terça-feira, 9 de dezembro de 2025

A crise do controle e o princípio da legalidade: uma análise da liminar do STF sobre o impeachment.

A decisão liminar do Ministro Gilmar Mendes, ao suspender trechos da Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment) para restringir a prerrogativa de acionar o rito de impeachment de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) à Procuradoria-Geral da República (PGR) e elevar o quórum de aprovação no Senado para dois terços, configura um dos mais evidentes exemplos do dilema da separação de poderes no Brasil e da necessidade urgente de reforma institucional. A decisão não é apenas uma questão de rito processual; ela representa um ataque à legalidade e ao equilíbrio ético do poder.

O ponto de partida para a crítica reside no Princípio da Legalidade, pedra angular do Estado de Direito. Conforme ensinado por autores basilares do constitucionalismo brasileiro, o primeiro princípio é claro. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma: "Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (Constituição, art. 5º, II).

A Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment), que define o rito, a iniciativa e o quórum, foi promulgada em seu tempo pelo Poder Legislativo. Essa legislação representa o exercício pleno da competência do Congresso para regrar o controle político das mais altas autoridades, incluindo os Ministros do STF.

Ao alterar judicialmente o rito processual estabelecido por essa lei, a liminar invade a esfera exclusiva do Legislativo. Reescrever o quórum de recebimento no Senado e limitar a iniciativa do cidadão são atos que transgridem a função jurisdicional. O Judiciário age como um "legislador positivo" e "negativo" de forma inconstitucional.

Essa intervenção viola frontalmente o Artigo 52, II, da Constituição Federal. Este dispositivo confere ao Senado a competência exclusiva para processar e julgar os Ministros do STF. A Corte, ao ditar as regras do seu próprio controle, usurpa a autoridade do Congresso.

A perspectiva do Direito Natural, trazida por José Pedro Galvão de Sousa, eleva a crítica para o campo da legitimidade ética do poder. Para este autor, o exercício do poder, mesmo que formalmente válido sob a égide do Positivismo Jurídico, deve necessariamente submeter-se a um conjunto de princípios éticos e morais universais intrínsecos à convivência humana.

O ato de o Judiciário blindar-se, alterando unilateralmente as regras de seu próprio controle, é visto como um exercício da vontade soberana do intérprete em detrimento da norma legal estabelecida pelo Legislativo. Galvão de Sousa argumentaria que a lei deve ser justa, e uma decisão que visa a autoproteção institucional do poder, limitando o controle e a fiscalização, carece de ética.

O mecanismo de impeachment serve como a válvula de segurança extrema para garantir que o poder não cometa abusos graves. Ao esvaziá-lo com a restrição da iniciativa ao PGR e o aumento do quórum, o Judiciário se coloca em uma posição de poder absoluto. O poder que se torna inatingível, como criticaria o autor, tende irremediavelmente à arbitrariedade, violando o princípio universal do equilíbrio e da fiscalização.

A decisão, portanto, não é apenas um erro de processo, mas um desvio da finalidade ética da lei e da Constituição. A prerrogativa de acionamento do controle deve pertencer, no limite, ao corpo político e ao povo, e não ser trocada por uma convenção institucionalizada que promove a concentração de poder, em total contrariedade à filosofia do Direito Natural e do Estado de Direito.

Esta crise valida integralmente a urgência das reformas que debatemos. A liminar é o sintoma mais claro da falência do modelo de impeachment político pelo Senado. A lentidão do rito e a sua natureza política incentivam a instituição a ser controlada a buscar a autoblindagem, como a decisão demonstra. O caminho para a restauração do equilíbrio exige reconhecer que, no atual desenho constitucional, o controle político do Judiciário é ineficaz, e a tentativa de autoblindagem por parte da Corte prejudica a Separação dos Poderes e o Princípio da Legalidade vigente. A decisão, em última análise, demonstra que o princípio da autoproteção se sobrepôs à legalidade e ao equilíbrio institucional.