quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sacrosanctum Concilium. Parte Sete. Culto público e integral da Igreja e exercício da função sacerdotal de Cristo.


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É incrível a riqueza do documento conciliar Sacrosanctum Concillium. Cada frase, cada parágrafo, pode ser desenvolvido em textos de profundíssima reflexão e verdades incontestáveis da fé que só a Igreja pode proclamar.

O número 7 do documento é relativamente grande sendo composto não por um parágrafo, mas por quatro. O terceiro e o quarto merecem reflexão separada justamente por, mesmo dando continuidade ao que foi dito nos dois anteriores, aprofundarem em um tema obscuro para a maioria dos católicos e negada pelo protestantismo. Aqui falaremos exclusivamente do terceiro parágrafo.

Não podemos afirmar com absoluta certeza se a obscuridade vem devido à negação dos protestantes, uma vez que estamos em uma sociedade protestantizada, ou se o protestantismo veio devido a obscuridade já havida entre os católicos. Não vamos discutir isso porque seria o mesmo que discutir quem veio primeiro o ovo ou a galinha. Na verdade não interessa. Qualquer que seja a origem do problema, a questão é que a falta de formação e entendimento da fé que professa nos leva a protestar contra a nossa própria fé. Antes essa fé fosse somente uma fé particular e inerente a cada ser, não, não é. Trata-se da negação e protesto contra a única fé que traz a verdade consigo, não porque pretende ser a dona da verdade e queira dominar o mundo. Essas acusações sempre vem sem um argumento digno. É a única que traz a verdade consigo porque é a única que o próprio Deus fundou e deixou sob o comando de Pedro Apóstolo (Mt. 16, 18 ss) além de deixar a necessidade de sucessão.

Pois bem, voltando aos dois últimos parágrafos número 7 do documento Sacrosanctum Concillium, temos sua redação nos seguintes termos:

“(...) Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral.”

O parágrafo começa com uma afirmação que pouco se conhece entre os católicos: a missa é o exercício da função sacerdotal de Cristo.

Quando se vê um pastor protestante, qualquer que seja a denominação, presidindo seu culto, ou um rabino ensinando na mesquita, ou um espírita fazendo seus ensinamento ou dando passes em um centro ou terreiro, nenhum deles ousa proclamar-ser representante de Deus ou mais que isso, o próprio Deus.

Que os céus sacudam agora na visão protestante, mas é o que o sacerdote é durante a celebração da missa: o próprio Cristo. Não só ele, mas ele principalmente. Assim, por obviedade que Cristo exerce Sua função sacerdotal, já que Ele mesmo fala na missa, seja nas leituras, seja na consagração e em outros momentos. In persona Christi é o nome que se dá em latim para o fato de o sacerdote falar na missa como que o próprio Deus (Cristo).

Caso não fosse assim, como poderia um mero homem, cheio de pecados, insatisfações, erros e imperfeições fazer o milagre programado de transformar o pão em Cristo? Obviamente que aquelas mãos são consagradas, aquele ser, o sacerdote, não é como nós que não seguimos esse caminho, contudo é Cristo quem consagra através daquele ser, assim como é Cristo que fala através daquele que faz a leitura na missa.

No mesmo parágrafo o documento conciliar continua:

“(...) Nela (na liturgia), os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens;(...)”

Essa verdade continua e sempre continuará sendo absoluta devido o simples fato de ser culto a Deus estabelecido pelo próprio Deus e manutenido pela Igreja.

O mais importante é sempre entender que a Santa Missa é culto agradável a Deus, embora seja Seu próprio sacrifício o que ocorre. Não um outro sacrifício, mas aquele mesmo ocorrido dois milênios atrás. Esse sacrifício vale mais que qualquer sacrifício que possamos fazer, mesmo os martírios já que “no martírio é o ser humano que dá a vida por Deus e na missa é Deus quem dá a vida pela humanidade” (Santo Tomás de Aquino). Esse sacrifício é, também e por esse motivo, o meio de santificação dos homens. A humanidade se beneficia desse sacrifício para se santificar, através de Deus, sempre assim deve ser, e chegar ao próprio Deus, fazendo parte de Seu projeto salvífico.

Importante perceber que faremos parte desse projeto, dessa felicidade, alegria e justiça plenas. Não veremos ou estaremos presentes, mas faremos parte como membros.

É por isso que o documento completa o parágrafo dizendo:

“(...)nela (na liturgia), o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral.”

O Corpo Místico de Cristo justamente é essa Igreja que Ele fundou e deixou aqui na Terra com seus membros distribuídos conforme sua função, necessidade e importância (1Cor 12,4-31).

Outro ponto que passa batido por todos nesse pequeno excerto é o de que a Santa Missa é “culto público integral” prestado a Deus pela Igreja. Ora. Parece óbvio que se diga isso, mas não é.

Inicialmente a grande maioria, a maioria esmagadora das pessoas, católicas ou não, não tem consciência plena de que a Santa Missa é culto a Deus. Ou se tem agem como se não tivessem. Digo isso porque se a Santa Missa é culto a Deus, então a quem devemos agradar nesse culto? Agora me respondam a quem boa parte das pessoas pretende agradar quando tocam músicas dançantes, inventam missas show e fazem teatro nesse momento? Não é a Deus que pretendem agradar, embora tentem mascarar sua errada atitude com esse argumento. O que tentam fazer é agradar o público da Santa Missa. Literalmente “jogam para a torcida”, ou seja, fazem o que for preciso para que aquele espetáculo (a Santa Missa) seja agradável aos seus espectadores (assembleia). Assim deixamos de ter a Santa Missa como culto agradável a Deus para ser culto agradável aos homens.

Outro ponto: a Igreja presta culto a Deus. Esse culto é publico e todos os católicos são chamados, e em certos dias do ano convocados, a participares desse culto. Se é a Igreja que celebra esse culto, e isso é óbvio uma vez que o sacerdote que celebra é, ou deveria ser, sacerdote fidelíssimo à Santa (não pecadora) Igreja, como é possível que sacerdotes e equipes de liturgia queiram mexer, modificar, inventar, criar, diversificar, teatralizar e fazer da missa um verdadeiro carnaval? Isso no mínimo é usurpação. A Santa Missa é culto da Igreja, portanto só ela, a Igreja, poderá mexer no ritual desse culto e mesmo assim não pode mexer em todas as partes uma vez que várias delas fora instituída pelo próprio Cristo.

Por último, temos o ponto de que se trata de culto público e integral. Já entendemos que é culto da Igreja, agora concluímos que é público e integral. O “público” já pode ser entendido no parágrafo acima. Apesar de ser culto da Igreja, é público porque todos os católicos são chamados e/ou convocados para a Santa Missa (Mt 18,20). A palavra “integral” é que deve ser explicada mais a fundo. A missa não é culto que servirá para completar a semana ou para irmos nos encontrar socialmente com os amigos. Muito menos é ocasião de encerramento de grupo de oração ou de encontro. A Santa Missa é um todo, sem partições e o mais importante de tudo o que há. Assim já dizia Santo Agostinho e tantos outros Santos. A Santa Missa não pode ser partida ou repartida, mutilada ou dilatada. A Santa Missa é o que é sem palpites ou intervenções alheias. A Santa Missa é culto integral por que abre e fecha todo um ciclo ritual.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Entrevista com Irmã Carmelita sobre o significado da clausura.


