Para fazer uma breve explicação e dissertação sobre a liberdade religiosa como “mãe” de todas as liberdades, vemos que é necessária uma pequena remissão histórica para entender de onde surge a liberdade religiosa que sequer poderia ser imaginada em certas épocas e sociedades da história da humanidade.
Na antiguidade, especialmente antes do cristianismo se tornar
uma religião com possibilidade de livre culto (ano de 313 – Edito de Milão)
dentro do Império romano e mesmo antes disso, tínhamos sociedades que não
entendiam a liberdade religiosa pelo simples fato de que não era possível compreender
uma sociedade que não tivesse como liga a religião para lhe manter e fazer
possível a existência.
A religião era um fenômeno que surgia dentro de uma
determinada sociedade e era propriedade dela. Cada povo tinha seu conjunto de
crenças, deuses e até valores e esses conjuntos caracterizavam e uniam aquela
sociedade. Não havia adesão a religiões. Judeus nasciam judeus e não se
convertiam em judeus, porque não dependiam de adesão, e assim é até hoje.
Romanos de igual forma nasciam romanos e cultuavam os deuses romanos desde já
sem precisar ter uma adesão pessoal.
O cristianismo, através da Igreja Católica é que trouxe ao
mundo essa ideia de adesão religiosa. Com essa ideia, revolucionária, o Estado
ficava de lado, uma vez que a adesão era individual e não precisava de um Estado
ou uma sociedade para garanti-la. A comunidade cristã é o que podemos chamar de
“transétnica”, porque independe de cor, raça, etnia, sexo... basta a adesão
pessoal para que se torne cristão. Os muçulmanos, por exemplo, até hoje não
usam o conceito de adesão, pois aquele que nasce de pais muçulmanos será desde
já registrado como muçulmano sendo considerado traidor se resolver mudar. Nesse
sentido o cristianismo preserva a consciência individual e embate com o poder
político.
Com o desenrolar dos fatos e dos séculos, chagamos à Idade
média em que o regime era o chamado monista, ou seja, um só, não dividindo o
poder temporal do sobrenatural e esse regime permaneceu até a Revolução
Francesa quando a religião passa a ser considerada uma questão interna e não
mais pública. Separou-se a religião da coisa pública. No final do século XIX o
Papa Leão XIII reafirma a intangibilidade dos direitos básicos (repouso
semanal, por exemplo) inaugurando o que hoje chamamos de Doutrina Social da
Igreja. Com isso ele transforma esses direitos em embriões dos direitos humanos
que serão reconhecidos depois, mas que são, também, em outras instâncias de
liberdade religiosa.
No âmbito protestante, temos o pensamento de Kierkegaard,
segundo o qual o cristianismo detesta a intolerância. Sendo o cristianismo a
única e suprema verdade, a intolerância em relação aos outros seria a falência
da cristandade, ou seja, é preciso aceitar toda e qualquer coisa desde que seja
verdade, o que mitiga a intolerância. Para ele era necessário temer a Deus e
honrar o rei.
Até a reforma protestante tínhamos a societas christiana segundo o qual todo o mundo conhecido e cristão
estava reunido em torno de uma única autoridade que era o Papa. Isso mitigava
autoritarismos estatais e ataques frontais a direitos naturais e de natureza divina.
Esse bloco, com a reforma protestante, se quebra. A partir daí não existe mais
uma única autoridade para unir os reinos e cede lugar à diversidade religiosa
com diversas teologias, doutrinas, autoridades etc. A reforma gera conflitos e
divide a Europa politicamente, não só religiosamente.
A divisão segue com um sem número de possibilidades
religiosas, mesmo que todas advindas de um único tronco do cristianismo que era
a Igreja, mas protestando em maior ou menor grau contra ela. Tais diferenças de
pensamento e a quantidade de divisões faz com que seja necessário, com o tempo,
o entendimento de uma tolerância religiosa, pelo menos. Seria já o embrião da
liberdade religiosa que viria daí com o entendimento de que é possível crer no
que a consciência mandar ou ao menos não crer se for o caso.
Também a partir do século XIX surgem os Estados Nacionais que
substituem o império dos cristãos. O primeiro estado Nacional que surge é
Portugal.
Dentro de uma perspectiva histórica, o direito que se
aplicava aos romanos era o ius romanum
e para os demais o ius gentium que,
por sua vez, se torna o direito comum e com os Estados nacionais cede lugar ao ius nacionale. A liberdade religiosa
então surge como elemento fundamental para a harmonia política e social desse
contexto. Por esse motivo a mãe de todos os direitos humanos é a liberdade
religiosa que também é a raiz do direito eclesiástico.
O reconhecimento das normas de direito eclesiástico requer o
reconhecimento desde direito público que é a liberdade religiosa. Sem ela não
há possibilidade de direito eclesiástico nem de direitos humanos como o
conceituamos, uma vez que os ataques religiosos, sem a liberdade religiosa,
seriam imensos, haja vista a diversidade dentro de um mesmo espaço social.
A liberdade religiosa é portanto, o direito de professar uma
fé. É o direito de exercer a fé de forma pública e privada, ou mesmo de não
exercer nada, desde que não ataque pontos centrais e basilares da moral, costumes
e vivência dessa sociedade.
Um comentário:
Importante explicação e muito didática. Grata.
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