde que fique claro aos fiéis que a comunhão em duas espécies não vale mais do que a comunhão em espécie única;
d) Fiéis leigos que não exercem qualquer ofício na Missa, não têm direito de cobrar a comunhão em duas espécies;
e) Não existe norma para a Igreja Universal determinando que ocorra comunhão em duas espécies nesse ou naquele momento, mas apenas recomendação;
f) A comunhão em única espécie tem registros multiseculares e nunca houve condenação da Igreja sobre essa prática, pelo contrário.
Goiânia, 16 de fevereiro de 2011.
Emanuel de Oliveira Costa Jr.