Presas pelo amor a Deus, à Igreja, e em oração contínua pelos nossos irmãos
Entrevista com carmelita descalça, Irmã Maria Teresa de Jesus, ocd
Por Thacio Siqueira

BRASíLIA, 25 de Janeiro de 2013 (Zenit.org) - O mundo as vê como loucas, a sua “loucura”, porém, é o coração da Igreja. As suas orações sustentam e dão vida à Igreja de Cristo. São as esposas amadas do Esposo. Essas são as carmelitas. Para entrar nesse mundo desconhecido por muitos católicos, ZENIT conversou com a Irmã Maria Teresa de Jesus, ocd, do carmelo da Sagrada Família em Pouso Alegre (MG).
Publicamos a entrevista a seguir:

 ZENIT: O que faz com que uma pessoa entre na vida monástica? Qual o sentido da vida monástica hoje?

Irmã Maria: Uma pessoa pode procurar a vida monástica por cansaço do barulho do mundo ou pela busca de um refúgio. São motivos que devem ser retificados ao longo da caminhada inicial da pessoa, pois do contrário, ela não suportará este tipo de vida. O que deve mover uma pessoa – a única coisa que lhe dá base sólida para viver num mosteiro cristão –  é um grande amor: um imenso amor por Deus e pelo ser humano, pois o sentido da vida monástica, hoje e sempre, é a doação de si a Deus e aos irmãos, na vida de oração, silêncio, comunhão fraterna e abnegação evangélica. Se uma pessoa não crê nestes valores e na comunhão dos santos, pela qual seus atos, em união a Cristo, podem ajudar a toda a humanidade, sua vida não terá sentido. Monástico, mosteiro, derivam da palavra grega monos, que significa um, único. É a busca do “único necessário”, do qual Jesus nos fala em Lc 10,42.

ZENIT: Fale-nos um pouco do seu mosteiro.

Irmã Maria: Nosso Mosteiro pertence à Ordem da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, família religiosa que mergulha suas raízes na Bíblia com o Profeta Elias e na tradição que viu nascer sua Regra destinada aos primeiros ermitães do Monte Carmelo. Seu carisma chega à maturidade com Teresa de Jesus e João da Cruz, os dois doutores da Igreja, e dá frutos abundantes de santidade em nossos dias. A tradição alimentada por esta longa experiência mística constitui o patrimônio pedagógico que caracteriza o Carmelo. A presença da Virgem Maria, Rainha, Mãe e Irmã dos (das) Carmelitas impregna totalmente  a vida carmelitana, e confere uma marca mariana particular à contemplação e à comunhão fraterna, a abnegação evangélica e ao espírito apostólico. Nosso lema é :-“Carmelus totus marianus est” - O Carmelo é todo de Maria”.

Nosso mosteiro, o Carmelo da Sagrada Família, situado em Pouso Alegre, MG, foi fundado em 26/10/1943, pela Serva de Deus Maria Imaculada da Ssma. Trindade, em Processo de Canonização, e por D. Delfim Ribeiro Guedes, na época, Cônego, e depois, Bispo de Leopoldina, MG. Portanto, neste ano, completamos 70 anos de existência. Uma existência muito simples, marcada pela fé e pelo amor fraternal – única coisa que nossa fundadora –  chamada por nós e pelos que a conheceram de “Mãezinha” –, pediu a Deus no dia de sua fundação. Procuramos viver o carisma teresiano-sanjusanista em profunda comunhão com a Igreja e a humanidade, em suas necessidades, lutas, alegrias e esperanças. Nosso Carmelo conta com 22 Irmãs enclausuradas e quatro Irmãs Externas, de  87 a 22 anos de idade. Vivemos da Providência Divina, através de doações espontâneas de algumas pessoas e dos trabalhos feitos pelas Irmãs, como paramentos, alfaias, velas e outros trabalhos artesanais, e pães, biscoitos, roscas, e panetones.

ZENIT: Para o mundo, vocês estão presas e estão perdendo a vida. É assim mesmo?

Irmã Maria: Sim! Presas pelo amor a Deus, à Igreja, e em oração contínua pelos nossos irmãos, e perdendo a vida no sentido evangélico de “quem quiser salvar sua vida, vai perdê-la, mas quem perdê-la por causa de Cristo, vai achá-la.” (Cf. Mt 10, 39)

Assim como São João, no prólogo de seu Evangelho, diz que a Luz veio ao mundo, mas não foi compreendida, da mesma forma temos consciência de que o mundo não entende nossa maneira de viver, pois geralmente carece de fé, e como entender – sem fé –, que pessoas “normais”, jovens muitas vezes inteligentes, bonitas e saudáveis queiram enclausurar-se e viver somente para Deus, sem se casar e sem desenvolver nenhuma atividade beneficente ou produtiva (em sentido material, quantitativo)? Somos conscientes de que muitas pessoas nos classificam como loucas, ou no mínimo, neuróticas. Mas é uma feliz “loucura”: a de vender tudo para lucrar a Pérola Preciosa, o Tesouro Escondido: o próprio Deus, e ter a graça de reviver em nós o Mistério pascal de Cristo, com Ele, Nele e por Ele.

ZENIT: O que tem significado Bento XVI para a espiritualidade monacal?

Irmã Maria: Nosso querido e amado Papa tem um grande sentido para nós, por ser o Cristo visível, o nosso Pastor. Mais importante que trazer em seu nome a memória do pai do monaquismo ocidental – São Bento – ele é uma pessoa que aponta constantemente para o “monos” referido acima, o Único necessário: Jesus Cristo.  Aponta para as feridas do nosso tempo  - a nível pessoal e coletivo -, e para a única maneira de saná-las: assumindo o projeto de vida que Cristo veio nos ensinar. Repete-nos sempre que Ele,Jesus, é um “ser-para-os-outros” e que, vivendo identificados com Cristo é que seremos testemunhas de que o amor verdadeiro é possível, e que ele tem a palavra final.

ZENIT: A vida de oração é muito complicada?

Irmã Maria: A vida de oração é tão simples quanto respirar. A vida de oração é um retornar à Fonte de nosso ser, e viver depende Dela, conectada a Ela, bebendo Dela. É ter consciência de que Deus habita em nós e viver cada instante, cada atividade com Ele. A coisa se complica quando deixamos que o egoísmo tome posse de nós, mascare nossos desejos de dominação e posse, e faça com que a “oração” seja um olhar para nós mesmos e nosso pequeno horizonte, em vez de ter a consciência e a alegria de sabermos que o olhar de Deus pousa constantemente sobre nós e vivermos deste Olhar.

ZENIT: Há paz detrás dessas grades ou muros?

Irmã Maria: Edith Stein, filósofa judia, convertida ao Catolicismo e depois, monja carmelita, em suas cartas sempre fala e deseja repartir o que ela chama de “paz conventual”. É a “paz que ultrapassa todo pensamento”, como diz São Paulo, e que, de forma invisível, irriga o mundo. Sim, aqui há paz, mas desde que busquemos em tudo a vontade de Deus e, como Jesus, ela seja o nosso alimento.

ZENIT: Qual é a essência de um consagrado?

Irmã Maria: O amor, porque Deus é Amor, e Ele nos amou primeiro. A essência da consagração é o mesmo movimento de doação de Deus por cada um de nós: assim como Ele nos amou, e se entregou por nós, assim procuramos amá-Lo e entregar-nos a Ele: totalmente.

ZENIT: Vocês fazem algum trabalho apostólico? Como se preparam para a JMJ 2013?

