O Matrimônio Católico, cuja natureza
sacramental foi dogmaticamente selada no Concílio de Trento (Sessão XXIV,
1563), passou por uma redescoberta fundamental no Concílio Vaticano II. Os
documentos conciliares moveram o foco de uma visão estritamente procriativa
para a plena realização da íntima comunhão de vida e de amor. Juridicamente,
isso se traduziu na elevação do Bem dos Cônjuges (Bonum Coniugum) à sua
devida importância.
Esta não é uma mera mudança de
vocabulário, mas a reafirmação de uma verdade teológica central: o Matrimônio é
um caminho específico e poderoso para a Salvação das Almas (Salus Animarum).
Se a Salus Animarum é a lei suprema da Igreja, o Bonum Coniugum é
o instrumento que torna o cônjuge o ministro da santidade do outro.
O amor é uma escolha, não um
sentimento e para entender a profundidade do Bonum Coniugum, é essencial
desmontar o mito do amor como mero sentimentalismo. O Direito Canônico é
categórico e rigoroso: "Amor non facit nuptias" — o sentimento
passional não basta para constituir o casamento. O que o define e sustenta é o consentimento,
o ato de escolha da vontade que se compromete com a vida toda.
O Bonum Coniugum, portanto,
não se sustenta em uma paixão que pode evaporar. Ele é a decisão inabalável de
servir ao outro. É o oposto do sentimento egoísta que pensa: "Eu amo, logo
o meu casamento é válido". O casamento válido exige pensar: "Eu
escolho amar e servir, logo o meu vínculo é indissolúvel e é válido".
Nesta perspectiva, o Matrimônio se
revela o supremo sacramento de serviço. As obrigações essenciais que definem a
união — a ajuda mútua (mutuum adiutorium) e a comunhão de vida (communitatis
vitae) — são a prática diária desse serviço.
A ajuda mútua, por exemplo, não é
apenas auxílio financeiro. É o suporte moral, a escuta ativa, o perdão e o
auxílio na ascensão espiritual do cônjuge. A paciência e a dedicação
demonstradas na partilha das tribulações (a doença, o fracasso, as
dificuldades) deixam de ser meros deveres e se convertem em atos de caridade
sacramental, potencializados pela graça de Cristo. É nessa dinâmica de serviço
constante que o cônjuge se torna o mediador da graça para a salvação do outro.
A relevância do Bonum Coniugum
é sentida de forma dramática nos tribunais eclesiásticos. Quando um juiz
analisa um caso de nulidade por incapacidade psíquica (Cânon 1095), ele não
está perguntando se "o amor acabou". Ele está perguntando: o nubente
possuía a capacidade mínima de prestar este serviço de salvação?
Um indivíduo que vive em um egoísmo
patológico (como o narcisismo crônico), que é psicologicamente incapaz de sair
de si mesmo para fazer a entrega recíproca, é incapaz de colocar o bem do outro
à frente do seu. Ele é incapaz do serviço, incapaz da escolha amorosa e,
consequentemente, incapaz de assumir o Bonum Coniugum. A declaração de
nulidade, nesse caso, não é a dissolução de um fracasso, mas o reconhecimento
de que o projeto de santidade mútua, que é a essência do sacramento, jamais
pôde ser validamente estabelecido pelo consentimento.
O Bonum Coniugum é, assim, a
ponte entre a aliança humana e o Céu. Ele assegura que o Matrimônio cumpra sua
função mais elevada: ser, pela graça de Cristo e pela escolha da vontade, um
auxílio eficaz para que ambos os cônjuges atinjam a Salvação das Almas.
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