Irmã Maria: De forma externa, não. Nosso trabalho apostólico consiste essencialmente na oração. Santa Teresinha dizia: “No coração da Igreja, minha Mãe, serei o amor!”Isto resume nosso apostolado. Da mesma forma como o coração bombeia o sangue por todo o organismo, da mesma forma como uma central hidrelétrica distribui energia por quilômetros, assim é a vida consagrada contemplativa no mundo. Desde o início, vibramos com a JMJ no Brasil, e ela está constantemente presente em nossa oração e sacrifícios.

ZENIT: Qual é a espiritualidade que vocês seguem?

Irmã Maria: A espiritualidade carmelitana-teresiana-sanjuanista, que busca equilibrar a vida eremítica e comunitária, alternando tempos de oração silenciosa e individual com a comunitária, e o trabalho silencioso (é silêncio o dia todo), com os momentos diários de recreio ( dois únicos momentos em que podemos conversar, todas juntas:- uma hora após o almoço e uma hora após o jantar, sempre tendo em mãos um trabalhinho manual.)  Uma espiritualidade que busca a união com Deus, vivendo em amizade com Cristo e intimidade com Maria Santíssima, onde oração e imolação fundem-se vivamente com um grande amor à Igreja, como dizem nossas Constituições.

ZENIT: Como os leitores de ZENIT podem ajudar o mosteiro de vocês?

Irmã Maria: Rezando por nós, para que sejamos fiéis ao nosso carisma. E, se puderem e quiserem, ajudando-nos financeiramente. Banco do Brasil - Ag: 0368-9 - C/C: 13.745-6.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Catequeses do Ano da Fé. As etapas da Revelação


PAPA BENTO XVIAUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012

O Ano da Fé. As etapas da Revelação

Queridos irmãos e irmãs,

Na catequese passada falei da Revelação de Deus, como comunicação que Ele faz de Si mesmo e do seu desígnio de benevolência e de amor. Esta Revelação de Deus insere-se no tempo e na história dos homens: história que se torna «o lugar onde podemos constatar a obra de Deus em favor da humanidade. Ele vem ter connosco, servindo-se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de verificar, ou seja, o nosso contexto quotidiano, fora do qual não conseguiríamos entender-nos» (João Paulo II, Encíclica Fides et ratio, 12).

O evangelista são Marcos — como ouvimos — cita com termos claros e sintéticos, os momentos iniciais da pregação de Jesus: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo» (Mc 1, 15). O que ilumina e dá sentido pleno à história do mundo e do homem começa a resplandecer na gruta de Belém; é o Mistério que contemplaremos daqui a pouco, no Natal: a salvação que se realiza em Jesus Cristo. Em Jesus de Nazaré Deus manifesta o seu rosto e pede a decisão do homem de o reconhecer e seguir. O revelar-se de Deus na história, para entrar em relação de diálogo de amor com o homem, dá um novo sentido a todo o caminho humano. A história não é um simples suceder-se de séculos, anos e dias, mas é o tempo de uma presença que lhe confere pleno significado, abrindo-a a uma esperança sólida.

Onde podemos ler as etapas desta Revelação de Deus? A Sagrada Escritura é o lugar privilegiado para descobrir os acontecimentos deste caminho, e gostaria — mais uma vez — de convidar todos, nestes Ano da fé, a tomar nas mãos mais frequentemente a Bíblia para a ler e meditar, e a prestar maior atenção às Leituras da Missa dominical; tudo isto constitui um alimento precioso para a nossa fé.

Lendo o Antigo Testamento podemos ver que as intervenções de Deus na história do povo que Ele escolhe para Si e com o qual estabelece aliança não são eventos que passam e caem no esquecimento, mas tornam-se «memória», constituem juntos a «história da salvação», conservada viva na consciência do povo de Israel através da celebração dos acontecimentos salvíficos. Assim, no Livro do Êxodo o Senhor indica a Moisés que celebre o grande momento da libertação da escravidão do Egipto, a Páscoa judaica, com estas palavras: «Conservareis a memória daquele dia, celebrando-o com uma festa em honra do Senhor: fareis isso de geração em geração, pois é uma instituição perpétua» (12, 14). Para todo o povo de Israel, recordar o que Deus realizou torna-se uma espécie de imperativo constante, para que o transcorrer do tempo seja marcado pela memória viva dos acontecimentos passados, que assim formam, dia após dia, de novo a história e permanecem presentes. No Livro do Deuteronómio, Moisés dirige-se ao povo, dizendo: «Cuida de nunca esqueceres o que viste com os teus olhos, e toma cuidado para que isso nunca saia do teu coração, enquanto viveres; e ensina-o aos teus filhos, e aos filhos dos teus filhos» (4, 9). E assim diz também a nós: «Cuida de nunca esqueceres o que Deus fez por nós». A fé é alimentada pela descoberta e pela memória do Deus sempre fiel, que guia a história e constitui o fundamento seguro e estável sobre o qual apoiar a própria vida. Também o cântico do Magnificat, que a Virgem Maria eleva a Deus, é um exemplo excelso desta história da salvação, desta memória que torna e mantém presente o agir de Deus. Maria exalta o agir misericordioso de Deus no caminho concreto do seu povo, a fidelidade às promessas de aliança feitas a Abraão e à sua descendência; e tudo isto é memória viva da presença divina que nunca esmorece (cf. Lc 1, 46-55).

Para Israel, o Êxodo é o evento histórico central em que Deus revela o seu agir poderoso. Deus liberta os israelitas da escravidão do Egipto, para que possam regressar à Terra prometida e adorá-lo como Senhor único e verdadeiro. Israel não se põe a caminho para ser um povo como os outros — para ter também ele uma independência nacional — mas para servir Deus no culto e na vida, a fim de criar para Deus um lugar onde o homem lhe é obediente, onde Deus está presente e é adorado no mundo; e, naturalmente, não só para eles, mas para o testemunhar no meio dos outros povos. Celebrar este evento é torná-lo presente e actual, porque a obra de Deus não desfalece. Ele é fiel ao seu desígnio de libertação e continua a persegui-lo, a fim de que o homem possa reconhecer e servir o seu Senhor e responder com fé e amor ao seu agir.

Portanto, Deus revela-se não só no gesto primordial da criação, mas entrando na nossa história, na história de um pequeno povo que não era o mais numeroso, nem o mais forte. E esta Revelação de Deus, que continua na história, culmina em Jesus Cristo: Deus, o Logos, a Palavra criadora que está na origem do mundo, encarnou em Jesus e mostrou o verdadeiro rosto de Deus. Em Jesus realizam-se todas as promessas, nele culmina a história de Deus com a humanidade. Quando lemos a narração dos dois discípulos a caminho de Emaús, escrita por são Lucas, vemos como sobressai de modo claro que a pessoa de Cristo ilumina o Antigo Testamento, toda a história da salvação, e mostra o grande desígnio unitário dos dois Testamentos, indica o caminho da sua unicidade. Com efeito, Jesus explica aos dois viandantes confusos e decepcionados, que Ele é o cumprimento de todas as promessas: «E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se fora dito em todas as Escrituras» (24, 27). O evangelista cita a exclamação dos dois discípulos depois de ter reconhecido que aquele companheiro de viagem era o Senhor: «Não ardia o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» (v. 32).

Catecismo da Igreja Católica resume as etapas da Revelação divina, indicando sinteticamente o seu desenvolvimento (cf. nn. 54-64): Deus convidou o homem desde os primórdios a uma comunhão íntima consigo, e até quando o homem, pela sua própria desobediência, perdeu a sua amizade, Deus não o quis abandonar ao poder da morte, mas ofereceu muitas vezes aos homens a sua aliança (cf. Missal Romano, Oração eucarística IV). O Catecismo repercorre o caminho de Deus com o homem, desde a aliança com Noé depois do dilúvio, até à chamada de Abraão, a sair da sua terra para fazer dele pai de uma multidão de povos. Deus forma Israel como seu povo, através do evento do Êxodo, a aliança do Sinai e o dom, por meio de Moisés, da Lei para ser reconhecido e servido como o único Deus vivo e verdadeiro. Com os profetas, Deus guia o seu povo na esperança da salvação. Conhecemos — através de Isaías — o «segundo Êxodo», o regresso do exílio da Babilónia para a própria terra, a refundação do povo; mas ao mesmo tempo, muitos permanecem na dispersão e assim tem início a universalidade desta fé. No final, já não se espera apenas um rei, David, um filho de David, mas um «Filho do homem», a salvação de todos os povos. Realizam-se encontros entre as culturas, primeiro com a Babilónia e a Síria, depois também com a multidão grega. Assim vemos como o caminho de Deus se amplia, se abre cada vez mais para o Mistério de Cristo, Rei do universo. Em Cristo realiza-se finalmente a Revelação na sua plenitude, o desígnio de benevolência de Deus: Ele mesmo faz-se um de nós.

Detive-me a fazer memória do agir de Deus na história do homem, para mostrar as etapas deste grande desígnio de amor testemunhado no Antigo e no Novo Testamento: um único desígnio de salvação dirigido à humanidade inteira, progressivamente revelado e realizado pelo poder de Deus, onde Deus reage sempre às respostas do homem e encontra novos inícios de aliança quando o homem se perde. Isto é fundamental no caminho de fé. Estamos no tempo litúrgico do Advento, que nos prepara para o Santo Natal. Como todos nós sabemos, o termo «Advento» significa «vinda», «presença», e no passado indicava precisamente a chegada do rei ou do imperador a uma determinada província. Para nós, cristãos, esta palavra indica uma realidade maravilhosa e impressionante: o próprio Deus cruzou o seu Céu e debruçou-se sobre o homem; estabeleceu uma aliança com ele, entrando na história de um povo; Ele é o rei que desceu nesta pobre província que é a terra e concedeu-nos a sua visita assumindo a nossa carne, tornando-se homem como nós. OAdvento convida-nos a repercorrer o caminho desta presença e recorda-nos sempre de novo que Deus não saiu do mundo, não está ausente, não nos abandonou a nós mesmos, mas vem ao nosso encontro de vários modos, que devemos aprender a discernir. E também nós, com a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade, somos chamados todos os dias a divisar e testemunhar esta presença no mundo muitas vezes superficial e distraído, e a fazer resplandecer na nossa vida a luz que iluminou a gruta de Belém. Obrigado!


Saudação

Queridos peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! Possa a preparação para o Natal, neste tempo do Advento, vos recordar que Deus vem ao encontro de cada ser humano. Meditai a Palavra de Deus, precioso alimento da vossa fé, para assim resplandecer nas vossas vidas a luz de Cristo que iluminou a gruta de Belém. Que Ele vos abençoe!

sábado, 19 de janeiro de 2013

Divagando sobre o sofrimento. Quarta parte. Tristeza, dom de Deus.



Dia desses, lendo um pouco sobre o sofrimento, me deparei com a seguinte frase que não encontrei autor:

A tristeza é dom de Deus. No início Deus deu esse dom para o homem, para quando ele ficasse triste ele voltasse para a verdadeira felicidade. Deus ama tanto o homem que ele jamais quer perdê-lo.

O sofrimento é sentimento e estado muito questionado pelo homem desde o princípio. Obviamente que não entendido pela maioria e manipulado por alguns para atacar Deus. A ideia é simples: a partir do momento que somos criaturas e Deus é O Criador, a partir do momento em que Deus é onipotente e onisciente, impossível não chegar à óbvia conclusão de Deus não é bom pelo simples fato de que sofremos.

Não é uma sequência difícil de seguir, pense bem: Deus em Sua onipotência pode acabar com o sofrimento, mas não acaba. Deus em Sua onisciência sabe que iremos sofrer, mas não usa Sua onipotência para acabar com esse sofrimento e nos deixa sofrer. Se Deus nos permite o sofrimento, fica muito claro que Deus não é bom. Se Deus não é bom como afirmam as religiões, então elas são falíveis. Se são falíveis podem estar errando inclusive quanto a existência desse Deus que dizem ser bom, mas não é porque permite o sofrimento. Simples, não?

A sequência falaciosa que fiz acima é repetida inúmeras vezes de forma mais rebuscada, obviamente, para fisgar os desavisados e armar os mais espertinhos que querem ter munição contra a religião. Isso, falemos de religião como um todo para depois irmos para a Igreja Católica que é o que interessa aqui.

Voltando à frase destacada acima, temos que é difícil para cada um de nós termos um Deus que nos dá um dom da tristeza. Porque Deus quereria que sofrêssemos? Porque Deus quereria que nos entristecêssemos?

O sofrimento é dom. Entender isso é condição indispensável para entender Deus e o catolicismo (agora sim, vamos a ele).

Deus morreu para nos salvar. Deus não ressuscitou para nos salvar. O que celebramos na missa, por exemplo, é a memória da ressurreição e a verdadeira crucificação de Cristo. Não outra crucificação, mas a mesma que Ele sofreu a mais de dois mil anos. Entender isso depende de um estudo do tempo que Santo Agostinho faz primordialmente em sua obra eterna e autobiográfica intitulada Confissões, mais especificamente no livro XI.

Pois bem, quando Cristo morreu para nos salvar, morreu com extremo sofrimento. Já se perguntaram por que Cristo tinha que sofrer tanto para nos salvar sendo que a onipotência de Deus permite que bastaria Sua vontade para que todos fôssemos salvos? Pois então, houve um motivo para que Cristo tanto sofresse na Cruz (ler artigo Jesus tinha que morrer para nos salvar? Porque?). Esse motivo, resumidamente, era simples: pelo sofrimento se paga a pena temporal pelos pecados cometidos. Diria o incrédulo agora mesmo: mas vocês crentes (eles não perdem a mania de chamar assim achando que é pejorativo) não consideram que Deus é perfeito? Então como poderia ele ter que pagar temporalmente pelos pecados cometidos? Se pensaram assim, por favor, usem um pouquinho da massa cinzenta tão esquecida nesse seu cérebro. Acabamos de dizer que Ele morreu para nos salvar, por obviedade que o sofrimento de Cristo foi o pagamento pelo pecado temporal da humanidade, não Dele que não tinha, não tem nem e nunca terá pecado algum justamente por ser Deus.

É nesse ponto que bifurcam o catolicismo e o protestantismo, seja ele de qual das cinquenta milhões de denominações for. Pensam muitos que Cristo morrendo na Cruz, com tal e qual sofrimento, pagando temporalmente por nossos pecados, nos salvou definitivamente e daqui pra frente basta crer para garantir a definitiva salvação.

Agora preciso confessar uma coisa: nunca entendi porque essa salvação por simples crença em Cristo só atinge denominações protestantes (segundo eles, claro). Se basta crer para ser salvo, porque ir à cultos? Porque o católico não está salvo, já que crê? Bom, mas ai já é outra história e outro artigo.

Voltando ao tema, Cristo pagou pelos pecados temporalmente através do Seu sofrimento sim, contudo não foram os meros pecados que cometemos todo dia liberando-nos a cometê-los daqui pra frente com a salvação garantida. Nada disso! Cristo pagou temporalmente com Seu sofrimento pelos pecados, mas não para toda a humanidade (nisso os protestantes seguem o catolicismo), pagou os pecados para aqueles que O aceitam. A partir daí não quer dizer que são só flores.

A grande questão é que todo pecado vem da vontade de ser Deus. Explico! A partir do momento que você pretender ir contra a lei de Deus, que é Criador, você está pecando indo contra as leis sob as quais fomos criados. Quando um engenheiro concebe um relógio para não ser molhado, se você vai contra as leis do criador daquele projeto e enfia o relógio em um tanque, simplesmente você corrompe com aquela criação. Quem estabelece as leis para a criação é o criador. Acho que ficou bem claro!

O pecado, então, é a vontade de ser o Criador, isso porque você pretende mudar as leis daquela criação, no caso nós mesmos. O pecado original, claramente foi isso. Adão e Eva comeram o fruto proibido (que não era necessariamente uma maça) não porque estavam com fome ou se esqueceram da lei, mas porque queriam conhecer tanto quanto ou mais que Deus (Gn 3, 5). Esse pecado foi tão grande que pena temporal alguma, de homem algum, martírio algum de qualquer que fosse o ser humano ou de uma legião de seres humanos poderia pagar. O pecado foi de tal amplitude que só o sofrimento do próprio Deus poderia pagar por tamanha petulância da própria humanidade. Eis ai um Deus tão bom que permite a própria humilhação se tornando humano e depois o sofrimento extremo para salvar a humanidade que O renega até hoje.

A partir desse dia, a partir do dia em que Deus sofre na Cruz um sofrimento aterrorizante, Ele nos abre as portas dos céus para que, aceitando-O possamos seguir Seus passos e não só ganhar o reino dos céus, mas fazer parte, intimamente, desse plano salvífico como membros em profunda unidade.

Para chegar a tanto precisamos merecer. Cristo nos abre essa oportunidade quando sofre e morre por nós na Cruz. Devemos fazer a nossa parte a partir de agora. Continuamos pecadores e continuamos a ser o soldado que finca a lança no lado de Cristo quando pecamos, contudo agora temos a possibilidade do perdão através de um profundo e verdadeiro arrependimento que vem após um não menos profundo exame de consciência. Só isso? Não. Após isso a confissão com um sacerdote, a absolvição e a penitência que é justamente um pequeno tipo de pagamento pela pena temporal, afinal toda criança quando desobedece precisa de um pequeno “sermão”, castigo ou até uma palmada para lembrar temporalmente que aquele erro não deve mais ser cometido.

Ai está o sofrimento e o porquê dele. O sofrimento nada mais é do que Deus nos dando a palmada necessária para que possamos, como acontece com os pais em relação aos filhos, nos ajudar a crescer como pessoas realmente dignas da bondade desse Deus que morre por nós.

É assim que a tristeza, motivo desse artigo e centro da citação acima, é dom. A tristeza é dom porque leva ao sofrimento. Esse sofrimento deve ser elevado e oferecido a Deus, a verdadeira e única felicidade, para ser convertido em pena temporal e salvação das almas: a sua e do resto da humanidade.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Catequeses do Ano da Fé. Deus revela o seu "desígnio de benevolência".


AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 5 de Dezembro de 2012


O Ano da Fé. Deus revela o seu "desígnio de benevolência"

Queridos irmãos e irmãs,
No início da sua Carta aos cristãos de Éfeso (cf. 1, 3-14), o apóstolo Paulo eleva uma prece de bênção a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos introduz na vivência do tempo de Advento, no contexto do Ano da fé. O tema deste hino de louvor é o projeto de Deus a respeito do homem, definido com termos repletos de alegria, de enlevo e de ação de graças, como um «desígnio de benevolência» (v. 9), de misericórdia e de amor.

Por que motivo o Apóstolo eleva a Deus, do profundo do seu coração, esta bênção? Porque vê o seu agir na história da salvação, culminado na encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e contempla como o Pai celeste nos escolheu ainda antes da criação do mundo, para sermos seus filhos adotivos. No seu Filho Unigênito, Jesus Cristo (cf. Rm 8, 14s.; Gl 4, 4 s.). Nós existimos desde a eternidade na mente de Deus, num grande desígnio que Deus conservou em si mesmo e que decidiu pôr em prática e revelar «na plenitude dos tempos» (cf. Ef 1, 10). Por conseguinte, são Paulo faz-nos compreender como toda a criação e, de modo particular, o homem e a mulher, não são fruto do acaso, mas correspondem a um desígnio de benevolência da razão eterna de Deus que, com o poder criador e redentor da sua Palavra, dá origem ao mundo. Esta primeira afirmação recorda-nos que a nossa vocação não consiste simplesmente em existir no mundo, em sermos inseridos numa história, e nem sequer apenas em sermos criaturas de Deus; é algo ainda maior: é o facto de termos sido escolhidos por Deus, ainda antes da criação do mundo, no seu Filho Jesus Cristo. Portanto nele nós existimos — por assim dizer — desde sempre. Deus contempla-nos em Cristo, como filhos adotivos. O «desígnio de benevolência» de Deus, que é qualificado pelo Apóstolo como «desígnio de amor» (Ef 1, 5), é definido «o mistério» da vontade divina (cf. v. 9), escondido e agora manifestado na Pessoa e na obra de Jesus Cristo. A iniciativa divina precede toda a resposta humana: trata-se de um dom gratuito do seu amor, que nos envolve e nos transforma.

Mas qual é a finalidade derradeira deste desígnio misterioso? Qual é o centro da vontade de Deus? É aquele — diz-nos são Paulo — de «reconduzir a Cristo, única Cabeça, todas as coisas» (v. 10). Nesta expressão nós encontramos uma das formulações fulcrais do Novo Testamento, que nos fazem compreender o desígnio de Deus, o seu projeto de amor pela humanidade inteira, uma formulação que, no século II, santo Ireneu de Lião inseriu como núcleo da sua cristologia: «recapitular» toda a realidade em Cristo. Talvez alguns de vós se recordem da fórmula utilizada pelo Papa São Pio x, para a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus: «Instaurare omnia in Christo», fórmula que se inspira nesta expressão paulina e que era também o lema daquele santo Pontífice. No entanto, o Apóstolo fala mais precisamente de recapitulação do universo em Cristo, e isto significa que no grande desígnio da criação e da história, Jesus Cristo eleva-se como centro de todo o caminho do mundo, eixo principal de tudo, que atrai a si toda a realidade, para superar a dispersão e o limite, e reconduzir tudo à plenitude desejada por Deus (cf.Ef 1, 23).

Este «desígnio de benevolência» não permaneceu, por assim dizer, no silêncio de Deus, na altura do seu Céu, mas fê-lo conhecer entrando em relação com o homem, ao qual não revelou apenas algo, mas revelou-se a si mesmo. Ele não comunicou simplesmente um conjunto de verdades, mas comunicou-se a si mesmo, a ponto de se fazer um de nós, até se encarnar. O Concílio Ecumênico Vaticano II na Constituição dogmática Dei Verbum diz: «Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo [não apenas a algum aspecto de si, mas a Ele próprio] e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1, 9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e tornam-se participantes da natureza divina» (n. 2). Deus não só diz algo, mas comunica-se a si mesmo, atrai-nos na natureza divina, de tal modo que nós somos envolvidos nela, que somos divinizados. Deus revela o seu grande desígnio de amor, entrando em relação com o homem, aproximando-se dele a ponto de se fazer Ele mesmo homem. O Concílio acrescenta: «Deus invisível... na riqueza do seu amor fala aos homens como a amigos (cf. Êx 33, 11; Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Br 3, 38) para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (Ibidem). Unicamente com a sua inteligência e com as suas capacidades, o homem não teria podido alcançar esta revelação tão luminosa do amor de Deus; foi Deus que abriu o seu Céu e se humilhou para orientar o homem rumo ao abismo do seu amor.

São Paulo escreve ainda aos cristãos de Corinto: «Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou... tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam. Todavia, Deus no-las revelou pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus» (1 Cor 2, 9-10). E são João Crisóstomo, numa célebre página de comentário do início da Carta aos Efésios, convida a saborear toda a beleza deste «desígnio de benevolência» de Deus revelado em Cristo, com as seguintes palavras: «O que te falta? Tornaste-te imortal, tornaste-te livre, tornaste-te filho, tornaste-te justo, tornaste-te irmão, tornaste-te co-herdeiro; reinas com Cristo e com Cristo és glorificado. Tudo nos foi doado e — como está escrito — «como não nos dará também com Ele todas as coisas?» (Rm 8, 32). As tuas primícias (cf. 1 Cor 15, 20.23) são adoradas pelos anjos [...]: o que é que te falta?» (pg 62, 11).

Esta comunhão em Cristo, por obra do Espírito Santo, oferecida por Deus a todos os homens com a luz da Revelação, não é algo que vem a sobrepor-se acima da nossa humanidade, mas constitui o cumprimento das aspirações mais profundas, daquele desejo de infinito e de plenitude que se abriga no íntimo do ser humano, abrindo-o a uma felicidade não momentânea nem limitada, mas eterna. São Boaventura de Bagnoregio, referindo-se a Deus que se revela e nos fala através das Sagradas Escrituras para nos conduzir a Ele, faz a seguinte afirmação: «A Sagrada Escritura é [...] o livro no qual estão escritas palavras de vida eterna para que não apenas acreditemos, mas também possuamos a vida eterna, na qual veremos, amaremos e serão realizados todos os nossos desejos» (Breviloquium, Prol.; Opera Omnia vv. 201 s.). Finalmente, o Beato Papa João Paulo ii recordava que «a Revelação coloca dentro da história um ponto de referência de que o homem não pode prescindir, se quiser chegar a compreender o mistério da sua existência; mas, por outro lado, este conhecimento apela constantemente para o mistério de Deus que a mente não consegue abarcar, mas apenas receber e acolher na fé» (Encíclica Fides et ratio, 14).

Nesta perspectiva, o que é portanto o acto da fé? É a resposta do homem à Revelação de Deus, que se faz conhecer, que manifesta o seu desígnio de benevolência; é, para utilizar uma expressão agostiniana, deixar-se conquistar pela Verdade que é Deus, uma Verdade que é Amor. Por isso, são Paulo ressalta que é a Deus, que revelou o seu mistério, que se deve «a obediência da fé» (Rm16, 26; cf. 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), a atitude mediante a qual «o homem se entrega total e livremente a Deus, oferecendo a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade... e prestando voluntário assentimento à sua revelação» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Tudo isto leva a uma mudança fundamental no modo de se relacionar com toda a realidade; tudo aparece numa luz nova; por conseguinte, trata-se de uma verdadeira «conversão», pois a fé consiste numa «mudança de mentalidade», porque o Deus que se revelou em Jesus Cristo e faz conhecer o seu desígnio de amor, conquista-nos, atrai-nos e torna-se o sentido que sustém a vida, a rocha sobre a qual ela pode encontrar estabilidade. No Antigo Testamento encontramos uma densa expressão sobre a fé, que Deus confia ao profeta Isaías a fim de que a comunique ao rei de Judá, Acaz. Deus afirma: «Se não acreditardes — ou seja, se não permanecerdes fiéis a Deus — não conseguireis subsistir» (Is 7, 9b). Portanto, existe um vínculo entre o estar e o compreender, que expressa bem o modo como a fé é um acolher na própria vida a visão de Deus sobre a realidade, deixar que seja Deus a orientar-nos com a sua Palavra e os seus Sacramentos para compreendermos o que devemos realizar, qual é o caminho que devemos percorrer, como havemos de viver. Mas ao mesmo tempo, é precisamente o compreender em conformidade com Deus, o ver com os seus olhos, que torna a nossa vida estável, que nos permite «permanecer de pé» e não cair.

Estimados amigos, o Advento, o tempo litúrgico ao qual há pouco demos início e que nos prepara para o Santo Natal, coloca-nos diante do mistério luminoso da vinda do Filho de Deus, do grandioso «desígnio de benevolência» com o qual Ele deseja atrair-nos a si, para nos fazer viver em plena comunhão de alegria e de paz com Ele. O Advento convida-nos mais uma vez, no meio de tantas dificuldades, a renovar a certeza de que Deus está presente: Ele entrou no mundo, fazendo-se um de nós, para levar à plenitude o seu plano de amor. E Deus pede-nos que, também nós, nos tornemos um sinal da sua obra no mundo. Através da nossa fé, da nossa esperança e da nossa caridade, Ele quer entrar no mundo sempre de novo e, sempre de novo, deseja fazer resplandecer a sua luz na nossa noite.


Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, cordiais saudações para todos vós, de modo especial para os fiéis cristãos de Goiânia, invocando sobre os vossos passos a graça do encontro com Deus: Jesus Cristo é a Tenda divina no meio de nós. Ide até Ele, vivei na sua graça e tereis a vida eterna. Sobre vós e vossas famílias desça a minha Bênção.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Catequeses do Ano da Fé. Como falar de Deus?


AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 28 de Novembro de 2012


O Ano da Fé. Como falar de Deus?

Queridos irmãos e irmãs,

A interrogação central que hoje levantamos é a seguinte: como falar de Deus no nosso tempo?Como comunicar o Evangelho, para abrir caminhos à sua verdade salvífica nos corações muitas vezes fechados dos nossos contemporâneos e nas suas mentes por vezes distraídas pelas numerosas luzes da sociedade? O próprio Jesus, dizem-nos os evangelistas, ao anunciar o Reino de Deus, interrogou-se acerca disto: «A quem compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos?» (Mc 4, 30). Como falar de Deus hoje? A primeira resposta é que nós podemos falar de Deus, porque Ele falou connosco. Portanto, a primeira condição para falar de Deus é a escuta daquilo que o próprio Deus disse. Deus falou connosco! Por conseguinte, Deus não é uma hipótese distante sobre a origem do mundo; não é uma inteligência matemática muito distante de nós. Deus interessa-se por nós, ama-nos, entrou pessoalmente na realidade da nossa história e comunicou-se a si mesmo a ponto de se encarnar. Portanto, Deus é uma realidade da nossa vida, é tão grande que tem tempo também para nós, preocupa-se connosco. Em Jesus de Nazaré nós encontramos o rosto de Deus, que desceu do seu Céu para se imergir no mundo dos homens, no nosso mundo, e para ensinar a «arte de viver», o caminho da felicidade; para nos libertar do pecado e para nos tornar filhos de Deus (cf. Ef 1, 5; Rm 8, 14). Jesus veio para nos salvar e para nos mostrar a vida boa do Evangelho.

Falar de Deus quer dizer, antes de tudo, ter bem claro o que devemos levar aos homens e às mulheres do nosso tempo: não um Deus abstrato, uma hipótese, mas um Deus concreto, um Deus que existe, que entrou na história e está presente na história; o Deus de Jesus Cristo como resposta à pergunta fundamental do porquê e do como viver. Por isso, falar de Deus exige uma familiaridade com Jesus e com o seu Evangelho, supõe um nosso conhecimento pessoal e real de Deus, e uma forte paixão pelo seu desígnio de salvação, sem ceder à tentação do sucesso, mas seguindo o método do próprio Deus. O método de Deus é o da humildade — Deus faz-se um de nós — é o método realizado na Encarnação na simples casa de Nazaré e na gruta de Belém, o da parábola do pequeno grão de mostarda. É preciso não temer a humildade dos pequenos passos e confiar no fermento que se mistura com a massa e que, lentamente, a faz crescer (cf. Mt 13, 33). Ao falar de Deus, na obra de evangelização, sob a guia do Espírito Santo, é necessária uma recuperação de simplicidade, um retorno ao essencial do anúncio: a Boa Notícia de um Deus que é real e concreto, um Deus que se interessa por nós, um Deus-Amor que se faz próximo de nós em Jesus Cristo até à Cruz, e que na Ressurreição nos doa a esperança e nos abre para uma vida que não tem fim, a vida eterna, a vida verdadeira. Aquele comunicador extraordinário que foi o apóstolo Paulo oferece-nos uma lição que vai precisamente ao cerne da fé, do problema de «como falar de Deus» com grande simplicidade. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele escreve: «Também eu, quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o prestígio da eloquência nem da sabedoria, anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado» (2, 1-2). Portanto, a primeira realidade é que Paulo não fala de uma filosofia por ele desenvolvida, não fala de ideias que encontrou alhures ou que inventou, mas fala de uma realidade da sua vida, fala do Deus que entrou na sua vida, fala de um Deus real que vive, falou com Ele e falará connosco, fala do Cristo crucificado e ressuscitado. A segunda realidade é que Paulo não se procura a si mesmo, não quer criar para si um grupo de admiradores, não quer entrar na história como chefe de uma escola de grandes conhecimentos, não se procura a si mesmo, mas são Paulo anuncia Cristo e deseja conquistar as pessoas para o Deus verdadeiro e real. Paulo fala só com o desejo de anunciar aquilo que entrou na sua vida, e que é a vida autêntica, que o arrebatou no caminho de Damasco. Portanto, falar de Deus quer dizer reservar espaço Àquele que no-lo faz conhecer, que nos revela o seu rosto de amor; quer dizer expropriar o próprio eu, oferecendo-o a Cristo, na consciência de que não somos nós que podemos conquistar os outros para Deus, mas devemos esperá-los do próprio Deus, invocá-los dele. Portanto, falar de Deus nascer da escuta, do nosso conhecimento de Deus que se realiza na familiaridade com Ele, na vida da oração e segundo os Mandamentos.

Comunicar a fé, para são Paulo, não significa anunciar-se a si mesmo, mas dizer aberta e publicamente aquilo que viu e sentiu no encontro com Cristo, quanto experimentou na sua existência já transformada por aquele encontro: é anunciar aquele Jesus que sente presente em si e que se tornou a verdadeira orientação da sua vida, para levar todos a compreender que Ele é necessário para o mundo e é decisivo para a liberdade de cada homem. O apóstolo não se contenta com proclamar palavras, mas envolve toda a sua existência na grande obra da fé. Para falar de Deus, é necessário reservar-lhe espaço, na confiança de que é Ele quem age na nossa debilidade: reservar-lhe espaço sem medo, com simplicidade e alegria, na convicção profunda de que quanto mais O pusermos no centro, Ele e não nós, tanto mais a nossa comunicação será frutuosa. E isto é válido também para as comunidades cristãs: elas são chamadas a mostrar a ação transformadora da graça de Deus, superando individualismos, fechamentos, egoísmos, indiferenças e vivendo o amor Deus nos relacionamentos quotidianos. Perguntemo-nos se as nossas comunidades são verdadeiramente assim. Temos que agir, para nos tornarmos sempre e realmente assim, anunciadores de Cristo e não de nós mesmos.

Nesta altura, temos que nos interrogar como o próprio Jesus comunicava. Na sua unicidade, Jesus fala do seu Pai — Abbá — e do Reino de Deus, com o olhar cheio de compaixão pelas necessidades e dificuldades da existência humana. Fala com grande realismo e, diria, o essencial do anúncio de Jesus é que torna transparente o mundo e a nossa vida tem valor para Deus. Jesus demonstra que no mundo e na criação transparece o rosto de Deus e mostra-nos que Deus está presente nas histórias quotidianas da nossa vida. Quer nas parábolas da natureza, o grão de mostarda, o campo com diversas sementes, quer na nossa vida, pensamos na parábola do filho pródigo, de Lázaro e noutras parábolas de Jesus. Dos Evangelhos nós vemos como Jesus se interessa por cada situação humana que Ele encontra, se imerge na realidade dos homens e das mulheres do seu tempo, com uma confiança plena na ajuda do Pai. E que realmente nesta história, de modo escondido, Deus está presente e, se prestarmos atenção, podemos encontrá-lo. E os discípulos que vivem com Jesus, as multidões que O encontram, vêem a sua reação aos problemas mais diversos, vêem como Ele fala, como se comporta; vêem nele a obra do Espírito Santo, a ação de Deus. Nele anúncio e vida entrelaçam-se: Jesus age e ensina, começando sempre a partir de uma relação íntima com Deus Pai. Este estilo torna-se uma indicação essencial para nós, cristãos: o nosso modo de viver na fé e na caridade torna-se um falar de Deus no presente, porque mostra com uma existência vivida em Cristo a credibilidade, o realismo daquilo que dizemos com palavras, que não são apenas palavras, mas demonstram a realidade, a realidade verdadeira. E nisto devemos estar atentos a captar os sinais dos tempos na nossa época, ou seja, a identificar as potencialidades, os desejos, os obstáculos que se encontram na cultura actual, de modo particular o desejo de autenticidade, o anseio pela transcendência, a sensibilidade pela salvaguarda da criação, e comunicar sem temor a resposta oferecida pela fé em Deus. O Ano da fé é ocasião para descobrir, com a fantasia animada pelo Espírito Santo, novos percursos a níveis pessoal e comunitário, a fim de que em cada lugar a força do Evangelho seja sabedoria de vida e orientação da existência.

Também no nosso tempo, um lugar privilegiado para falar de Deus é a família, a primeira escola para comunicar a fé às novas gerações. O Concílio Vaticano II fala dos pais como dos primeiros mensageiros de Deus (cf. Constituição dogmática Lumen gentium, 11; Decreto Apostolicam actuositatem, 11), chamados a redescobrir esta sua missão, assumindo a responsabilidade de educar, de abrir as consciências dos pequeninos ao amor de Deus, como um serviço fundamental à sua vida, de ser os primeiros catequistas e mestres da fé para os seus filhos. E nesta tarefa é importante antes de tudo a vigilância, que significa saber aproveitar as ocasiões favoráveis para introduzir na família o discurso de fé e para fazer amadurecer uma reflexão crítica em relação aos numerosos condicionamentos aos quais os filhos estão submetidos. Esta atenção dos pais é também sensibilidade de entender as possíveis interrogações religiosas presentes no espírito dos filhos, às vezes evidentes, outras, escondidas. Depois, a alegria: a comunicação da fé deve ter sempre uma tonalidade de alegria. É a alegria pascal, que não se cala, nem oculta a realidade da dor, do sofrimento, do cansaço, da dificuldade, da incompreensão e da própria morte, mas sabe oferecer os critérios para interpretar tudo na perspectiva da esperança cristã. A vida boa do Evangelho é precisamente este novo olhar, esta capacidade de ver cada situação com os olhos do próprio Deus. É importante ajudar todos os membros da família a compreender que a fé não é um peso, mas uma fonte de júbilo profundo, é entender a obra de Deus, reconhecer a presença do bem, que não faz ruído; e oferece orientações preciosas para viver bem a própria existência. Enfim, a capacidade de escuta e de diálogo: a família deve ser um ambiente em que as pessoas aprendem a estar juntas, a recompor os contrastes no diálogo recíproco, que é feito de escuta e de palavra, a compreender-se e a amar-se, para ser um sinal mútuo do amor misericordioso de Deus.

Portanto, falar de Deus quer dizer fazer compreender com a palavra e com a vida que Deus não é o concorrente da nossa existência, mas sobretudo o seu verdadeiro garante, o protetor da grandeza da pessoa humana. Assim voltamos ao início: falar de Deus é comunicar, com força e simplicidade, com a palavra e a vida, aquilo que é essencial: o Deus de Jesus Cristo, aquele Deus que nos mostrou um amor tão grande, a ponto de se encarnar, morrer e ressuscitar por nós; aquele Deus que pede para O seguir e para se deixar transformar pelo seu amor imenso, para renovar a nossa vida e os nossos relacionamentos; aquele Deus que nos concedeu a Igreja, para caminharmos juntos e, através da Palavra e dos Sacramentos, renovarmos toda a Cidade dos homens, a fim de que ela possa tornar-se Cidade de Deus.


Saudação

Uma saudação cordial a todos os peregrinos de língua portuguesa, com votos de serem por todo o lado zelosos mensageiros e testemunhas da fé que vieram afirmar e consolidar neste encontro com o Sucessor de Pedro. Que Deus vos abençoe. Obrigado!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sacrosanctum Concilium, Parte Seis. Santa Missa: culto agradável a Deus e o caráter esponsal de Cristo com Sua Igreja.


Outros artigos sobre o CVII:


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Gostaria de voltar a insistir no início do documento conciliar Sacrosanctum Concilium, mais especificamente em seu número 7.

A riqueza de conteúdo de um simples parágrafo que trata da presença de Cristo na liturgia é imensa, senão vejamos;

7. (...) Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.

A grande obra mencionada, sem dúvida é a missa que o parágrafo anterior e todo o documento discorrem, entretanto, logo na primeira frase desse parágrafo algo significante é revelado:

“(...) permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, (...)

Ora, a Santa Missa permite que Deus seja perfeitamente glorificado, então porque modificá-la ao bel prazer de quem assiste ou pretende prepará-la? A perfeição mencionada não é figurativa, é conceitual. Perfeição é perfeição. Algo perfeito não precisa ser modificado. Tudo se modifica porque busca a perfeição, penso que não há dificuldades em entender isso. Se a missa “permite que Deus seja perfeitamente glorificado”, não é a mudança inserida por um sacerdote desobediente ou mal-formado ou mesmo uma equipe de liturgia mal-conduzida e muito garantidora de si que poderá modificar a liturgia ao seu bel prazer.

A perfeição inserida na liturgia por todos os motivos imaginados e ainda o caráter sacrifical e de culto que a Santa Missa traz consigo, garante a ela o direito de não ser modificada a não ser por quem de direito, por quem tem o poder de ligar e desligar concedido pelo Cristo (Mt. 16, 18 ss) e porque quem tem o poder de pastorear (Jo 21, 15-17). Sim, a Igreja pode modificar a liturgia, mas obviamente não como um todo, o cerne da Santa Missa nunca poderá ser modificado, nem mesmo pela Igreja de Cristo.

Em outro momento, dentro da mesma frase, temos o seguinte:

“(...) e que os homens se santifiquem.

Ora, se a Santa Missa permite que Deus seja perfeitamente glorificado, por obviedade que a consequência disso é a santificação dos homens, que não são alvos da Santa Missa, já que é culto agradável a Deus (Rm 12,1-2) instituído pelo próprio Cristo, mas os homens ali presentes se santificam pelo Espirito Santo de Deus que é amor (1Jo 4,8 e 1Jo 4,16) e transborda esse amor gerando cada um de nós e o mundo a nossa volta com o poder santificador que só através de Deus pode vir.

Esse ponto é o que os protestantes não conseguem compreender, alguns por absoluta ignorância (que é o que os salva) e outros por total má-fé (que é o que os condena). Só Deus salva e o único mediador é Cristo (1Tm 2, 5), contudo essa salvação santificante vem através da missa quando há a consagração do corpo e sangue de Cristo (Eucaristia) conforme prescrito por Ele próprio. Cristo morreu para nos salvar, Ele não ressuscitou para nos salvar. Por esse motivo a Santa Missa é a celebração da cruz, da morte e não da ressurreição que só é memorial nesse milagre que todos os dias acontece sobre a Terra e nos passa desapercebido.

Para se chegar a estar plenamente preparado para ter Cristo dentro de si é preciso seguir um sério caminho santificador que não é fácil de ser percorrido e que não se percorre sozinho. Nesse ponto entram os santos e a maior de todas, Maria, aquela que é o ser humano mais perfeito criado por Deus; além da Igreja, claro (Hb 5,1). É Deus que salva e é Cristo o mediador, o que não impede que outros mediadores nos levem a Cristo. Levando-nos a Cristo levam-nos, infalivelmente, à Santa Missa que, por sua vez, tem esse poder santificante sobre os homens.

Terminando esse ínfimo parágrafo que muito diz em pouquíssimas palavras, temos o seguinte:

“(...) Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.”

Cristo sempre se associa a Sua Igreja pelo fato de que é Sua esposa amada. Assim como o homem se associa permanentemente à sua esposa quando enlaçados pelo matrimônio, Cristo se associa inseparavelmente à Sua esposa que é a Igreja e por meio dela presta culto ao Pai, assim como deve ser prestado culto ao Pai pelos esposos em seu matrimônio.

Cristo quis unir-se à Igreja por meio de uma aliança indissolúvel e, mesmo que não esteja presente fisicamente no meio de nós, Ele está de forma sacramental e esponsal no seu corpo místico: a Igreja, sua esposa, afinal os esposos se tornam uma só carne (Gn 2, 24; Mt 19,5; Mt 19,6; Mc 10, 8 e Ef 5,31). Tornando-se uma só carne com Cristo, a Igreja é Cristo no meio de nós. Uma breve leitura de Os 2,21-22 e mais especificamente do capitulo segundo inteiro, pode nos abrir a mente quanto ao caráter esponsal havido entre Cristo e Sua Igreja.